Livro dedicado a Julião Sarmento narra história de amor e de interesses comuns

Um livro dedicado ao artista plástico Julião Sarmento (1948-2021), e a uma história de amor e de interesses comuns, escrito pela sua companheira de mais de uma década, Helena Vasconcelos, vai ser lançado no sábado, em Lisboa.

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© Igor Martins/Global Imagens

Lusa
06/03/2025 16:43 ‧ há 3 horas por Lusa

Cultura

Julião Sarmento

A sessão de lançamento de 'O Que Está Para Vir: Uma vida com Julião Sarmento' decorrerá no Museu de Arte Contemporânea do Centro Cultural de Belém (MAC/CCB), pelas 16h30, com a presença da autora e apresentação do curador de arte Delfim Sardo, vogal do conselho de administração do Fundação CCB.

 

Com chancela da Quetzal Editores, o livro, já disponível nas livrarias, narra uma história de amor e de interesses comuns pela voz da escritora e critica literária que foi sua companheira durante 14 anos, entre 1974 e o final dos anos 1980.

"Achei por bem escrever sobre ele, para ele. Precisava de o fazer. Como uma forma de terapia, de consolo", escreve a autora numa nota introdutória do livro dedicado ao artista plástico de dimensão internacional que morreu em 2021. A obra centra-se num período em que Julião Sarmento já tinha conquistado espaço em Portugal, e estava a dar passos além-fronteiras.

Esse tempo fica marcado por um contexto em que o país está a sentir o impacto da Revolução de Abril, com a liberalização dos costumes, do pensamento e do gosto, mostra-se prolífico na promoção das artes, no desenvolvimento da cultura urbana e de um estilo de vida boémio.

"O Julião abriu a porta. À minha frente estava um homem jovem, magro e muito alto, não propriamente bonito, mas muito atraente. Reparei que tinha uma camisa de ganga aberta quase até à cintura e umas calças bem apertadas. Do pescoço pendia uma corrente de prata com um escaravelho egípcio. Agradou-me imediatamente", descreve Helena Vasconcelos sobre o primeiro encontro com o artista nascido em 1948.

A autora considera que a existência em comum foi sobretudo de "descoberta e das experiências", e que o período depois da separação foi o de maior pujança e maturidade para o artista: "Foi um tempo importante. No entanto, mesmo que nunca nos tivéssemos cruzado, ele teria sido, e será sempre, um grande artista, um dos mais importantes da sua geração, a nível global", conclui a escritora nascida em Lisboa, que viveu alguns anos em Goa, Índia e Moçambique.

O casal encontrou-se num tempo em que se vivia uma descoberta a todos os níveis: locais noturnos, sexualidade, moda, exposições, música, meios alternativos à estrutura familiar tradicional burguesa.

"Nunca mais existiu o fluxo de ideias e de movimentos, de ligações e de feitos como nos anos 70 e 80 do século XX. No mundo da criação artística deu-se um verdadeiro terramoto", considera a escritora, sobre o "quebrar de barreiras" e o "impulso em direção a alguma coisa grandiosa".

Helena Vasconcelos descreve Julião Sarmento, desde o primeiro momento em que o conheceu, como um "artista total e livre", um humanista, de coração generoso para com os amigos e causas, muito exigente no seu trabalho.

"Estas são as memórias possíveis de um tempo de amor e amizade, para além da vida e da morte", resume a autora de 'A Infância é um Território Desconhecido', e 'Humilhação e Glória', que confessa ter ficado em choque quando soube da morte de Sarmento, com quem manteve sempre contacto, numa "amizade profunda".

O livro percorre as duas décadas e divide-se em cinco capítulos preenchidos de recordações, entre viagens, visitas a exposições, amizades com galeristas portugueses e estrangeiros, também com artistas de várias nacionalidades, com quem muitas vezes Sarmento trocou obras de arte que foi colecionando ao longo da vida.

Através de um acordo assinado em 2024 com a Câmara Municipal de Lisboa, a coleção de arte privada de Julião Sarmento - com cerca de 1.200 peças - ficou sob alçada de gestão municipal por pelo menos dez anos, renováveis, para ser depositada e exibida no Pavilhão Azul, remodelado.

A inauguração chegou a estar marcada para a data do seu aniversário nesse ano - 04 de novembro - mas foi adiada sem nova indicação municipal sobre a abertura do novo equipamento cultural na zona de Belém.

Nas amizades, Helena Vasconcelos destaca dois da mesma geração: Michael Biberstein (1948-2013), pintor de origem suíça que viveu durante três décadas em Portugal, e Fernando Calhau (1948-2002), com quem Sarmento partilhou os interesses pela arte, cinema e literatura.

"Com o Julião, eu desejava formar um desses casais míticos de artistas, como Sartre e Beauvoir, Lee Krasner e Jackson Pollock, Geórgia O'Keeffe e Alfred Stieglitz, Frida Khalo e Diego Rivera ou Picasso e Françoise Gilot, entre tantos outros que viveram juntos, comungando do amor à arte e à criatividade", escreve Vasconcelos.

A escritora assinala que se considerava uma romântica, mas admitia que ambos tinham o seu próprio trabalho e visão: "Éramos muito diferentes, mas complementávamo-nos e encontrávamo-nos nos lugares mentais das nossas paixões pela beleza, pela arte e pela literatura".

O relacionamento foi também marcado pelo sofrimento devido a "constantes afastamentos", solidão, ciúme, incompreensão, com momentos de bem-estar juntos, e outros em que discutiam "violentamente".

"Era tudo ou nada: alegria ou drama, lágrimas e festa. É possível descobrir tudo isso na obra de Julião dos finais dos anos 1970, princípios de 1980, toda uma tensão erótica, leveza e peso, felicidade e infelicidade que permaneceram na sua obra, muito depois desses acontecimentos", relata, dando exemplo de obras que espelham aquela fase da vida comum.

'Noites Brancas"' (1982), 'Sonho Negro' (1983/84), a série 'Estratégias de Sobrevivência' (1984), 'Segredos' (1986/87) e 'Vampyr' (1986), com imagens estilhaçadas em jogos complexos, referências abundantes e "uma violência sempre latente" no trabalho do artista cuja obra percorre a pintura, o desenho, o vídeo, o som, a fotografia e a performance.

"A morte do Julião transtornou-me. Tem sido um luto difícil de fazer". Por isso Helena Vasconcelos começou a escrever sobre a vida que partilharam: "É o único remédio que conheço para fazer o luto", justifica.

Autor de uma obra multifacetada, Julião Sarmento, nascido em Lisboa, representou Portugal na Bienal de Arte de Veneza em 1997 e foi alvo de uma exposição pela Tate Modern, em Londres, em 2011.

No ano seguinte, o Museu de Serralves, no Porto, organizou a mais completa retrospetiva até hoje realizada do seu trabalho.

Leia Também: Julião Sarmento e Lídia Jorge em destaque nos lançamentos de fevereiro

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