No caminho até à Estação Nova de Coimbra, surgem avisos colados em postes que parecem saídos de uma qualquer agência funerária a avisar que aquele espaço "faleceu", com o Movimento de Utentes dos Serviços Públicos, a União dos Sindicatos de Coimbra, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Setor Ferroviário e o Projeto Ruído a participar "a todas as pessoas das suas relações e amizade o assassinato do seu ente querido", a estação, também conhecida como Coimbra-A.
Na noite de hoje para domingo, às 00:20, irá partir daquela estação com 140 anos de vida o seu último comboio, por carris que irão dar lugar a asfalto, até Coimbra-B, por onde futuramente irão circular autocarros elétricos articulados, no âmbito da empreitada do Sistema de Mobilidade do Mondego (SMM).
Hoje de manhã, no último dia em que Coimbra-A está aberta, várias pessoas aproveitaram para tirar as últimas fotografias da estação e despedirem-se dela enquanto ainda funciona com aquele que era o seu propósito inicial.
Maria Helena Loureiro, que não a utiliza regularmente, é uma dessas pessoas.
Hoje, vai até à manifestação em Lisboa contra o racismo e a xenofobia e até poderia ter apanhado o intercidades em Coimbra-B, mas decidiu começar a viagem naquela estação para se despedir dela.
"Achei que me tinha de despedir e fazer uma última viagem neste troço, que fiz muitas vezes", afirma a habitante de Coimbra, de 69 anos.
Admitindo "tristeza e revolta" com o fim dos carris até ao centro da cidade, Maria Helena Loureiro diz que a cidade via aquela estação como "um dado adquirido, como em todas as relações de grande duração".
Trabalhadores da CP que optaram por não dar o nome também lamentavam ver a estação fechar.
"É um dia triste", disseram à agência Lusa os trabalhadores, já marcados por outros fechos na região, como o ramal da Lousã ou de Cantanhede.
Para eles, contam, também será um dia para se despedirem de uma linha que fizeram vezes sem conta.
Maria Fernanda Silva, de 81 anos, demora-se nas fotografias que vai tirando aos comboios e à estação e aponta para o primeiro andar do edifício, onde trabalhou durante vários como administrativa da CP, onde entrou em 1965.
Acompanhada do marido, Carlos Santos, veio também ela dizer um último adeus à estação que chegou a ser o seu local de trabalho e cuja ligação até Coimbra-B usava regularmente.
"Ainda me lembro dos comboios cheios, que vinham ao sábado com as peixeiras da Figueira [da Foz] e pessoas que vinham vender ao mercado. A correria que era nesta estação", recorda a mulher, numa manhã cinzenta e calma que contrasta com as memórias que lhe vão surgindo.
"Era um movimento que só visto", comenta o marido.
Hoje, vieram despedir-se da Estação Nova e, como todas as despedidas "são dolorosas", também esta o é, diz, enquanto pensa em como ficariam bonitas as fotografias se as pudesse tirar do primeiro andar do edifício onde trabalhou durante vários anos.
Jorge Monteiro e Luís Filipe Sequeira, do Porto, vão circulando pela estação a tirar fotografias dentro e fora do espaço, depois de uma viagem na linha que vai fechar.
Apesar de trabalharem em áreas nada relacionadas com os transportes, têm um carinho pela ferrovia e deslocaram-se de propósito a Coimbra para um último registo da estação.
"Sem dúvida alguma que o canal ferroviário vai ser aproveitado para fins de especulação imobiliária", lamenta Jorge Monteiro.
Luís Filipe Sequeira também acha que não houve vontade política de manter a ligação ferroviária ativa, nomeadamente com uma solução em túnel.
Os dois homens reconhecem que ter carinho pela ferrovia em Portugal "é difícil", face ao número de linhas e estações que foram sendo abandonadas e encerradas no últimos 30 anos.
"A ferrovia tem vindo a ser dizimada", comenta Jorge Monteiro, considerando que o fecho de Coimbra-A é apenas mais um sintoma de uma relação difícil que o país tem com a ferrovia.
Depois das 00:20 de domingo, a ligação ferroviária a Coimbra-B fecha, sendo por agora substituída por um serviço de transbordo rodoviário, assegurado pela Metro Mondego, enquanto o SMM não estiver em funcionamento, o que está previsto arrancar, para aquele percurso, no final do ano.
Leia Também: Protesto em jeito de velório por fecho de estação ferroviária de Coimbra