Aos quatro anos já andava de bola de basket na mão. Filho de Carlos Lisboa, um dos maiores nomes do basquetebol português, Rafael quer absorver muito daquilo que o pai, e agora treinador, lhe ensina, mas pretende trilhar o seu próprio caminho.
Ajudou Portugal a sagrar-se campeão da Europa de sub-20 [divisão B] e, além de fazer parte do cinco ideal do torneio, foi também considerado o MVP da competição. Sem querer deslumbramentos, Rafael Lisboa afirmou ao Desporto ao Minuto que continua com os seus pés bem assentes na terra e que está focado nos objetivos do Benfica para a próxima temporada.
O jovem de apenas 19 anos tem um futuro certamente brilhante no basquetebol, mas confidenciou-nos que chegou a ter uma queda pelo… futebol. Contudo, o basquetebol foi aquilo que sempre o fez feliz. Uma felicidade que até aqui sempre andou de mão dada com o Benfica, e já vai perceber porquê.
Qual foi a sensação de ganhar o Europeu e o facto de fazer parte de uma página de ouro do basquetebol português?
É difícil explicar em palavras o que é ganhar o Europeu, ainda por cima em casa, perante os nossos adeptos. A união, a família que somos, a equipa… acho que estes pontos foram fundamentais para a conquista, além dos aspetos táticos e técnicos. Demonstrámos que o basquetebol português tem valor e que podemos fazer boas coisas no futuro.
Foste o MVP do torneio. Esperavas essa distinção e tinhas essa ambição?
Não pensava nisso. Pensava em ganhar o Campeonato da Europa e obviamente que, antes de o Neemias se aleijar, eu pessoalmente, mas também todos nós, pensávamos que o Neemias iria ser o MVP. À partida pensávamos que ele ia ser o MVP, mesmo não jogando a final. Não aconteceu assim, mas eu sempre estive focado foi em ganhar a Taça de Campeões da Europa.
A seleção é ainda muito jovem, apesar de ter já conseguido uma conquista importante e inédita para o basquetebol português. O que é que podemos esperar desta geração no futuro?
Acho que mostrámos que somos uma geração com qualidade e que o nosso basquetebol tem valor. A geração de 99 e 2000 tem valor e temos jogadores já com alguma experiência que até nem é normal para atletas que disputam um Euro de sub-20. O que podemos prometer é que vamos continuar a trabalhar e que vamos representar o nosso país da melhor maneira. Será sempre um orgulho representar Portugal.
Rafael Lisboa a ser saudado pelos companheiros de seleção após a vitória na final no Euro sub-20© Global Imagens
E para quem não conhece o Rafael Lisboa, explica-nos um pouco quando se deu o primeiro o contacto com o basquetebol, até chegares à equipa principal do Benfica e a campeão europeu de sub-20.
Eu comecei a jogar com quatro anos no Benfica, onde fiz toda a minha formação. Representei a pela primeira vez a Seleção de Lisboa nos sub-16, e a minha primeira internacionalização por Portugal foi nos sub-20 no ano passado, contra a Holanda. Já tinha sido chamado para os sub-18, mas abandonei o grupo devido a uma lesão grave.
Disseste que começaste a jogar com apenas quatro anos. Muitos sabem que és filho do Carlos Lisboa, um dos maiores nomes do basquetebol português, e o que te pergunto é se essa paixão pelo basquete nasceu contigo ou se também foi um pouco passada pelo teu pai?
Eu comecei a jogar com quatro anos, mas houve um dia nas férias em que estava a ver um jogo de futebol – já não me lembro qual – mas no final olhei para o meu pai e disse: ‘olha quero jogar futebol’. O meu pai disse-me que era uma opção minha e que me iria apoiar naquilo que eu quisesse. Assim foi… Joguei futebol numas escolinhas do Benfica, mas para além de não ter muito jeito, pensei: ‘Não é isto que me faz feliz. Quero voltar para o basquetebol’. Eu no fundo quis experimentar uma coisa nova e ele esteve completamente de acordo e ajudou-me. Fomos logo comprar chuteiras, equipamentos, mas eu percebi que não era aquilo que me fazia feliz. Foi sempre uma opção minha e é o basquetebol que me faz feliz. Mas claro, eu comecei a jogar muito cedo, porque desde logo tive um grande contacto com o basquetebol. No futebol nem estive um ano…
Por seres filho do Carlos Lisboa, sentes que isso é um peso quando estás em campo?
Desde o dia em que nasci eu sou filho do Carlos Lisboa e para mim é uma coisa normal. Sinto-me orgulhoso pelo percurso dele, por aquilo que fez e continua a fazer pelo nosso basquetebol. É um peso, claro, mas eu não o sinto dessa forma. Tenho acesso a conselhos que mais ninguém pode conseguir ter e é por essa vertente que eu levo as coisas. As outras pessoas podem ver como uma pressão, mas sinto apenas uma relação entre pai e filho, e sou um privilegiado por estar todos os dias com uma lenda do basquetebol português.
Tu estás desde sempre no Benfica…
Sim. Eu estive em Aveiro quando o meu pai foi treinar o Aveiro Basket, mas não competi. Fui para lá com a minha mãe também e os meus irmãos nasceram lá. Mas só joguei no Benfica. Até o futebol… mas também natação. Fiz tudo no Benfica.
Chegaste em 2017/18 à equipa principal do Benfica. Como é que foi esse primeiro contacto com os ‘graúdos’ e na Liga Placard?
O Campeonato tem mais qualidade do que a ProLiga e tem de haver muito mais disponibilidade física. Houve ali um embate ao início. Não é bom, nem mau, mas senti uma diferença que foi boa para mim. Quanto mais cedo sentisse essa diferença, melhor. Fiz o meu primeiro jogo pelo Benfica um dia depois de completar 18 anos. Os meus colegas ajudaram-me muito na adaptação, o treinador também, na altura era o José Ricardo, e foi fácil. O embate físico foi mesmo aquilo que mais me marcou, mas ao longo dos anos estou a sentir-me mais forte e mais disponível fisicamente.
Rafael Lisboa numa partida diante do FC Porto© Global Imagens
E nesta época que passou, acabaste por somar mais minutos na equipa principal…
Houve uma mudança de treinador e com o primeiro [Arturo Alvaréz] eu não jogava muitos minutos. Mas isso só me motivou a trabalhar mais e a mostrar que era capaz. Com a mudança de treinador, acabei por jogar mais e em jogos importantes. Isso fez-me crescer em maturidade de jogo, saber lidar com um pavilhão cheio e a ter a pressão de ganhar. Isso ajudou-me muito até para este Campeonato da Europa, a controlar melhor as emoções e para não afetar o meu jogo.
O teu pai acabou por ser tornar teu treinador a meio da época. Como achas que isso pode ser visto pelos outros, achas que podes estar mais sujeito a críticas?
Curiosamente, já estava preparado para essa pergunta e normalmente dou sempre a mesma resposta. Quando existem pessoas que falam nisso, a minha resposta é querer mostrar o dobro em campo. Obviamente que não ligo a isso. Cada um tem direito à sua opinião. Escolhi ser jogador profissional e por isso estarei sempre sujeito a críticas. Não vou mudar a minha forma de trabalhar por causa desses comentários.
NBA? "Todos já pensaram o incrível que era jogar ali"
E como te sentes para esta temporada que se aproxima? O Benfica parece estar a reforçar-se bem e a apostar forte no mercado.
As expectativas individuais são exatamente iguais às coletivas: ganhar as competições em que estamos envolvidos. A época passada não foi feliz em termos de títulos, mas estamos cá para redimir essa época e tentar ganhar tudo a nível nacional. Sinto-me mais superado e preparado para ajudar o Benfica. Vou procurar ser o mesmo jogador que mostrei ser a época passada. Sou base e procuro ser sereno e tranquilo em campo, e distribuir os meus colegas da melhor maneira para podermos ganhar os jogos.
Achas que a entrada do Sporting na Liga Placard, acaba por ser positiva, uma vez que os três grandes estão agora em competição?
Claro que sim. O Sporting vem ajudar à promoção da modalidade e é sempre um grande que está no basquetebol. Juntamente com a Oliveirense, vão haver agora quatro equipas a querer ser campeãs nacionais. E isso ajuda a que o campeonato seja melhor e mais competitivo. Vão haver mais jogos emocionantes, mas no final esperamos todos é que o Benfica seja campeão.
Tu és ainda muito novo, apenas 19 anos. Estás já numa das melhores equipa a nível nacional, mas onde te vês, por exemplo, daqui a cinco anos?
Eu sou uma pessoa que não me imponho limites. Não digo que daqui a cinco anos vou estar aqui ou ali. Claro que tenho objetivos. Mas daqui a cinco anos quero olhar para trás e ver que estarei onde estiver, dei o meu melhor e este é o melhor sítio onde poderia estar. Obviamente que tenho o objetivo de jogar fora de Portugal, mas não sei o futuro e sei que vou dar tudo e ficar de consciência tranquila.
Deves ter um ídolo ou um modelo a seguir certamente…
Essa resposta não é difícil. O meu ídolo é o meu pai [Carlos Lisboa]. Sempre foi uma referência em ética de trabalho, profissionalismo, mentalidade ganhadora, a nível de títulos… Não é qualquer jogador que consegue alcançar os títulos que ele ganhou [14 vezes Campeão Nacional]. Ele jogou desde os 19 até aos 38 e conta-se pelos dedos de uma mão os campeonatos que ele falhou. Não vejo nenhum jogador português que esteja perto de fazer isso. Já disse recentemente que o meu pai é um animal de competição, no bom sentido. Nunca conheci uma pessoa tão competitiva. Se ele marcasse 50 pontos e a equipa perdesse, ele sentia que tinha jogado mal. Tudo isto são coisas que eu procurar transferir para mim. O meu pai sempre jogou connosco, comigo e com os meus irmãos, jogos de tabuleiro, consola… e mesmo em miúdos nunca nos deixava ganhar. É uma coisa que eu aprecio muito. Daqui a 30 anos, as pessoas só se vão lembrar dos títulos que determinado jogador ganhou. É uma referência para mim.
Rafael, com o pai e treinador do Benfica, Carlos Lisboa, num encontro frente à Ovarense© Global Imagens
Já falámos no Neemias Queta e ele pode ser o primeiro português na NBA. Tu não estás no mesmo contexto que ele, que joga já nos EUA, mas achas que a NBA é um sonho atingível para ti?
Seja um jogador português, americano, chinês ou de qualquer lado, é sempre um sonho jogar na NBA. Todos já pensaram o incrível que era jogar ali. Mas antes de começar o Europeu, e depois de acabar o Europeu e ser MVP e Campeão… eu sou a mesma pessoa. Sou o Rafael Lisboa e não vou mudar, nem deslumbrar. Continuo com os pés assentes na terra. A única coisa que eu sei é que se continuar a trabalhar com compromisso e profissionalismo quero chegar o mais longe possível.
O Neemias poderá provavelmente chegar à NBA no próximo ano e faz parte da tua geração. Achas que ele tem o que é preciso para vingar?
Acho que sim. Acho que ele tomou uma decisão correta por não ir já este ano. Ele é muito inteligente e ponderado. Sentiu que não era a altura certa, mas acho que ele tem tudo para vingar. É um poste alto, corre muito bem o campo, é um especialista na defesa, ganha muitos ressaltos, muitos ‘abafos’… Em termos ofensivos melhorou muito na última época o seu jogo de costas para o cesto. E além disto tudo, ele continua a ser o mesmo Neemias que sempre conheci. Não ficou uma pessoa diferente por estar em palcos maiores e acho que isso é uma das maiores virtudes dele. Estou certo de que vai ser o primeiro jogador português na NBA.
E o que dizes de uma dupla entre o Neemias e o Rafael Lisboa na NBA?
Não posso prometer uma coisa dessas, porque jogar na NBA não é para qualquer um. Vou estar muito contente por ele e pelo basquetebol português, mas não vou mudar a minha maneira de pensar. Vou estar sempre a trabalhar muito, mas essas coisas não me cabem a mim examinar. Tenho é de treinar e jogar o melhor que sei. Obviamente que quanto mais longe chegar, mais contente ficarei, mas não quero fazer esse tipo de análises só porque agora também fui MVP no Euro-sub20 e campeão da Europa.
Já disseste que estavas realmente focado nos objetivos do Benfica para esta época, mas ninguém leva a mal os sonhos. Se hoje te colocassem um contrato da NBA à frente, por qual clube gostaria de assinar?
O meu clube sempre foram os LA Lakers. O meu ídolo antes de terminar a carreira sempre foi o Kobe Bryant e agora para mim o LeBron James é o melhor jogador da atualidade. Por isso, os Lakers eram a equipa de excelência para mim.