Evergrande ilustra fim da Era de crescimento chinês assente na construção

A liquidação da Evergrande, ordenada hoje por um tribunal de Hong Kong, ilustra a crise prolongada no imobiliário chinês, principal veículo de investimento para as classes abastadas do país, à medida que Pequim tenta eliminar o "crescimento fictício".

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Lusa
29/01/2024 09:43 ‧ 29/01/2024 por Lusa

Economia

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Dezenas de construtoras chinesas entraram em colapso nos últimos dois anos, à medida que os bancos reduziram o financiamento e o valor dos imóveis sofreu forte correção.

O incumprimento da Evergrande foi um momento decisivo para a indústria: desde então, mais de 50 construtoras entraram em incumprimento e milhares de trabalhadores do setor perderam os seus empregos.

A crise começou quando, em 2021, os reguladores chineses passaram a exigir às construtoras um teto de 70% na relação entre passivo e ativos e um limite de 100% da dívida líquida sobre o património.

Em entrevista à agência Lusa, Michael Pettis, professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim, considera que a campanha para desalavancar o setor imobiliário faz parte dos esforços da China para pôr termo a um modelo de crescimento assente no investimento em ativos não produtivos.

"Há muito crescimento fictício na China", notou Pettis. "O excesso de investimento em todo o tipo de projetos de construção inflaciona o crescimento há vários anos", descreveu.

Após a crise financeira mundial de 2008, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, a China construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos ou dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.

Isto gerou, no entanto, "crescimento fictício", termo usado pela primeira vez pelo Presidente chinês, Xi Jinping, num ensaio publicado em 2021, que frisou a importância de o país alcançar um crescimento "genuíno".

"A maioria das estimativas coloca a contribuição do setor imobiliário para o PIB [Produto Interno Bruto] da China entre 25% e 30%. Isto é duas a três vezes superior ao de outros países", observou Pettis.

Para o economista, a alocação de capital para investimentos não produtivos na China ascende a uma "escala sem precedentes" na História.

"Normalmente, quando os economistas querem falar sobre um caso proeminente de grande quantidade de investimento não produtivo, eles apontam para o Japão na década de 1980", indicou. "O meu palpite é que em 10 ou 20 anos vão estar a falar da China", acrescentou.

Diferentes analistas estimam existir na China propriedades vazias suficientes para abrigar mais de 90 milhões de pessoas -- cerca de nove vezes a população portuguesa.

A crise no imobiliário tem fortes implicações para a classe média do país. Face a um mercado de capitais exíguo, o setor concentra uma enorme parcela da riqueza das famílias chinesas -- cerca de 70%, segundo diferentes estimativas.

A Evergrande já foi a maior construtura da China em termos de vendas. Mas, sobrecarregada com um passivo de cerca de 300 mil milhões de dólares (304 mil milhões de euros), deixou de pagar as suas dívidas há mais de dois anos e, desde então, tem vindo a negociar uma reestruturação com os seus credores.

A decisão do tribunal vai dar aos credores o controlo da empresa-mãe da Evergrande e permitir-lhes-á liquidar todas as suas atividades.

O liquidatário vai ter poderes para assumir o controlo de todas as filiais da Evergrande em todo o mundo, incluindo na China, e vender os ativos da empresa para pagar a sua dívida.

Uma questão por resolver é o alcance do poder legal do liquidatário de Hong Kong na China continental. Os tribunais chineses começaram recentemente a reconhecer a autoridade jurídica dos liquidatários de jurisdições como Hong Kong, onde a empresa-mãe da Evergrande está cotada.

Novos dados sobre o desempenho do setor imobiliário na China em 2023 revelaram um quadro negativo e os economistas afirmaram que a recessão - agora no seu quarto ano - está prestes a agravar-se.

As vendas de casas recém-construídas na China caíram 6% no ano passado, regressando a um nível que não se registava desde 2016, segundo dados oficiais. Os preços também estão a cair, mesmo nas cidades mais ricas do país.

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