"A preocupação predominante na reação a situações de emergência é a rápida resposta à crise e às necessidades das populações. No entanto, a celeridade dessa resposta implica frequentemente a debilitação dos mecanismos de controlo e prestação de contas, implicando riscos acrescidos de desperdício, má gestão, irregularidades e corrupção, que pressionam os recursos públicos e prejudicam a eficácia da ação", avisa o TdC no relatório 'Riscos na utilização de recursos públicos na gestão de emergências - Covid-19'.
De acordo com o tribunal, o necessário "enfraquecimento" dos controlos habituais na autorização, por exemplo, de despesas "propicia oportunidades para a ocorrência de irregularidades, fraudes e corrupção, que a experiência evidencia terem ocorrido no passado e que os sinais indicam estar a verificar-se em vários países no contexto da corrente pandemia".
Neste contexto, alerta, "importa assegurar o equilíbrio entre a necessidade de responder de forma célere à crise e a salvaguarda dos princípios da transparência, integridade e responsabilidade inerentes a utilização dos recursos públicos".
Apesar da "ainda grande incerteza" quanto aos impactos" das ações tomadas para enfrentar a pandemia", em especial nos sistemas de saúde, no emprego, na economia e na proteção social, o Tribunal dá como certo que "terão consequências significativas no plano das finanças públicas e respetiva sustentabilidade".
"Nesta data, e relativamente ao impacto da crise na execução orçamental, foi divulgado que até final de abril de 2020 e no âmbito da Administração Central e da Segurança Social, a execução das medidas adotadas para combate e prevenção da covid-19, bem como daquelas que têm por objetivo repor a normalidade, terá conduzido a uma redução da receita de 319,9 milhões de euros e a um aumento da despesa em 360,3 milhões de euros", avança.
Tendo por base "recomendações e alertas internacionais, resultados de auditorias e outras ações de controlo já conduzidas", o relatório identifica riscos relacionados com a gestão da crise e das medidas de emergência; ajuda de emergência; concessão de auxílios públicos; enfraquecimento dos controlos, da integridade e responsabilidade, abrangendo a contratação pública; sistemas de informação; e transparência, no que respeita à mensuração dos custos e à prestação de contas".
"O Tribunal de Contas considera necessário que todas as entidades que gerem dinheiros públicos estejam atentas aos riscos identificados e que ponderem a aplicação de medidas que os previnam e mitiguem, designadamente no que respeita à clareza e coerência da legislação e regulamentação, à emissão de orientações para a implementação harmonizada das medidas, ao estabelecimento de mecanismos de monitorização, à definição e coordenação de responsabilidades e à prevenção da duplicação de apoios", sustenta.
No relatório agora divulgado, o TdC salienta também "a importância de parametrizar adequadamente os sistemas de informação para implementação dos apoios, de reforçar os sistemas de segurança informática, de valorizar e salvaguardar a integridade dos agentes que intervêm nas ações de resposta a emergência e de garantir a transparência e publicidade dos processos e ações, designadamente quando estejam em causa apoios e contratos públicos ou doações".
Adicionalmente, destaca "a necessidade de documentar e fundamentar os processos isentos de visto, mas com obrigatoriedade da sua remissão ao Tribunal, substituindo os controlos prévios por verificações posteriores, acautelando que a seu tempo seja assegurado o escrutínio público e salvaguardadas responsabilidades".
Segundo sublinha o TdC, só o registo desagregado das ações de implementação das medidas covid-19 "possibilita o reporte, a responsabilidade e a prestação de contas pelos recursos utilizados e a avaliação do seu impacto em sede de finanças públicas e da respetiva sustentabilidade".
Embora admitindo que "uma resposta de emergência eficaz implica que os mecanismos de controlo, responsabilidade e transparência sejam adaptados", o TdC avisa que é preciso "acautelar a aplicação de medidas que, ainda assim e a seu tempo, permitam assegurar o escrutínio público, salvaguardar responsabilidades e avaliar as políticas adotadas", lê-se no relatório.
No documento, o Tribunal esclarece que as "áreas de vulnerabilidade" detetadas não se referem às medidas atualmente em curso, cuja verificação não foi ainda possível fazer, mas resultam de "um olhar sobre a forma como foram geridas emergências passadas" e das conclusões de auditorias passadas.
Entre os exemplos avançados pelo TdC estão os auxílios concedidos através de linhas de crédito, tendo por base a avaliação feita a 18 destas linhas promovidas pelo Governo entre 2008 e 2016, e relativamente às quais foram detetadas "fragilidades ao nível da monitorização".
"Não têm sido definidos indicadores de resultados nem procedimentos de recolha e análise de informação que permitam a avaliação da eficiência na alocação de recursos financeiros públicos e da eficácia das políticas quanto à abrangência, adicionalidade e sustentabilidade financeira", refere.
Já da análise efetuada ao crédito posto à disposição das empresas, em casos em que estas beneficiaram de garantias e da bonificação da taxa de juro e/ou comissão de garantia, o TdC diz ter verificado que "a percentagem de pequenas e médias empresas (PME) abrangidas foi muito pequena (apenas 7%); o crédito foi maioritariamente utilizado para fundo de maneio (87%), tendo o crédito disponibilizado para fins específicos tido um nível de execução residual; e as taxas de incumprimento contratual foram baixas, quando comparadas com empréstimos "normais" às empresas (apenas foram executadas 4,6% das contragarantias emitidas)".
"Ainda no que respeita aos auxílios públicos, importa chamar a atenção para a necessidade de publicitação da informação relativa aos apoios concedidos e respetivos beneficiários, matéria em que o Tribunal também tem assinalado défices", conclui.