A Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou uma coima global de quase 19,5 milhões de euros ao Auchan, Modelo Continente (grupo Sonae), e Pingo Doce (grupo Jerónimo Martins) e a um responsável desta empresa pela participação num esquema de fixação de preços.
Tanto o Pingo Doce, como a Auchan, bem como o Modelo Continente, já disseram que vão recorrer judicialmente da coima aplicada pela AdC, mas, afinal, o que está em causa?
Através da investigação foi possível apurar que as empresas de distribuição asseguraram o "alinhamento dos preços de retalho" nos supermercados, mediante os contactos estabelecidos através do fornecedor comum, tratando-se assim de uma conspiração "equivalente a um cartel", denominada no direito da concorrência como 'hub-and-spoke'.
A AdC explica, em sete perguntas e respostas, em que consistem os casos de 'hub-and-spoke'. Tome nota:
1. O que é um caso de 'hub-and-spoke'? Se os fornecedores são responsáveis pela comunicação dos preços, porque são os supermercados sancionados também?
"Um caso de 'hub-and-spoke', também designado por cartel 'hub-and-spoke', é uma prática restritiva da concorrência em que o alinhamento dos preços entre concorrentes se consegue e implementa através de um parceiro comum e não, como nos cartéis, através de contactos bilaterais diretos entre concorrentes. Ocorre, por exemplo, quando uma empresa que se encontra no nível superior da cadeia de distribuição (o fornecedor – o 'hub'), através de um conjunto reiterado de comunicações verticais com empresas que se situam no nível inferior da referida cadeia de distribuição (as empresas de distribuição – as 'spokes'), facilita, promove e/ou garante a colusão ilícita entre elas, permitindo o alinhamento de estratégias e de preços destas. Este comportamento configura, uma restrição grave da concorrência.
Assim, o fornecedor é instrumental para a garantia de um alinhamento que favoreça as cadeias de supermercados e o próprio fornecedor. O objetivo final é atingir esse alinhamento e a intervenção dos fornecedores é usada como meio de evitar contactos diretos, que redundariam num cartel tradicional."
2. Porque é que estas práticas não são admissíveis? Não é legítimo que um fornecedor e um distribuidor combinem entre si os termos das vendas?
"A existência de contactos sobre estratégia comercial entre parceiros comerciais não concorrentes – fornecedor e distribuidor – por si só nada tem de ilegal. É, de facto, inerente a esse tipo de parceria.
Assim, discussões sobre formas apelativas de dispor produtos em loja, conceção de produtos distintos mais inovadores que respondam às necessidades dos consumidores, atividade promocional, negociação de condições comerciais, meras recomendações de preços de venda ao público, bem como outras formas de tornar o fornecimento mais eficiente, são em geral práticas lícitas e aceitáveis no âmbito de tal relação comercial. No entanto, a prática em causa excede os limites do que é legal e aceitável numa negociação fornecedor/distribuidor.
Em ambiente concorrencial, cada agente económico desenvolve a sua conduta no mercado de forma autónoma. Esta exigência de autonomia na atuação no mercado (por exemplo em matéria de determinação dos preços) opõe-se frontalmente a qualquer contacto, direto ou indireto, entre empresas, suscetível de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente.
Ora, uma prática de 'hub-and-spoke' implica o fornecimento de informação sensível, relativa à estratégia comercial presente e futura entre empresas e a divulgação desta informação, por meio indireto, às empresas concorrentes, com o objetivo de condicionar os respetivos comportamentos.
Nos casos de 'hub-and-spoke' decididos pela AdC, as comunicações integrantes da infração visavam fixar os preços de venda ao público (PVP) de um conjunto de produtos do fornecedor e, dessa forma, promover, garantir ou manter um alinhamento horizontal desses PVP no mercado nacional de distribuição retalhista de base alimentar, tendo em vista a sua subida, gradual e progressiva, por um determinado período temporal."
3. Qual a motivação dos agentes económicos para participarem nesta prática?
"As motivações de cada uma das empresas participantes de um 'hub-and-spoke' podem ser diversas, mas todas são orientadas para um objetivo comum: o de saírem favorecidas através da diminuição da dinâmica concorrencial por via do controlo do comportamento de mercado de todos os envolvidos.
Por um lado, os fornecedores tentam fixar os PVP dos seus produtos num patamar artificialmente mais elevado, para que não sejam alvo de renegociações contratuais por parte das empresas de distribuição e possam manter a margem que idealizaram na venda dos seus produtos. Por outro lado, as empresas de distribuição eliminam a incerteza associada a uma “guerra de preços”, garantem a expectativa do recebimento de uma determinada margem na venda ao público e vendem os produtos a um PVP mais elevado do que o que resultaria de um mercado a funcionar em concorrência não falseada.
Os consumidores resultam prejudicados, sem possibilidade de escolha do produto pelo preço, não beneficiando dos preços mais baixos que resultariam do funcionamento concorrencial do mercado."
4. Qual o potencial impacto desta prática no consumidor e como é que este resulta prejudicado?
"Qualquer operador económico deve determinar de maneira autónoma a política que pretende seguir no mercado, o que visa essencialmente garantir o livre funcionamento da concorrência e o bem-estar dos consumidores. Um mercado concorrencial permite aos consumidores a obtenção de preços mais baixos, maior qualidade dos bens e serviços transacionados, maior leque de escolha entre os produtos que oferecem melhor relação qualidade-preço, mais inovação e ainda o reforço da competitividade externa dos seus intervenientes.
Esta forma de coordenação de comportamentos no mercado – como, aliás, qualquer outra forma de colusão entre concorrentes – compreende um elevado grau de nocividade para a concorrência, na medida em que provoca redução na produção, divisão no mercado e subidas de preços, conduzindo à má repartição de recursos em prejuízo dos consumidores."
5. Se as práticas ocorrem em alguns casos, há mais de dez anos, por que razão a AdC só agora as sanciona? É difícil detetar este tipo de prática?
"As práticas de cartel, ou equivalentes, são tipicamente secretas e, por conseguinte, difíceis de comprovar. Durante a investigação ficou provado que os agentes envolvidos tinham consciência do ilícito praticado, tendo-se detetado inclusive comunicações com apelo à destruição de prova.
Durante as diligências de busca e apreensão que a AdC efetuou em 2017 a várias instalações da grande distribuição e fornecedores em todo o país, foi apreendida prova desta prática e verificou-se que, em alguns casos, recuava a 2007. Essas diligências deram origem à abertura de mais de uma dezena de processos pela AdC."
6. Qual a consequência para as empresas do envolvimento neste tipo de prática?
"Quando resulta demonstrado o envolvimento neste tipo de prática, como aconteceu na maioria dos processos decididos pela AdC, tal constitui uma contraordenação punível com coima, não podendo esta exceder 10% do volume de negócios realizado por cada empresa visada no exercício imediatamente anterior à decisão final condenatória. As coimas a aplicar são decididas tendo por base a Lei da Concorrência e as Linhas de Orientação para a Aplicação de Coimas."
7. Quantas decisões sancionatórias da prática de hub-and-spoke a AdC já emitiu?
"Desde dezembro de 2020, a AdC emitiu oito decisões condenatórias relativas a processos abertos na sequência das diligências de busca e apreensão efetuadas em 2017. Estas oito decisões visaram oito fornecedores de uma vasta gama de produtos à venda em supermercados (refrigerantes e néctares, bebidas alcoólicas, pão e bolos embalados, produtos alimentares, de higiene pessoal e cosmética e de limpeza). As decisões visaram seis cadeias da grande distribuição e nove responsáveis individuais, quer de supermercados quer de fornecedores. As coimas aplicadas totalizaram mais de €664.000.000."
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