"O conceito de centro comercial, ou shopping center, nasceu nos Estados Unidos no início dos anos vinte e pode ser definido como um equipamento comercial constituído por múltiplos pontos de venda, arquitectónica e comercialmente concebido, planeado, realizado e gerido como uma unidade.
O centro comercial traduz assim uma nova filosofia comercial assente na utilização racional e inteligente das sinergias geradas pela integração funcional de comércios diversificados num único espaço. No fundo, o centro comercial não deixa de ser uma espécie de corolário da teoria da atração cumulativa, que teve as suas primeiras manifestações nas antigas ruas das cidades medievais (onde artífices e comerciantes se agrupavam por ramos de atividade específicos mas complementares) e que o seu autor, Richard C. Nelson, descreveu da seguinte forma: «Um determinado número de lojas comercializando o mesmo tipo de mercadorias fará mais negócio se essas lojas forem próximas ou adjacentes umas das outras do que se estiverem dispersas».
Não se confundam, porém, centros comerciais com condomínios comerciais. Na verdade, enquanto os primeiros revestem imperativos de concepção, planificação, comercialização e gestão, os segundos não ultrapassam a sua natureza congénita de empreendimentos meramente imobiliários de fins especulativos ou oportunistas. Daí a razão do sucesso de uns e do fracasso dos outros, como a realidade tão bem tem demonstrado. De facto, a realização de um centro comercial exige inúmeros estudos preliminares, começando pelos que respeitam à quantificação e à qualificação dos equipamentos comerciais já existentes no local de implantação e pela análise da respetiva zona de influência. Depois, é fundamental avaliar a quota comercial disponível para o novo empreendimento, ou seja, a quota-parte das despesas e do consumo que esse empreendimento poderá captar.
A importância do conceito centro comercial é hoje indiscutível por muitas e diversas razões. Em primeiro lugar, pela sua natureza global e multifacetada, apresenta-se hoje em todo o mundo como um conceito extraordinariamente dinâmico, com elevados índices de crescimento, afirmando-se mesmo como um dos segmentos mais marcantes na evolução das estruturas comerciais e nos circuitos de distribuição dos produtos de moda e de grande consumo. Com grande capacidade de adaptação às múltiplas tendências do consumo, às constantes mudanças nas preferências dos consumidores e às diferentes necessidades e estratégias das empresas nacionais e internacionais, os centros comerciais denotam versatilidades insuspeitas e potencializam vantagens competitivas inigualáveis.
Contudo, neste ano de 2020, a partir do início da crise pandémica do Covid-19 e por força das medidas tomadas de encerramento destes espaços comerciais, a crise instalou-se neste sector de atividade atingindo profundamente as entidades gestoras e principalmente os seus logistas.
Durante cerca quatro meses, com exceção das lojas alimentares, nenhuma loja instalada em centros comerciais fez negócio ou vendeu o que quer que seja, porém a obrigação de pagar as rendas manteve-se. Naturalmente, os logistas reclamaram junto das entidades gestoras pretendendo negociar a suspensão do pagamento das rendas.
Numa primeira fase tal não foi aceite pelas entidades gestoras mas face ao prolongar da situação estas acabaram por propor aos seus arrendatários moratórias desses pagamentos até ao final de março de 2021. Entretanto, por proposta do PCP a Assembleia da República aprovou uma medida legislativa já publicada no Orçamento do Estado que isenta o pagamento da renda fixa e mantém apenas o pagamento da renda variável em função das vendas. Sem prejuízo de uma análise jurídica mais profunda, à primeira vista tal medida parece-me ferida de inconstitucionalidade, por violação do princípio de igualdade, na medida em que não abrange os Logistas situados fora dos centros comerciais.
Estamos assim perante um nó górdio que será difícil desatar. Quem tem razão?
Vejamos: As entidades gestoras têm direito às rendas dos espaços arrendados nos termos dos seus contratos celebrados com os logistas. Por sua vez, estes têm direito a usar estes espaços para exercer a sua atividade comercial ou de prestação de serviços. Mas, na realidade, e por imposição administrativa gerada por um motivo de força maior, os logistas viram este seu direito precludido, não podendo gerar as vendas necessárias ao cumprimento da sua obrigação contratual. Trata-se naturalmente de um imbróglio jurídico decorrente do sinalagma de direitos e deveres contratuais mas, em minha opinião, a resolução não deverá ser jurídica mas sim negocial. A ninguém interessa discutir nos tribunais, ao longo de meses ou anos, a quem assiste a razão. A todos interessa, o mais rapidamente possível, chegar a um acordo justo que permita retomar as atividades e recuperar o tempo e as vendas perdidas.
Cada uma das partes deverá colocar-se no lugar da outra para que possam compreender a situação de cada uma. Qual o valor a pagar deveria ser o grande objectivo negocial das duas partes, pois qualquer outra solução será sempre injusta para qualquer uma delas. Nenhuma das partes deverá pagar a crise porque nenhuma das partes contribuiu para desencadear a crise sanitária e ambas são dela vítimas. Ambas a deverão assumir e procurar encontrar uma solução equitativa. Entidades gestoras e Logistas são acima de tudo parceiros de negócio cujo cliente comum e final é o consumidor e é olhando nesta direção que deverão desfazer o nó górdio que a Covid-19 lhes criou."