UE vai limitar preço do petróleo russo. O que está em causa?

Os governos ocidentais pretendem limitar o preço de venda do petróleo russo, para limitarem os rendimentos obtidos por Moscovo com a venda de combustíveis fósseis, que lhe apoiam o orçamento, as forças armadas e a invasão da Ucrânia.

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© Reuters

Lusa
02/12/2022 22:57 ‧ 02/12/2022 por Lusa

Economia

Rússia/Ucrânia

O limite deve entrar em vigor na segunda-feira, o mesmo dia em que a União Europeia (UE) vai impor um boicote à maior parte do petróleo russo, a que é exportada por via marítima. Por outro lado, a UE chegou hoje a acordo para que aquele limite de preço fosse de 60 dólares por barril.

O efeito das duas medidas é incerto, uma vez que se, por um lado, a oferta russa por conhecer uma eventual redução, por outro, uma economia internacional em arrefecimento pode também reduzir a procura.

A Associated Press fez uma série de perguntas e respostas sobre o que pode estar em causa.

Assim, a primeira é sobre o limite do preço e como pode funcionar.

A secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, propôs o limite a outros membros do G7, como forma de limitar as receitas da Federação Russa, ao mesmo tempo que se mantinha o fluxo do petróleo russo para a economia mundial. O objetivo era o de atingir as finanças russas, enquanto se evitava uma acentuada subida do preço do petróleo, uma possibilidade se o petróleo russo desaparecesse de repente do mercado. As seguradoras e outras em+rezas necessárias para a exportação do petróleo apenas vão poder negociar com o petróleo russo se este tiver um preço no limite estabelecido ou abaixo deste. A maior parte das seguradoras está sedeada na UE e no Reino Unido e podem ser instadas a participar nesta limitação.

Uma segunda questão é a de saber como é que o petróleo vai continuar a fluir para a economia internacional.

Uma eventual aplicação universal da interdição de seguro, imposta pela UE e pelo Reino Unido, no início da aplicação das sanções, pode retirar tanto petróleo russo do mercado que os preços dos petróleos subam acentuadamente, traduzindo-se em sofrimento para as economias ocidentais, enquanto a Federação Russa veria um aumento das suas receitas do petróleo que viesse a vender, em desafio ao embargo.

A Federação Russa, segundo maior produtor petrolífero mundial, já reorientou muitas das suas vendas para a Índia, China e outros destinos asiáticos, a quem vende a preços de desconto, depois de os clientes ocidentais terem evitado comprar o petróleo russo, mesmo antes de ter sido banido pela UE.

Que efeito pode ter esta limitação do preço é a questão seguinte, cuja resposta é dececionante para quem esperasse impactos de monta.

Como efeito, um limite de 60 dólares por barril não vai ter um impacto relevante nas finanças russas, avança Simone Tagliapietra, membro do centro de reflexão bruxelense Bruegel e professor de Energia e Clima na Universidade Johns Hopkins, nos EUA. "Vai passar quase despercebido", disse, uma vez que este valor está próximo daquele a que o petróleo russo está a ser vendido, justificou.

A qualidade do petróleo russo, o Ural, está s ser vendido com um desconto significativo no mercado internacional em relação ao 'benchmark' (referência) Brent e caiu abaixo dos 60 dólares pela primeira vez em meses apenas esta semana, e por receio de uma redução da procura na China, devido às medidas para conter o avanço da pandemia do novo coronavirus.

"Para começo, o limite não é um número satisfatório", disse Tagliapietra, mas vai impedir o Kremlin de beneficiar de um aumento súbito de preços.

"O limite pode ser reduzido ao longo do tempo, se se quiser aumentar a pressão sobre o presidente russo, Vladimir Putin", disse. "O problema é que já se passaram vários meses à espera por medidas que reduzissem" os lucros petrolíferos de Putin, apontou.

Se o limite tivesse sido de 50 dólares, reduziria as receitas russas e tornaria impossível para Moscovo equilibrar o orçamento, o que pelas estimativas do Kremlin requer um barril cotado entre 60 a 70 dólares.

Contudo, mesmo a 50 dólares, o preço do barril continuaria acima do custo de o produzir -- situado entre 30 a 40 dólares -, o que daria a Moscovo um incentivo para continuar a vender petróleo, apenas para evitar fechar poços que, depois, teriam um reinicio de atividade difícil.

Robin Brooks, economista-chefe do Instituto da Finança Internacional, em Washington, escreveu na rede social Twitter, na semana passada, que um limite de 30 dólares daria à Federação Russa "a crise financeira que merece".

A disputa sobre o nível do limite do preço ilustra o desacordo sobre o objetivo que se visa: prejudicar as finanças russas ou controlar a inflação, com os EUA mais apostados em controlar o aumento de preços, disse Maria Shagina, uma analista de sanções no Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Berlim.

Em todo o caso, considerou o limite de 60 dólares "melhor do que nenhum". AS partes "podem revê-lo mais tarde para refletir as condições no mercado... e apertá-lo".

Outra questão que se coloca é o que fazer se russos e terceiros ignorarem este limite.

A Federação Russa já fez saber que não vai observar qualquer limite de preço e vai interromper o abastecimento quem o observar. As retaliações russas podem ocorrer em contexto de esperar sair a ganhar com cotações mais elevadas do petróleo que consiga vender fora das sanções.

Compradores na China e Índia podem ignorar o limite dos 60 dólares, enquanto russos e chineses podem tentar estabelecer as suas próprias seguradoras para substituir as que foram barradas por norte-americanos, britânicos e europeus.

A Federação Russa também pode vender fora de mercado, através do uso de petroleiros 'subterrâneos' ('dark fleet'), com propriedade indeterminada, como têm feito Venezuela e Irão. O petróleo pode ser transferido de um petroleiro para outro e misturado com outro de qualidade similar para disfarçar a sua origem.

Mesmo nestas circunstâncias, o limite do preço torna "mais caro, demorado e difícil" para a Federação Russa contornar as sanções para vender petróleo, na opinião de Shagina.

As maiores distâncias envolvidas no transporte de petróleo para a Afia significam que é necessária uma capacidade de petroleiros quatro vezes maior - e nem toda a gente vai assumir as garantias russas.

"Vai ser necessário recorrer a esta 'dark fleet', a qual tem kimites", disse. "O Irão e a Venezuela estão a usá-la, mas pode haver concorrência com os mesmos destinos... Este jogo do 'gato-e-rato é sempre inerente ao mecanismo de sanções",

Quanto ao efeito do embargo da UE, admite-se que os russos sejam incapazes de reorientar todo o petróleo destinado aos europeus, que já foram o seu maior mercado, para terceiros - pelo menos, para já.

Esta perda leva os analistas do Commerzbank a anteciparem que o embargo europeu e o limite de preço, em conjunto, venha a causar "um aperto importante no mercado petrolífero no início de 2023" e a elevar o preço do Brent para 95 dólares. Hoje, o crude de referência na Europa fechou em 85,62 dólares.

Mas o maior impacto do embargo europeu pode acontecer só a 5 de fevereiro, quando entrar em efeito um embargo adicional, desta vez aos produtos refinados a partir do petróleo, como o gasóleo.

A Europa ainda tem muitas viaturas a gasóleo. Este combustível também é usado nas frotas de camiões que transporte um leque alargado de produtos para os consumidores e em maquinaria agrícola -- pelo que estes custos mais elevados vão espalhar-se através da economia.

Leia Também: UE aprova proposta de limite de 60 dólares por barril de petróleo russo

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