No dia 27 de março de 2014, aquando do 38.º Congresso Ordinário da UEFA, em Astana, foi aprovada, por unanimidade, a Liga das Nações UEFA. Esta competição internacional, decorrente de um processo de consulta iniciado em 2011, tinha como principal desígnio alterar o paradigma do calendário internacional de jogos da FIFA. Acreditava-se e ainda hoje continua a ser este o entendimento maioritário, que o descomedido número de jogos amigáveis outrora previstos no referido calendário, em nada favorecia as principais seleções nacionais na preparação para as ditas competições a valer, ou seja, os campeonatos da Europa e do Mundo.
Com efeito, até bem recentemente, eram recorrentes jogos entre as denominadas seleções de topo e aquelas cujo ranking FIFA adivinhava uma quase total ausência de competitividade. Jogos esses que não só raramente contribuíam para uma promoção da modalidade, atendendo ao desinteresse generalizado do público, consequência da escassa qualidade de jogo, mas tão pouco contribuíam para uma verdadeira dinamização económica da indústria. A título meramente exemplificativo, patriotismos à parte, estou em crer que poucas (ou mesmo nenhuma) foram as ocasiões em que tivemos um interesse efetivo em assistir a um jogo amigável entre Portugal e São Marino, e muito menos ainda em adquirirmos bilhete e deslocarmo-nos propositadamente a um estádio de futebol praticamente vazio, para assistirmos a uma partida com um sem-número de substituições e jogadores pouco ou nada motivados.
Acresce que os efeitos nefastos de tal calendarização eram igualmente patentes ao nível das competições nacionais, na medida em que as várias interrupções a que estas estavam sujeitas ao longo das épocas desportivas e que em alguns casos eram prolongadas, obrigavam jogadores e equipas técnicas a percorrer muitos milhares de quilómetros apenas para jogar 90 minutos de um futebol aborrecido, por vezes do outro lado do mundo, afetando de forma transversalmente negativa praticamente todos os intervenientes, exceção feita às federações que conseguem cobrar cachets avultados, fruto do seu prestigio ou dos seus Messis e Ronaldos. Já os clubes, enquanto entidades patronais pagantes de elevados salários, viam-se frequentemente privados dos seus melhores jogadores, os quais, não poucas vezes, regressavam ora lesionados, ora exaustos, dos seus compromissos de seleção, colocando assim em causa a sua performance em partidas oficiais vizinhas com relevância desportiva, praticamente sem sequer terem treinado com os seus demais colegas de equipa durante um largo período.
Ora, com o intuito de alterar tal paradigma, nasceu então a Liga das Nações UEFA. Esta competição, ao assentar num sistema de promoção-despromoção, onde as seleções nacionais são divididas por grupos consoante o seu ranking FIFA, devolveu ao panorama internacional futebolístico, a outrora falta de competitividade. A tal medida, acresce, tanto para as seleções de maior poderio financeiro-desportivo, como para as de menor, um benefício inequívoco ao nível de uma nova e considerável fonte de receita (entre outras) decorrente da comercialização dos respetivos direitos televisivos, cuja negociação centralizada permite ainda uma maior rentabilidade.
O que a UEFA não esperava é que esta sua nova competição, criada, à primeira vista, sem segundas intenções, pudesse vir a servir como trunfo no atual braço de ferro com a FIFA, nomeadamente no que toca aos planos desta última quanto à realização de um Campeonato do Mundo a cada dois anos.
Relembrando o leitor mais desatento, recentemente, a FIFA veio a público revelar a sua intenção de organizar o Campeonato do Mundo a cada dois anos, posição esta aparentemente baseada em dois estudos apresentados durante a FIFA Global Summit no passado dia 20 de dezembro e que anteveem uma receita adicional de 4.4 biliões de US Dólares.
Para muitos, tal proposta não passa de um plano para rentabilizar ao máximo a galinha dos ovos de ouro do futebol, em que consiste o Campeonato do Mundo, ignorando, por completo, os efeitos adversos que daí poderão advir. Nesse contexto, a oposição a tal projeto é encabeçada pela própria UEFA, cujo presidente, Aleksander Ceferin, tem sido um dos seus mais acérrimos opositores. Engane-se, no entanto, quem pense que o organismo que tutela o futebol europeu caminha algo desamparado ao nível das Confederações mundiais de futebol. Com efeito, a seu lado, encontra-se a CONMEBOL, que já em outubro do presente ano, anunciou que os dez países que compõem aquela confederação sul-americana não participariam num Campeonato do Mundo organizado nos referidos moldes propostos pela FIFA. Não nos referimos, portanto, a duas quaisquer confederações, com poder político residual no que toca à tomada de decisões essenciais para o futuro da modalidade. Analisando-se o ranking de seleções da FIFA, facilmente se observa que das dez seleções constantes do Top 10, oito são membros da UEFA e duas são membros da CONMEBOL. Indo mais além, eis que do Top 20, treze são membros da UEFA e quatro da CONMEBOL.
Mas se tal oposição pública não bastasse, eis que ambas as referidas confederações decidiram unir-se contra tal projeto da FIFA, anunciando a integração de dez seleções sul-americanas na Liga das Nações UEFA já a partir de 2024. Uma iniciativa que parece almejar minar o poder político da FIFA, embargando a possibilidade de um Campeonato do Mundo a cada dois anos.
Enfim, lutas de bastidores, cada vez mais aguerridas, no contexto de uma indústria cada vez mais politizada e em que obviamente pontificam os interesses financeiros em detrimento do verdadeiro interesse desportivo, isto para mal do Desporto, dos seus adeptos e dos seus próprios praticantes.