"Há um caminho que tem sido feito, que tem sido positivo. Agora, estamos muito aquém daquilo que era suposto acontecer", disse a economista em entrevista à Lusa, no âmbito do Orçamento do Estado para 2022, acrescentando: "Nós tínhamos que saber mais sobre o orçamento".
Susana Peralta relembrou à Lusa as constantes críticas feitas por instituições que analisam as contas públicas à falta de dados vindos do Ministério das Finanças.
"Nós temos o parlamento, e não só a Comissão de Orçamento e Finanças, como a própria UTAO [Unidade Técnica de Apoio Orçamental] a queixar-se de falta de informação para fazer contas. Depois temos o Conselho das Finanças Públicas a dizer que também não consegue, documentos oficiais a dizer 'nós não conseguimos calcular o impacto orçamental desta medida porque o Governo não nos deu informação'", apontou.
A professora universitária considera que a falta de transparência "afasta as pessoas do processo orçamental e, ao afastar as pessoas do processo orçamental, as pessoas acham que aquilo é uma espécie de monstro de sete cabeças e que não nos diz respeito".
"Aquilo diz-nos respeito. Para mim, e para as pessoas que se preocupam com estes temas, é um instrumento importantíssimo da democracia representativa", vincou.
A professora da Universidade Nova de Lisboa apontou como exemplo que, "de ano para ano, no relatório do Orçamento do Estado, muitas vezes muda o formato dos quadros, e isso não nos permite ir ver como é que evoluiu uma determinada categoria de despesa".
"Nós devíamos ter uma orçamentação por programas, programas orçamentais. Por exemplo, cuidados de saúde primários, ou por exemplo combate à diabetes, ou por exemplo controlo da pandemia, ou transição energética, ou controlo das bacias hidrográficas", exemplificou.
A orçamentação por programas "é algo que a OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico] anda há mais de 10 anos a dar-nos na cabeça", mas sem sucesso, recordou a economista.
"Isso tudo eram maneiras que nos permitiriam a nós, enquanto cidadãos, e aos nossos representantes e aos órgãos de supervisão, fiscalização [...], aos chamados conselhos fiscais independentes, olhar para as contas e contar-nos o que está a acontecer", lamentou.
A docente deu ainda como exemplo a parte explicativa do Orçamento no Portal da Transparência.
"Quando vamos à parte do Orçamento do Estado, não está lá nada, tem lá assim uns bonequinhos a dizer o que é o orçamento, a comparar com o orçamento familiar, uma coisa meio... faz um bocado lembrar aquela coisa do Marcello Caetano, das Conversas em Família, uma coisa um bocado infantilizante, que eu não gosto", criticou.
A economista também considera que a informação "não faz jus ao ministro das Finanças", João Leão.
"É um homem, sinceramente, bastante inteligente, uma pessoa vivida, uma pessoa interessante. Ele podia fazer melhor. Ele ou a equipa dele -- obviamente que não é o ministro que faz aquilo, ele é o responsável político por aquilo", prosseguiu.
"Na parte da execução orçamental está por categorias como despesas correntes, despesas de capital, coisas com as quais nem o cidadão comum, nem eu, verdadeiramente, me relaciono", apontou ainda.
Para Susana Peralta, o Orçamento do Estado "é uma das políticas económicas mais importantes, senão a mais importante do Governo".
Apesar de reconhecer que há "um problema de baixos salários em Portugal", do ponto de vista da discussão do que é o Orçamento do Estado, a economista considerou "péssimo" que outros temas existam ao mesmo tempo, como por exemplo o aumento do salário mínimo ou a legislação laboral.
"O Orçamento é receita e despesa. Onde é que vamos buscar o dinheiro e onde é que o gastamos, ponto final. E era ótimo, maravilhoso, para a qualidade da nossa democracia, podermos discutir o orçamento por aquilo que ele é", destacou.
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