A novela em torno da transferência de Nuno Santos para FC Porto ou Sporting neste mercado de transferências tem feito correr muita tinta na imprensa desportiva nacional por conta de uma cláusula que poderá inviabilizar uma eventual negociação.
Isto porque quando Nuno Santos se transferiu do Benfica, clube onde fez grande parte da formação, para o Rio Ave, em 2017, os encarnados inseriram uma cláusula anti-rivais no valor de 5 milhões de euros. O jogador de 25 anos transferiu-se a custo zero no âmbito das contrapartidas de 30% que os vilacondenses detinham do passe de Ederson, que nesse ano foi transferido para o Manchester City.
Este mecanismo, ao qual o FC Porto não reconhece validade jurídica, segundo informações reveladas pela imprensa desportiva, é uma prática comum em Portugal e gerou polémica recentemente com o caso de Luquinhas, jogador do Desportivo das Aves, cláusula essa que obrigaria o emblema avense a pagar 5 milhões de euros ao Benfica caso o atleta assinasse pelo FC Porto ou pelo Sporting.
Dada a muita polémica que esta questão tem levantado nas últimas semanas, o Desporto ao Minuto procurou esclarecer junto de Fernando Veiga Gomes, especialista em direito desportivo da Abreu Advogados, a validade ou não deste tipo de situações no futebol português.
O causídico sublinha que as cláusulas anti-rivais são válidas e uma prática comum não só em Portugal, mas também em Espanha. Ainda assim, aponta que o mecanismo deixa de ser legal a partir do momento em que o clube que impôs essa cláusula tenha algum tipo de influência no futuro do jogador.
"Estas cláusulas têm anos e são muito comuns nos contratos de transferências de jogadores, principalmente em Espanha. Cláusulas anti-Real Madrid e anti-Barcelona são muito comuns. Não são inválidas. Não há legislação na FIFA que proíba essas cláusulas e também não são proibidas em Portugal. São nulas se estiverem num contrato de trabalho desportivo porque aí considera-se que coloca em causa a liberdade de trabalho do jogador. Não pode haver num contrato de trabalho desportivo uma cláusula dessas", começou por explicar o causídico em declarações exclusivas ao Desporto ao Minuto.
"Se num contrato de trabalho desportivo estiver uma cláusula que diga, por exemplo, quando o contrato chegar ao fim um determinado jogador não pode jogar em Benfica, Sporting, FC Porto, Sporting de Braga ou outro qualquer clube, isso não é permitido. Agora, podem existir acordos entre clubes relativos a transferências de jogadores onde se coloque uma cláusula anti-rival. Isso é admissível, mas não pode haver influência. Depende da forma como as cláusulas estão escritas, dos montantes e das condições. O que não se pode considerar é que essas cláusulas deem a um determinado clube o poder de influenciar questões que tenham a ver com a transferência do jogador e que condicionem uma futura transferência", acrescentou, antes de falar sobre o tipo de sanções previstas a nível nacional para este tipo de casos.
"Em termos de consequências, a nível interno existem algumas normas residuais que podem dar lugar ao pagamento de uma multa pela assinatura desse tipo de contrato. Só um tribunal poderia decidir isso. Como isso não condiciona um clube, o jogador poderia à mesma rubricar o contrato. Depois haveria sim um processo entre o clube para onde o atleta foi e o outro em que ele estava, que por sua vez teria a responsabilidade de pagar um valor acrescido ao clube de onde o jogador veio. Isso daria lugar a um litígio para se saber se a cláusula é ou não admissível", atirou.
O exemplo do Arsenal
Fernando Veiga Gomes recordou ainda o caso do Arsenal que foi multado pela FIFA por ter incluído uma cláusula deste género nas transferências de Joel Campbell (Frosinone) e Akpom (PAOK), detalhando as situações que estiveram na origem deste processo.
"Se as cláusulas estiverem no contrato de trabalho do jogador são nulas porque não se pode condicionar a liberdade de trabalho do jogador. O que estamos a falar é de cláusulas que são negociadas entre clubes. Houve, por exemplo, o caso do Arsenal que foi condenado pela FIFA por causa de dois jogadores que eram o Akpom e o Joel Campbell. O clube foi condenado por duas questões: primeiro porque não revelaram essa situação no TMS (Transfer Market System) e depois porque se considerou que existiu influencia no processo por o Arsenal ter incluído cláusulas que obrigariam os clubes que vendessem os jogadores a emblemas ingleses a pagarem 25% do valor da operação. Isso estava a condicionar a decisão quer do jogador quer do clube que estava influenciado a não vender para Inglaterra", vincou.
Apesar de reconhecer que o jogador é livre de assinar o contrato com o clube rival, o advogado diz também que esse tipo de cláusulas poderá retirar alguma liberdade ao jogador para definir o seu futuro.
"Claro que o jogador indiretamente acaba por ser condicionado, porque sabe que se for assinar por determinado clube, o clube para onde ele vai terá de pagar um valor acrescido ao clube anterior. De certa forma, condiciona a liberdade do jogador, mas o jogador é livre de assinar. Olhemos, por exemplo, para o caso de Nuno Santos. A existir uma discussão será entre o Benfica e o Rio Ave. O Benfica poderá cobrar ao Rio Ave por não ter cumprido esse pressuposto. Mas essa não é uma cláusula que impeça o Rio Ave de transferir o jogador para o FC Porto", adiantou, antes de abordar de forma mais específica a questão da cláusula de cinco milhões que existirá entre Benfica e Rio Ave.
"Se, por exemplo, o Benfica proibisse qualquer transferência para os rivais essa cláusula não seria válida porque isso iria influenciar o Rio Ave. Se a cláusula da transferência disser que se deverá pagar um valor acrescido se o jogador for para um clube rival aí não me parece que seja inválida. Por exemplo, se o clube que vender o jogador ficar com uma percentagem de uma venda futura isso não é influência. A equipa em causa é livre de vender a quem quiser, e depois tem de dar uma percentagem", afirmou.
Ainda em conversa com o Desporto ao Minuto, Fernando Veiga Gomes deu a entender que uma eventual queixa do FC Porto à FIFA por causa desta cláusula não terá fundamento para seguir para estas instâncias.
"Não sei em que medida o incumprimento por parte do Rio Ave do contrato com o Benfica possa acabar na FIFA. Pode haver uma participação disciplinar a dizer que este contrato significa uma influência de um terceiro, neste caso o Benfica estaria a influenciar a decisão do Rio Ave. O FC Porto poderia queixar-se disso. O Arsenal foi condenado a pagar 40 mil francos suíços e aí estávamos a falar de duas transferências internacionais com uma dimensão muito maior. Pode haver uma queixa para a FIFA, mas também pode haver para a FPF. Ainda que se considerasse que existia uma influência, o Benfica poderia ser condenado, mas não poderia vir nenhum caso. O valor de uma eventual sanção seria extremamente baixo. Não sei se este caso teria dimensão para ir para a FIFA", descreveu.
Questionado também sobre o Benfica terá direito a pedir uma eventual indemnização ao Rio Ave por incumprimento desta cláusula, Fernando Veiga Gomes salienta que tal é possível, mas também poderá haver um acordo entre os encarnados e o clube comprador para 'desfazer' esse mecanismo.
"Havendo o incumprimento desse contrato, o Benfica poderá reclamar uma indemnização. Haverá um tribunal que dirá se a cláusula é ou não admissível e se haverá lugar a algum pagamento ou não. Isso seria tratado através de um processo judicial. A responsabilidade do eventual pagamento fica do lado do clube vendedor que assinou o contrato com o Benfica. Essa cláusula está no contrato entre o Rio Ave e o Benfica. Aí a responsabilidade será entre Rio Ave e Benfica e a haver pagamento será uma disputa entre estes dois clubes. No caso de acordo entre dois clubes, isso acontece muitas vezes. É estabelecido, por vezes, um valor exagerado, acontece uma negociação e isso tudo resolve-se de forma tranquila", finalizou.