Para Alexandre Schwartsman, a recuperação económica foi incompleta porque não foram recuperadas as perdas acumuladas no primeiro e segundo trimestres do ano.
"Obviamente que o principal facto económico de 2020 foi a pandemia de covid-19, que teve um efeito muito forte, particularmente na primeira metade do ano, numa queda expressiva dos empregos, mas temos vivido uma recuperação até considerada rápida, muito por força da reação de política económica", avaliou o economista.
"Contudo, é preciso ressaltar dois pontos importantes: primeiro, a recuperação é incompleta. Até agora, o que a economia subiu, não compensou a queda na primeira metade do ano. Ainda que tenhamos tido um crescimento de 7,7% no último trimestre, face aos três meses anteriores, não foram recuperadas as perdas acumuladas no 1.º e 2.º trimestres do ano. Ainda estamos 4% abaixo de onde estávamos, no final de 2019", indicou Schwartsman.
O segundo ponto apontado pelo especialista é a desigualdade na velocidade de recuperação.
"Vimos uma recuperação forte no lado do consumo de bens, mas a parte de serviços ficou muito para trás, uns 8% abaixo de onde estava imediatamente antes da pandemia. Essa é uma questão importante, porque o setor de serviços representa mais de 60% do produto interno bruto (PIB), é a maior fatia da produção da economia brasileira, e é também o maior responsável por emprego, mais da metade do emprego no país está ligada a esse setor", frisou.
Na visão de Alexandre Schwartsman, que já foi também economista-chefe dos bancos ABN Amro e Santander, essa recuperação mais fraca do setor de serviços "implica também um mercado de trabalho muito frouxo", com cerca de 10 milhões de postos de trabalho a menos em relação aos valores de fevereiro: "Não é uma coisa trivial. Tínhamos 94 milhões de postos de trabalho e hoje temos 84 milhões. É uma perda ainda muito considerável", advogou.
Um dos feitos alcançados este ano pelo atual Governo, presidido por Jair Bolsonaro, que o economista considerou positivo, foi o auxílio de emergência atribuído aos mais carenciados, para enfrentarem a pandemia de covid-19.
Em março, para ajudar a população mais pobre e os desempregados, o Governo aprovou um auxílio de emergência, no valor de 600 reais mensais (cerca de 98 euros, câmbio atual), que beneficiou cerca de 65 milhões de pessoas, entre trabalhadores informais (sem contrato de trabalho) e aqueles que perderam os seus empregos devido à pandemia.
Contudo, esse valor foi cortado para metade em setembro, tendo sido prolongado até ao final do ano, quando o Governo planeia encerrar o programa.
"Tivemos um programa de auxílio de emergência que foi grande, principalmente no auxílio às famílias. Acho que foi menos bem-sucedido no que diz respeito à ajuda às empresas. Muita empresa 'morreu' pelo caminho", salientou Schwartsman.
"Mas, de uma maneira geral, o auxílio dado pelo Congresso e pelo Governo foi bastante grande, chegou a rondar os 50 mil milhões de reais (8,18 mil milhões de euros) por mês, uma quantia muito expressiva. Recentemente a quantia foi reduzida, mas conseguiu-se uma recuperação da economia", acrescentou o especialista à Lusa.
O economista brasileiro frisou, no entanto, que "a magnitude desse subsídio veio do Congresso brasileiro, porque se dependesse apenas do Governo Federal, ia ser bem menor".
Alexandre Schwartsman, que atualmente comanda a consultora económica Schwartsman&Associados, comentou ainda outros "fracassos económicos" do Governo de Bolsonaro, como a questão das privatizações, uma das maiores promessas do ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes.
"Em relação às privatizações, nada aconteceu. O Governo é muito bom a falar e muito mau para entregar. Na verdade, eu não tinha a menor esperança que esse projeto avançasse. O problema não é não ter entregado os projetos, porque há vários fatores a ponderar, como as condições de mercado não serem as ideais, etc, mas é mais básico do que isso: o Governo não tem nada remotamente pronto para avançar nas privatizações", assegurou.
"Se as condições de mercado mudassem amanhã, e fosse um momento ótimo para vender, não poderíamos, porque nada foi feito. Estou a falar de empresas importantes, como a estatal da eletricidade Eletrobras, que não tem nada avançado. Com os Correios a situação é a mesma: falam, falam, mas não têm nada pronto. Na verdade, a lição de casa para privatizar não foi feita e não há condições de avançar nessa frente", sublinhou.
Paulo Guedes, um economista liberal, atribuiu os atrasos nas privatizações à falta de acordos políticos no Congresso, ao qual cabe dar o aval para a venda dos ativos após uma decisão do Supremo Tribunal Federal, de 2019.
No início do ano, o Executivo manifestou a intenção de acelerar a sua agenda de privatizações em 2020 com a venda de 300 ativos no valor de 36 mil milhões de dólares (29,6 mil milhões de euros), com o objetivo de reduzir ao mínimo o tamanho do Estado.
No entanto, e já incluídas as realizadas desde janeiro de 2019, quando Bolsonaro assumiu o poder, as privatizações não chegam a uma centena, todas de pequenas empresas.