"Globalmente, há um sentimento de tristeza, do ponto de vista humano, as pessoas percebem o que significa perder uma mãe, um familiar muito próximo", mas "do ponto de vista político, não há tanta noção, exceto na Escócia", onde, por exemplo, há quem se interrogue e debata sobre eventuais impactos relacionados com o movimento pela independência, "se será positivo ou negativo", disse hoje à Lusa Sérgio Tavares.
"Mas as pessoas, neste momento, estão mais preocupadas com a questão do aumento do custo vida, isto tem muito mais impacto e as pessoas estão muito mais atentas ao que se está a passar nessa frente do que, por exemplo, o que vai significar agora a mudança da Rainha Isabel II para o Rei Carlos III", acrescentou Sérgio Tavares.
O membro do Conselho das Comunidades Portuguesas, que vive há mais de 20 anos no Reino Unido, entre a Inglaterra e a Escócia, falava à Lusa a propósito da morte de Isabel II, aos 96 anos, na passada quinta-feira, após 70 anos de reinado.
Sérgio Tavares disse que "as pessoas mais antigas" da comunidade portuguesa, que "já têm muitas décadas de Reino Unido, 40 ou 50 anos, identificaram sempre o Reino Unido com a Rainha" e entre essa geração há esse sentimento de tristeza e até de perda de um membro da família.
Mas, acrescentou, "tirando essa parte da comunidade mais antiga, mais enraizada", a "prioridade das pessoas no seu dia-a-dia continua noutro lado" e há também "o espetro oposto", o da "indiferença mais ou menos completa", apesar de "obviamente este ser um assunto difícil de ignorar" por estes dias, com toda a cobertura mediática que está a ter.
Neste contexto, Sérgio Tavares considera que mais do que expectativas em relação a Carlos III, o sucessor de Isabel II, "é a resposta que o Governo de Liz Truss vai dar ou não às questões da economia, do custo de vida, que vai ser fundamental e, esse sim, o grande fator de preocupação entre a comunidade portuguesa e toda a gente no Reino Unido".
Liz Truss, como Carlos III, é recém-chegada ao cargo, depois de ter sido indigitada primeira-ministra por Isabel II dois dias antes da morte da monarca britânica.
Para o conselheiro das comunidades portuguesas, função que assume desde 2015, a relação dos britânicos com a monarquia é "muito geracional", com "muito alheamento" por parte dos mais jovens, mesmo na Inglaterra.
Apesar de ter dividido estas mais de duas décadas em solo britânico entre Inglaterra e Escócia, Sérgio Tavares tem também ligações e atividades na Irlanda do Norte.
Na Escócia e na Irlanda do Norte, a relação é mais complexa e o desaparecimento de Isabel II abre interrogações sobre o futuro.
Nos 70 anos de reinado, Isabel II visitou, por exemplo, a República da Irlanda e conseguiu um "amadurecimento da resistência" à monarquia inglesa.
"Até mesmo as pessoas assumidamente republicanas na Irlanda do Norte reconhecem nela um papel positivo, de desanuviamento da situação", afirmou Sérgio Tavares.
Já na Escócia, vem diminuindo o apoio à monarquia e a morte da Rainha pode funcionar em dois sentidos, reforçar o desejo de continuar a pertencer ao Reino Unido ou, então, "ser aquilo que faltava a algumas pessoas" para defenderem a independência, por o "sentimento de pertença e lealdade" ser para com Isabel II.
"Vai demorar um tempo até se conseguir começar a perceber que impacto pode ter", defendeu Sérgio Tavares.
A primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, anunciou no final de junho que pretende realizar um referendo "consultivo" sobre a independência da região britânica em 19 de outubro de 2023, apesar da oposição do Governo britânico.
O Partido Nacional Escocês (SNP) tem sido consecutivamente o partido mais votado nos atos eleitorais realizados na região: nas eleições locais de maio, nas regionais de 2021 e nas legislativas de 2019.
O vice-primeiro-ministro escocês, John Swinney, disse esta segunda-feira que a posição do SNP de manter o monarca britânico numa Escócia independente não mudou.
A comunidade portuguesa no Reino Unido está estimada em cerca de 400.000 pessoas.
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