Marcelo Rebelo de Sousa discursava na cerimónia de entrega do Prémio Camões de 2024 a Adélia Prado, que se fez representar pelo seu filho Eugênio, no Palácio Itamaraty, em Brasília, na presença do Presidente do Brasil, Lula da Silva, e do primeiro-ministro português, Luís Montenegro.
O Presidente português referiu que Adélia Prado "tem uma formação cristã, mais concretamente católica" e considerou que "retrata aquilo que é um humanismo cristão, com uma poética de interrogação, mas de esperança".
Adélia "é o Brasil sacroprofano, é o Brasil de fundo cristão", não "na base da exclusão, da intolerância", mas "na base da inclusão".
"Olha para o quotidiano, para a vida social, para a vida política, misturando o bucólico com o erótico, às vezes provocatória, com uma poesia de expansão temática aberta, não fechada. Foi sempre assim, Adélia", acrescentou.
Para o Presidente da República, "o que há de extraordinário em Adélia é o facto de o Brasil ter mudado muito, em termos sociais e em termos religiosos, e a poesia de Adélia ter continuado a ser sempre atual -- mais do que atual, pioneira".
Marcelo Rebelo de Sousa felicitou o júri "pela coragem deste prémio" com o nome de Camões, que "quer dizer poesia intemporal".
Segundo o chefe de Estado, "Adélia, sendo tão temporal, tão ligada ao concreto, é intemporal, e sendo portadora da esperança cristã, viu a miséria do mundo, mas afirmou a esperança num mundo melhor", como "profeta do futuro".
No seu entender, a escritora contribuiu para "afirmar o papel da mulher, o papel da esperança, o papel de um mundo melhor, tão importante num tempo em que a desesperança, o egoísmo, a arrogância substituem a humildade".
Marcelo Rebelo de Sousa contou que teve ocasião de a felicitar por telefone por este prémio e ouviu "uma mulher humilde".
"Mas todos os excecionais são humildes", comentou.
"Adélia é excecional, por isso mereceu o Prémio Camões, uma figura excecional da língua portuguesa", concluiu o Presidente português.
No início da sua intervenção, Marcelo Rebelo de Sousa assinalou a presença na sala dos 11 ministros do Governo PSD/CDS-PP que vão participar na 14.ª Cimeira Luso-Brasileira, na quarta-feira: "Nunca vi tanto ministro português junto, se não na posse. Primeira vez, depois da posse, que vejo tanto ministro português, foi preciso vir a Brasília".
Adélia Prado, nascida em Divinópolis, Minas Gerais, em 1935, foi professora e estreou-se como autora em 1976, já com 40 anos, com o livro de poesia "Bagagem", apadrinhada por Carlos Drummond de Andrade.
Escreveu sobretudo poesia, mas também prosa. "O Coração Disparado", distinguido com o Prémio Jabuti de Literatura, "Terra de Santa Cruz" e "Solte os Cachorros" são algumas das suas obras.
Marcelo Rebelo de Sousa falou em particular do livro "Bagagem", publicado há quase meio século, declarando: "Bagagem não é um peso, não é um fardo. Bagagem é aquilo que é a nossa vida, tudo aquilo que nos marcou ao longo da vida. Pode ser um acontecimento, uma alegria, uma tristeza, uma recordação de infância".
"Um filho, uma injustiça, uma pessoa que amou, que nos amou ou que nós amámos, um prazer, uma inquietação, uma beleza do mundo, uma comunicação com os outros", completou.
Há dois anos, os presidentes do Brasil e de Portugal estiveram também juntos, em Portugal, na entrega do Prémio Camões a Chico Buarque, juntamente com o então primeiro-ministro português, António Costa.
O Prémio Camões de literatura em língua portuguesa foi instituído por Portugal e pelo Brasil em 1988, com o objetivo de distinguir um autor "cuja obra contribua para a projeção e reconhecimento do património literário e cultural da língua comum".
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