Acórdão sobre Apple pode prejudicar esforços de maior harmonia fiscal

O economista Vítor Constâncio considerou hoje que a decisão do Tribunal Geral da UE de dar razão à Apple no processo que opunha a multinacional à Comissão Europeia pode prejudicar os esforços de Bruxelas para uma maior harmonização fiscal.

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Lusa
15/07/2020 16:34 ‧ 15/07/2020 por Lusa

Economia

Constâncio

 

Numa declaração à Lusa em reação ao acórdão hoje emitido pelo Tribunal, que anulou a multa de 13 mil milhões de euros imposta pela Comissão à 'gigante' tecnológica Apple por alegados benefícios fiscais ilegais na Irlanda, o antigo vice-presidente do Banco Central Europeu comentou que este desfecho, "sendo de lamentar, era previsível, porque o problema reside no Tratado" da UE.

De acordo com Constâncio, "o caso da Comissão era difícil", já que "a política de impostos é considerada no Tratado como sendo exclusivamente da responsabilidade dos países membros", pelo que "a União Europeia não tem competência própria neste assunto e só acordos unânimes podem intervir na matéria".

"A Comissão usou, neste caso da Apple e noutros, o argumento indireto que impostos demasiado baixos são uma forma de subsídio que viola as regras comunitárias de concorrência porque são contra a proibição de ajudas de Estado. É, naturalmente, uma demonstração sempre difícil, dado o Tratado, apesar da excessiva divergência de taxas de imposto ser contrária a uma sã concorrência num suposto mercado único", observou.

De acordo com o também antigo governador do Banco de Portugal, "um aspeto grave desta decisão é que pode prejudicar as iniciativas que a Comissão estaria a preparar para usar o Artigo 116 do Tratado no sentido de reduzir excessivas diferenças de taxas de imposto por serem contrárias ao mercado único previsto no Tratado".

"Este tipo de iniciativas, porém, têm sido recusadas pelos países que, como a Irlanda e a Holanda, beneficiam do desvio de receitas fiscais, em montantes de dezenas de biliões de euros, anualmente. Esses desvios de receitas, resultam de empresas situarem sedes nesses países de baixos impostos apesar de terem o grosso da sua atividade noutras jurisdições", sublinhou.

Para Vítor Constâncio, "o mercado único Europeu precisa, na verdade, de um grau adicional de harmonização fiscal que, sem atingir a igualdade de impostos, restrinja as diferenças a uma banda compatível com uma concorrência sem distorções", algo que se torna então mais difícil à luz de um acórdão que foi já saudado pela Irlanda e pelo seu ministro das Finanças, que esta semana tomou posse como presidente do Eurogrupo.

Na sua conta na rede social Twitter, Constâncio observa de resto que Paschal Donohoe, ministro das Finanças irlandês, mas agora também presidente do fórum de ministros das Finanças da zona euro "congratulou-se com a decisão (apesar de implicar que a Irlanda não receberá agora 13 mil milhões de euros da Apple), porque está na base do modelo empresarial do país".

Eleito em 09 de julho para suceder a Mário Centeno na presidência do Eurogrupo, Paschal Donohoe liderará nos próximos dois anos e meio o fórum, em pleno esforço de recuperação da economia europeia, com a particularidade de ser contra uma medida defendida por muitos para aumentar os recursos financeiros da Europa, um imposto digital sobre os 'gigantes' da Internet, e isto porque a Irlanda é o 'refúgio' europeu de muitos gigantes tecnológicos dos Estados Unidos.

No acórdão hoje publicado, o Tribunal Geral indica que decidiu anular a decisão da multa imposta à Apple "porque a Comissão Europeia não conseguiu provar, segundo a norma jurídica necessária, que existiram benefícios" ilegais.

Em causa está a multa de 13 mil milhões de euros aplicada em 2016 pela Comissão Europeia, alegando que a Irlanda concedeu benefícios fiscais ilegais à Apple em impostos não cobrados.

A Apple contestou a decisão, que a obrigava a devolver tal quantia ao Estado irlandês, num processo judicial que se arrastou no Luxemburgo, e foi agora apoiada pelo Tribunal Geral da UE.

Na decisão publicada em agosto de 2016, o executivo comunitário concluiu que a Irlanda concedeu à Apple vantagens fiscais indevidas num total de 13 mil milhões de euros entre 2003 e 2014, argumentando que "isso é ilegal ao abrigo das regras da UE em matéria de auxílios estatais", dado que possibilitou à tecnológica "pagar substancialmente menos impostos do que outras empresas".

"A Irlanda tem agora de recuperar os auxílios ilegais", ditou a Comissão Europeia na altura, depois de ter aberto, em 2014, uma investigação aprofundada em matéria de auxílios estatais por duas decisões fiscais (de 1991 e de 2007) da Irlanda relativamente à Apple Sales International e à Apple Operations Europe, duas empresas detidas na totalidade Apple e constituídas na Irlanda sem serem residentes fiscais no país.

De acordo com Bruxelas, tais regras irlandesas permitiram que a Apple tivesse liquidado um imposto sobre as sociedades, relativamente aos seus lucros europeus, a uma taxa de 0,005%.

Entendimento diferente tem o Tribunal Geral da UE, entidade para a qual "a Comissão errou ao declarar que tinha sido concedida à Apple Sales International e à Apple Operations Europe uma vantagem económica seletiva e, consequentemente, um auxílio estatal" ilegal.

Esta é, ainda, uma decisão de primeira instância, podendo o executivo comunitário recorrer, num processo que deverá ser depois remetido para o Tribunal de Justiça da UE.

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