A "mulher para lá do mito": Também há 'inferno' na vida da Rainha Santa

Em entrevista ao Notícias ao Minuto, a escritora Isabel Stilwell destaca a emancipação e o poder de uma rainha que desde o nascimento à morte enfrentou a divisão dos que lhe eram queridos.

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© Global Imagens

Carolina Rico
05/04/2017 14:45 ‧ 05/04/2017 por Carolina Rico

Cultura

Isabel Stilwell

Muito já se contou acerca de Isabel de Aragão, imortalizada como Rainha Santa. Isabel Stilwell arriscou 'acrescentar um ponto'. É ela a heroína do seu novo romance histórico, 'Isabel de Aragão - Entre o céu e o inferno', que hoje chega às livrarias.

A rainha Isabel de Aragão é uma das figuras mais acarinhadas da História Portuguesa. Foi um desafio maior retratar alguém sobre quem parece já se ter escrito tudo?

É uma moeda de dois lados. Por um lado, há muita informação [...] por outro, muita coisa tem sido escrita sobre a Rainha Santa nessa perspetiva. Muitas biografias e textos são apologéticos. Acabam por prestar um mau serviço à rainha porque não a mostram de facto como ser humano.

Isabel surge quase sempre como uma figura mitificada. Tenta, no seu livro, humanizá-la?

Não é por ser contra a ‘santidade’, vê-se bem que é uma vida extraordinária, mas tento procurar a mulher para lá de todos os mitos e lendas que foram criados.

Humanizar significa muitas vezes apontar defeitos, fraquezas, erros. Este exercício pode levantar críticas de quem admira a rainha pela sua aura santificada?

As pessoas podem sempre ler mal, podem ter a sua própria imagem de como era a rainha e reagir mal a quem tenha uma visão um bocadinho diferente. Tenho de ter a humildade de dizer que esta é a minha Isabel de Aragão. Faço um grande esforço por todo o rigor histórico para manter as datas, os factos. Mas este é um romance histórico e há aqui lugar para a ficção. Para que eu possa, perante esses factos, vê-la de uma maneira que não é, se calhar, igual à de outra pessoa perante os mesmos factos.

O que é que gostaria de acrescentar ao legado de Isabel de Aragão com este livro?

Gostava que as pessoas a conhecessem melhor. Nós temos uma ideia, pelo menos eu tinha, de que a rainha está muito ligada ao Convento de Santa Clara. Ela vai viver para Coimbra, nunca para o convento – constrói um palácio ao lado do convento. Ela nunca foi abadessa, nunca foi freira. Decide ser sempre rainha e uma mulher livre, nunca se submete a nenhuma ordem religiosa. Fala-se mais de uma parte da vida dela após a morte do rei Dom Dinis, mas nessa altura ela já era rainha há 43 anos. Fico com ideia de que esses anos ficaram um bocadinho apagados.

Na maioria dos casos, as rainhas consortes ficam esquecidas quando o rei morre.

No caso de Isabel é o contrário.

E importa lembrar o seu reinado porque não era uma figura secundária, atrás do marido?

Sim. E há o conflito entre o filho e o marido que a põe numa posição muito complicada. O seu único filho varão abre guerra civil contra o pai. É um momento difícil. Pessoalmente acho que ela tentou ser sempre leal ao compromisso que tinha com o marido de o servir até à morte, mas esteve muito dividida entre o filho e o marido.

O facto de esta rainha ter só dois filhos, o que é raro, significa que ela ficou muito disponível para exercer um papel político muito importante. Se ela tivesse sido uma mulher com 10 ou 12 filhos teria passado a maior parte da sua vida grávida. O facto de ela ter tido só dois filhos faz dela uma figura mais poderosa.

Colocada numa posição impossível, é preciso coragem e poder pessoal para escolher um dos lados.

É precisamente isso, poder pessoal, não só coragem. É preciso ter conquistado reconhecimento das partes, mas também dos conselheiros dos reis, dos príncipes e da população para poder ter este papel.

A frase que escolheu para subtítulo – "entre o céu e o inferno" é quase um resumo daquilo que foi a vida da Rainha Santa?

É como Caim e Abel. Quando Isabel nasce, o pai e o avô estavam em guerra, depois o pai dela mata um meio-irmão. Depois, D. Dinis e o filho, D. Afonso, travam batalhas sérias um contra o outro, e ainda passa pela guerra do filho com os meios-irmãos bastardos. Ela morre após uma longa viagem na esperança de fazer as pazes entre o filho e o rei de Castela. Não desiste, até ao fim, de ser uma mediadora de paz. Mas deve ter sido um inferno.

 

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