Aqui ficam os principais pontos revelados pela auditoria hoje divulgada:
Injeções de capital sem "demonstração de cálculo"
O Tribunal de Contas considera que "não foi apresentada a demonstração do cálculo do défice de capital" do Novo Banco, que "o Fundo de Resolução tem o dever de exigir" ao longo dos processos de financiamento.
"Não foi apresentada a demonstração do cálculo do défice de capital do Novo Banco (valor a financiar) nem evidência sobre a sua verificação integral, que o Fundo de Resolução tem o dever de exigir nos termos do Acordo de Capitalização Contingente [ACC]", pode ler-se numa das conclusões do documento.
Novo Banco não reporta adequadamente execução do ACC
"Não tem sido devidamente cumprida a obrigação do Novo Banco reportar a informação sobre a execução do Acordo de Capitalização Contingente, por falta de formalização do acordo sobre a forma e substância do suporte dessa informação e pelo atraso de preparação desse suporte pelo Novo Banco (face ao prazo contratual de trinta dias), alegando depender de contas auditadas", pode ler-se no documento.
Impacto nas contas públicas não foi minimizado
Apesar de o financiamento público do Novo Banco ter concorrido "para a estabilidade do sistema financeiro, sobretudo por ter sido evitada a liquidação do banco e reduzido o risco sistémico", "não foi minimizado o seu impacto na sustentabilidade das finanças públicas nem reduzido o risco moral", de acordo com o TdC.
Falta de transparência sobre resolução do BES e venda do Novo Banco
"Faltou transparência na comunicação do impacto da resolução do Banco Espírito Santo e da venda do Novo Banco na sustentabilidade das finanças públicas", pode ler-se no relatório, defendendo que "o foco da imputação das perdas verificadas no Banco Espírito Santo e no Novo Banco não deve ser desviado dos seus responsáveis (por ação ou omissão) para onerar os contribuintes ou os clientes bancários (em regra também contribuintes".
Capitalização extra acordada com Bruxelas pode ir até 1.600 ME
O valor da capitalização extra do Novo Banco (NB) que o Estado acordou com a Comissão Europeia (CE) no âmbito da venda do banco à Lone Star vai até aos 1.600 milhões de euros e pode ser acionada até ao final de 2021.
Já era conhecido que, no âmbito do acordo do Estado com Bruxelas, em caso de necessidade e devido a circunstâncias adversas graves e caso os acionistas não as conseguissem colmatar, Portugal disponibilizaria "capital adicional limitado", mas o valor exato não era conhecido.
Há duas medidas de auxílio a acionar caso falhem medidas alternativas, uma das quais é a "injeção de capital de retaguarda ('backstop capital') pelo Estado português no NB até ao montante máximo necessário para garantir a sua viabilidade a longo prazo (1,6 mil milhões de euros), no cenário adverso da CE".
O ministério das Finanças afirma que este mecanismo de capitalização extra é "de caráter claramente subsidiário (depende da falha de instrumentos privados), mas constituiu um elemento essencial para assegurar a concordância da CE relativamente à venda do NB", em 2017, e assim "impedir a sua liquidação".
"O seu acionamento tem consequências negativas na reestruturação do NB, implicando uma redução adicional de trabalhadores e de agências, além da participação dos acionistas no capital do NB ser diluída na correspondente proporção", de acordo com as Finanças.
FdR está a cobrir perdas da atividade geral e não apenas ativos acordados
"É o défice de capital da atividade geral do NB [Novo Banco] que está a ser financiado e não apenas as perdas do exercício relativas aos ativos protegidos", pode ler-se na auditoria do Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas conclui, com base na decisão da Comissão Europeia sobre a compatibilidade do auxílio ao Novo Banco com as regras da concorrência que "ainda que compensando ativos depreciados, o mecanismo de capitalização contingente visa a permanente manutenção dos rácios de capital do NB nos níveis mínimos exigidos, mesmo quando eles não resultem diretamente daquela depreciação".
Legado estava subestimado e capitalização atingiria máximo, segundo Bruxelas
"Quanto à carteira de empréstimos não abrangida pelo ACC e com base na informação prestada pelo adquirente, a CE [Comissão Europeia] revelou ter a impressão de as perdas provenientes de ativos legados estarem subestimadas", de acordo com o texto do TdC.
"A CE concluiu que, num cenário adverso, as perdas nos ativos do ACC eram suscetíveis de atingir o valor máximo sem deixar margem para compensar perdas noutros ativos. Por isso, considerou que as perdas adicionais refletidas no cenário adverso da Lone Star eram insuficientes", pode ler-se no documento.
Face às perdas dos ativos legados "e à cultura empresarial do NB sugerirem que as decisões de crédito arbitrárias, bem como a gestão de risco não ser ótima ou estar ausente, tinham sido endémicas", a Comissão Europeia "considerou necessário 'limpar' o balanço o mais rapidamente possível", referindo também que "esta visão coincidia com a visão do supervisor competente".
Informação dada pelo Novo Banco foi "incompleta e intempestiva"
"A obrigação de o Novo Banco colaborar na auditoria não evitou que parte relevante da informação pretendida tivesse sido prestada de forma incompleta e intempestiva", revelou hoje o Tribunal de Contas.
O tribunal presidido por José Tavares afirma no documento que o exemplo que se destaca é a "evidência subjacente ao próximo pedido de pagamento do Novo Banco ao Fundo de Resolução", que não foi comunicada até 29 de abril, e é "errada e suscetível de induzir em erro os utilizadores do relatório e deve, nessa medida, ser corrigida".
O TdC elenca mesmo vários episódios de pedidos de ficheiros ao Novo Banco em que considera que não foi cumprido o pretendido.
Auditor do Novo Banco, Lone Star e Fundo de Resolução é o mesmo
"A auditoria verificou que o auditor das contas do NB (desde as contas de 2018) é, também, o auditor das contas do FdR e das contas da Nani Holdings [empresa da Lone Star registada em Portugal], quando se impunha segregar essas funções e prevenir riscos de conflito de interesses", defende o TdC.
O auditor das três entidades é a Ernst & Young (EY).
TdC alerta para "riscos de complacência" do Fundo de Resolução
"As alegações e prática do FdR revelam existir risco de complacência na função de controlo exercida sobre o NB, quanto ao cumprimento das suas obrigações contratuais e à validação dos seus pedidos de pagamento", considera o TdC.
O tribunal refere vários aspetos que concorrem para esse risco, como o facto do Fundo de Resolução ser acionista do Novo Banco (com 25%) e ser "responsável último pelo controlo público do cumprimento do ACC (prévio à validação dos pagamentos pedidos pelo NB) e pela salvaguarda do interesse e dinheiro públicos envolvidos".
O TdC aponta ainda a "falta de independência do FdR face ao BdP [Banco de Portugal], designadamente, entre as decisões tomadas pelo CABP [Conselho de Administração do Banco de Portugal] (do qual o Presidente da CDFR [Comissão Diretiva do Fundo de Resolução] é membro) sobre o processo de venda do NB (incluindo a seleção do comprador) e as decisões de validação dos pedidos de pagamento do NB pela CDFR (com a maioria dos seus membros designada pelo BdP)".
O tribunal destaca que as decisões das cúpulas diretivas do BdP e FdR estão "suportadas por notas técnicas e pela ação do mesmo serviço do BdP (o atual departamento de Resolução), não obstante a necessidade de segregação dessas funções se ter acentuado com a interdependência decisória".
O TdC considera que a aceitação da Oliver Wyman como Agente de Verificação também concorre para os riscos, dado que foi contratada pelo Ministério das Finanças "para prestar serviços técnicos especializados de avaliação e comparação das propostas no processo de venda do NB", incluindo a proposta de "critérios de ordenação e seleção das propostas dos potenciais adquirentes" do banco.
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