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"Ao início tive muitos receios, mas agora adoro a Arménia e o clube"

Ângelo Meneses partiu para uma aventura além-fronteiras há quase um ano, altura em que deixou o Famalicão para se mudar para o FC Ararat. Na Arménia, o defesa português já conquistou dois títulos e revela-se muito ambicioso para o futuro.

Notícia

© Reprodução FC Ararat

Francisco Amaral Santos
03/08/2020 07:50 ‧ 03/08/2020 por Francisco Amaral Santos

Desporto

Exclusivo

Ângelo Meneses foi campeão na Arménia ao serviço do FC Ararat depois de ter deixado o Famalicão no verão de 2019. O defesa português de 27 anos tem assinado um percurso notável na equipa arménia e viveu uma temporada longa e com muita emoção pelo meio. Para além do título de campeão, o FC Ararat também venceu a Supertaça, mas perdeu na final da Taça da Arménia e ficou à beira de entrar na fase de grupos da Liga Europa. 

Quase um ano depois de ter deixado Vila Nova de Famalicão para se mudar para Erevan, Ângelo Meneses confessa, em entrevista exclusiva ao Desporto ao Minuto, que teve algum receio no início desta aventura fora de portas, mas que rapidamente teve a certeza de que tinha feito a escolha certa ao aceitar jogar pelo FC Ararat. 

As saudades da família são uma constante, mas o sucesso desportivo alcançado na Arménia serve como arma no combate à distância que separam o país arménio e Portugal. 

Também o facto de festejar um título em plena pandemia do novo coronavírus foi motivo de conversa, ao mesmo tempo que Ângelo traça um retrato sobre a forma como a Arménia reagiu ao confinamento

 O objetivo ao vir para aqui foi o de poder jogar numa Liga russa ou ucranianaComo descreve este primeiro ano fora de Portugal, num país novo e num contexto desportivo distinto?

Antes de mais, as minhas expectativas eram baixas ao início. Cheguei aqui sem grandes expectativas, mas depois de aqui estar um ano mudei completamente a ideia que tinha. Ou seja, tinha uma ideia errada sem ver o país. As expectativas foram mais do que superadas. Adoro a Arménia e adoro o clube para o qual vim. E, claro, estando as coisas a correr bem é sempre mais fácil. Os títulos, o facto de jogar sempre… Tudo isto ajudou para que a minha adaptação fosse melhor. É sempre complicado estar longe da família e dos amigos, mas, quando desportivamente as coisas correm bem, atenua sempre um bocadinho esta distância.  

Aceitou prontamente quando lhe chegou essa proposta de ir jogar na Arménia?

Quando recebi a proposta pensei no lado financeiro, mas também pensei sobre o sítio para onde ia e qual a realidade que iria encontrar. Acho que é normal. Eu não conhecia a Arménia, mas por aquilo que tinha ouvido falar nunca me tinha despertado interesse. Ao início tive muitos medos e receios, mas tive que correr atrás e ir perguntando algumas coisas às pessoas que já tinham passado pelo futebol português. Falei, por exemplo, com o Ghazaryan, que jogou em Portugal [no Marítimo]. Ajudou-me porque falou do clube e da cidade. Fiquei mais calmo e, quando cheguei, pude confirmar aquilo que eles me tinham dito. 

Como descreveria a Arménia para os portugueses que não conhecem esse país?

A Arménia é um país muito bonito, mas é de extremos. Tem a parte junto à capital que é muito diferente do resto do país. É uma parte muito desenvolvida. A capital é uma grande cidade, ao nível de Porto ou Lisboa. Tem tudo aquilo que uma pessoa precisa: restaurantes, centros comerciais e comércio. Depois, quando saímos um bocadinho desta zona, vê-se um país com províncias mais pobres. Quando jogamos fora, noto muito isto. Mas, atenção, é um país muito bonito! Há vários sítios para visitar. Além disso, é um país muito seguro, apesar de ser um bocadinho diferente de Portugal. 

E as pessoas? Que tipo de povo encontrou na Arménia?

As pessoas são completamente diferente dos portugueses e do povo latino. Eles têm muita ligação à União Soviética, porque estão muito perto da Rússia. A cultura ainda está muito enraizada. São um povo mais frio, que ao início não recebe tão bem como os portugueses. Mas, depois de ganharmos confiança, acabam por ser muito simpáticos e gostam de ajudar o próximo. Olham, observam mais e estão mais atentos. São muito parecidos com os russos. Aliás, toda a gente fala russo aqui na Arménia.  

Já fala arménio ou russo? Ou ainda não se arrisca?  

No treino, no ano passado, o treinador falava em russo, mas tínhamos um preparador físico que traduzia para inglês. Este ano, mudámos de treinador, e a comunicação passou a ser feita toda em inglês. Na cidade é mais gestual porque eles não entendem inglês (risos). Nos restaurantes eles já percebem inglês, mas agora o resto da população… É complicado, temos de andar com o tradutor atrás! Mas sim, já sei algumas palavras em russo e outras em arménio. O russo é mais fácil e já aprendi várias coisas. Sei o básico. Vai dando para desenrascar.  

Planeia ficar na Arménia mais uma época? 

Tenho mais um ano de contrato e nós vamos jogar agora a pré-eliminatória da Liga dos Campeões. Não estou a pensar em sair neste momento. Sinto-me bem aqui. Só se aparecer algo muito melhor é que iria ponderar sair. Claro que o meu objetivo não é ficar aqui para sempre. O meu objetivo ao vir para aqui foi o de poder jogar numa Liga russa ou ucraniana, ou seja, numa Liga mais competitiva. No fundo, quis inserir-me neste mercado.  

Em termos de futebol, quais as diferenças que encontra entre Portugal e Arménia?

A I Liga aqui na Arménia é semelhante ao segundo escalão em Portugal. Um campeonato muito competitivo, onde as equipas se equivalem muito. Há duas ou três equipas, incluindo a minha, que têm um orçamento maior e que jogam melhor. São jogadores muito físicos e competitivos. São jogos muito renhidos e com resultado incerto até ao fim. Nesta última época, já havia muitos jogadores de toda a Europa e isso melhora a qualidade do futebol.  

Essa competitividade também explica o título conquistado na última jornada?

Dependíamos só de nós, mas foi na última jornada que garantimos o título de campeão. Chegámos a ter seis pontos de avanço, que desperdiçámos, mas na última jornada conseguimos o desejado título.  

Como estavam os nervos nesse último jogo?

Estamos um bocadinho nervosos, porque tínhamos perdido a Taça contra a mesma equipa quatro dias antes. E perdemos de forma caricata: estávamos a ganhar 4-1, eles empataram e depois perdemos nos penáltis. Entrámos mais receosos, mas conseguimos fazer dois golos e tudo ficou mais tranquilo.

Como é festejar um título em plena pandemia?

Pois, foi estranho. A primeira vez que sou campeão num país diferente… Não é normal festejar desta maneira. Os adeptos ficaram do lado de fora do estádio, mas no fim festejámos à porta do estádio, nós do lado de dentro e eles do lado de fora, sem nos tocarmos. Foi mais ou menos assim. Depois tivemos um jantar de equipa numa quinta para festejarmos um bocadinho mais à vontade. Apesar das circunstâncias, aquele momento com os adeptos foi bom. Eles estavam felizes e deu para sentir o carinho deles. O clube tem poucos anos, mas temos adeptos que nos acompanham para todo o lado.

Havia 500/600 casos por dia num país com dois milhões de habitantes. Foram tempos difíceis, mas agora já está tudo mais controlado

Como geriu esta situação da pandemia estando tão longe de casa?

Foi um bocado difícil. É uma situação nunca antes vista. Toda a gente viveu dias difíceis. Na Arménia, as coisas pareciam estar tranquilas ao início, enquanto em Portugal os números começavam a chegar às 100/200 pessoas infetadas. Eles começaram a tomar medidas mais cedo, mas depois abriram as fronteiras e aligeiraram as restrições. Aí, foi muito mau e nessa altura em que as coisas estiveram muito más. Havia 500/600 casos por dia num país com dois milhões de habitantes. Foram tempos difíceis, mas agora já está tudo mais controlado.  

Em algum momento pensou em regressar a Portugal?

Não. Tivemos que ficar em casa num primeiro momento e, quando voltámos aos treinos, estávamos sempre a ser testados e acompanhados pelos médicos do clube. Isso tranquilizou-me. Além disso, tinha os cuidados básicos. Eu e a minha namorada tomávamos todas as precauções. A situação esteve muito mal, mas nós sentimo-nos seguros. Agora, os casos já estão a diminuir e as pessoas cumprem as regras. O Governo já mandou os polícias para a rua para passarem multas a quem não anda de máscara. Está tudo muito diferente. Já não há pessoas sem máscara na rua. 

Adeptos nos estádios é que ainda está longe de acontecer…

No início do próximo ano pode haver alguns adeptos no estádio, mas ainda não é nada certo. Agora vamos jogar a Supertaça para a semana e não haverá adeptos nas bancadas.

As coisas mudaram completamente no Famalicão com a entrada da SAD e do doutor Miguel RibeiroPassou pelo Famalicão e por isso presumo que tenha sofrido com aquele jogo louco na Madeira. É injusto para o Famalicão não ter conseguido um lugar europeu?

Por acaso vi esse último jogo e, de facto, foi de loucos! Ninguém esperava que, depois de o Famalicão marcar depois dos 90 minutos, houvesse um novo golo… Foi muito injusto. Claro que o Rio Ave também jogou bem e é merecedor do lugar. Agora, o Famalicão, pelo trajeto que fez e pela subida à I Liga, conseguir praticar aquele futebol… Mereciam um lugar europeu, mas o futebol é mesmo assim. 

Acredita que o Famalicão tem condições para chegar ainda mais longe?

Quando estava lá já tinha percebido que as coisas mudaram completamente com a entrada da SAD e do doutor Miguel Ribeiro. O clube ficou com uma estrutura muito séria. Sabia que o Famalicão ia conseguir a permanência muito tranquilamente. Acredito que, nos próximos anos, o Famalicão vai tornar-se num caso sério.  

Qual a importância dos adeptos no sucesso do Famalicão?

O facto de os adeptos terem esta paixão pelo clube ajudou nesta época. Tirando os grandes, foi dos poucos clubes em Portugal que encheu o estádio. Aliás, creio que foi o segundo clube com maior média de ocupação em casa. Isso só demonstra o quanto os adeptos gostam do clube e o quanto o clube vive dos adeptos. 

O que deseja alcançar nesta nova época que está quase a começar?

No ano passado estivemos quase a entrar na fase de grupos da Liga Europa, acho que esse deve ser um objetivo. Sem esquecer, claro, o campeonato e a Supertaça. O nosso sonho era qualificação para a fase de grupos da Liga Europa. A nível individual, espero que seja um ano semelhante ao último. Um ano em que possa jogar o número de jogos que joguei com a mesma qualidade e nível competitivo e depois tentar uma transferência para uma Liga mais competitiva.

 Notícias ao MinutoÂngelo Meneses em plena festa de campeão. © Reprodução FC Ararat

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