O júri decidiu atribuir o prémio por unanimidade, algo que "diz tudo quanto ao reconhecimento da obra [de Mia Couto], do que significa literariamente, para a língua portuguesa e para quem escreve literatura nesse subúrbio da língua portuguesa que é Moçambique", referiu o ensaísta e professor português Carlos Reis, que integrou o júri e a quem coube anunciar o nome do vencedor.
Com este prémio "reconhece-se uma obra literária notável que inclui crónica, conto, novela", considerou o júri, composto por sete críticos literários e escritores.
O vencedor, que recebe um prémio de 150 mil dólares (135,5 mil euros), foi escolhido entre 49 autores de 20 países, que escrevem em seis línguas: catalão, castelhano, francês, italiano, português e romeno.
Mia Couto vai estar presente na 38.ª FIL de Guadalajara no dia 30 de novembro, primeiro dia desta edição, que se estende até 08 de dezembro.
Numa videochamada a partir de Moçambique, Mia Couto mostrou-se surpreendido com distinção: "Foi uma grande e bela surpresa".
Em resposta a questões dos jornalistas presentes na conferência de imprensa, que foi transmitida 'online' para todo o mundo, o escritor partilhou que "o primeiro grande assunto" que o preocupa atualmente é a paz, lembrando que vive num país "que ainda está em guerra".
"Preocupa-me também esta falsa busca de uma afirmação identitária, quando África se ocupa de afirmar o que é a sua própria universalidade", referiu.
Mia Couto considera que Moçambique "tem um desafio enorme que é não esquecer". "Luto também na minha escrita contra esse apagamento da História, essa espécie de 'historicídio'", defendeu.
Lembrando que começou a carreira como jornalista, o escritor mostrou-se preocupado com a crise vivida no jornalismo, "que pode significar um dia a sua morte".
"Mas não é por causa da ameaça das redes sociais e a tecnologia, mas por causa de uma questão: 'quem são os donos dos meios de comunicação de hoje?'", defendeu.
Esta não é a primeira vez que um escritor de língua portuguesa é distinguido com o Prémio FIL de Literatura em Línguas Românicas.
Os portugueses António Lobo Antunes e Lídia Jorge receberam o prémio em 2008 e 2020, respetivamente, e os brasileiros Nélida Piñon e Rubem Fonseca em 1995 e 2003.
No entanto, é a primeira vez que um escritor africano é premiado.
Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, trabalhou como jornalista e professor, e atualmente é biólogo e escritor.
Prémio Camões em 2013, Mia Couto é autor, entre outros, de "Jesusalém", "O Último Voo do Flamingo", "Vozes Anoitecidas", "Estórias Abensonhadas", "Terra Sonâmbula", "A Varanda do Frangipani" e "A Confissão da Leoa".
Traduzido em mais de 30 línguas, o escritor foi igualmente distinguido com o Prémio Vergílio Ferreira, em 1999, com o Prémio União Latina de Literaturas Românicas, em 2007, e com o Prémio Eduardo Lourenço, em 2011, pelo conjunto da obra, entras outras distinções.
"Terra Sonâmbula" foi eleito um dos 12 melhores livros africanos do século XX, e "Jesusalém" esteve entre os 20 melhores livros de ficção mais publicados em França, na escolha da rádio France Culture e da revista Télérama.
Em novembro está a prevista a edição de um novo livro de Mia Couto, "A cegueira do rio".
"Decorre no palco da guerra entre Portugal e a Alemanha, os militares alemães fizeram incursões em Moçambique e no mês seguinte Portugal envia a primeira de várias expedições militares para as colónias. Os combates generalizaram-se em finais de 1914 no Sul de Angola e no Norte de Moçambique", lê-se na sinopse divulgada pelo grupo editorial Leya.
O programa completo da 38.ª FIL de Guadalajara é anunciado em 08 de outubro.
[Notícia atualizada às 19h08]
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