"Procurar melhores condições não significa 'perfil saltitão' do passado"

Como é a entrada no mercado de trabalho para os jovens? Que trabalhos preferem? E os desafios? Diana Sousa, consultora de recrutamento e seleção especializado do Clan, debruçou-se sobre estas questões, em entrevista ao Economia ao Minuto.

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© Reprodução Multipessoal

Anabela Sousa Dantas
09/02/2025 11:00 ‧ ontem por Anabela Sousa Dantas

Economia

Trabalho

A cultura de trabalho em Portugal está a mudar e esse sentimento tornou-se mais palpável após a pandemia de Covid-19, um evento que obrigou as empresas a fazer aquilo que até ali era quase tabu: mudar, adaptar e flexibilizar a sua relação com os trabalhadores.

 

Numa altura em que a taxa de desemprego está a subir (aumentou para 6,7% no quarto trimestre de 2024), a cultura da empresa continua a ser um fator decisivo, talvez não para aceitar uma oferta de emprego, mas com certeza para lá permanecer a longo prazo.

Diana Sousa, consultora de recrutamento e seleção especializado do Clan, falou com o Economia ao Minuto sobre os desafios que os jovens enfrentam hoje em dia no mercado de trabalho, sublinhando a "crescente valorização da flexibilidade e do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional", mudanças que as empresas devem "acompanhar" e "promover".

A especialista debruçou-se, ainda, sobre o teletrabalho, os seus benefícios e o impacto deste na relação entre empregador e trabalhador. 

No que respeita a que empresas mais optam por trabalho remoto, Diana Sousa enumera os setores do "marketing, IT, consultoria e Apoio ao Cliente (call-center e áreas de suporte técnico)".

A crescente valorização da flexibilidade e do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional leva muitos jovens a não se conformarem com um contexto que não oferece essas condições

De acordo com a sua experiência, quais são os maiores desafios à entrada dos jovens no mercado de trabalho?

Um dos principais desafios para os jovens na entrada do mercado de trabalho é a exigência de experiência, mesmo em posições juniores. A importância dada pelas empresas à experiência prévia supera, por vezes, o valor do potencial de desenvolvimento dos jovens, limitando as oportunidades para aqueles que estão a começar. 

Adicionalmente, muitos não têm uma rede de contactos sólida, nem um conhecimento profundo do mercado. Isso acaba por criar uma barreira adicional, pois fica mais difícil identificar oportunidades e obter orientação para avançar na carreira. 

Além disso, apesar de os estágios serem uma boa porta de entrada, podem não resultar numa oportunidade concreta de emprego, ou seja, pode criar alguma frustração, uma vez que não há garantias que essa experiência seja valorizada ou que se traduza numa oportunidade real. 

Ao contrário do que acontecia noutras gerações, agora é mais rara a construção de uma carreira de mais de uma década no mesmo local de trabalho. Que fatores mais contribuem para esta realidade?

A crescente valorização da flexibilidade e do equilíbrio entre a vida pessoal e profissional leva muitos jovens a não se conformarem com um contexto que não oferece essas condições e a procurar empresas com culturas alinhadas aos seus valores, onde se sintam bem e, consequentemente, possam contribuir de forma mais eficaz. Essa procura por melhores condições, sejam elas financeiras ou culturais, que promovam o nosso desenvolvimento e bem-estar não deve ser confundida com 'perfil saltitão' do passado.

A pandemia transformou o mercado e aspetos como teletrabalho passaram a ser fatores decisivos

Na perspetiva do empregador, quais são os maiores desafios à contratação de jovens? O compromisso é um fator? 

O compromisso dos jovens não é necessariamente um desafio para os empregadores. Na verdade, quando há um plano de carreira bem definido e as oportunidades são claras, a dedicação dos jovens aumenta. O desafio para os empregadores é criar um ambiente que incentive o desenvolvimento pessoal e profissional e que valorize as opiniões dos colaboradores, seja sobre estratégias de negócio ou condições de trabalho.

A pandemia transformou o mercado e aspetos como teletrabalho passaram a ser fatores decisivos para uma oportunidade ser aliciante, independentemente da faixa etária. O importante é que as empresas acompanhem estas mudanças e promovam uma cultura onde a escuta ativa e a inovação prevaleçam.

Poderá ter que ver com a continuidade de culturas de trabalho com as quais as pessoas mais jovens já não se identificam?

Acredito que caiba às empresas adaptar-se ao novo paradigma. A palavra 'compromisso' deve partir dos empregadores, na definição de culturas de trabalho mais alinhadas com as necessidades e os valores das novas gerações. Só assim será mais fácil garantir dedicação e motivação dos colaboradores.

Quais são as mudanças que urgem acontecer dentro das empresas?

A palavra-chave é flexibilidade. Todas as medidas que promovam uma conciliação entre trabalho e vida pessoal saudável são mandatórias e devem ser complementadas por um ambiente onde as pessoas se sintam à vontade para se expressar e sejam efetivamente ouvidas. Adicionalmente, apoiar o desenvolvimento contínuo - através de formações - e proporcionar uma visão clara do crescimento dentro da organização contribuem para aumentar a retenção de talentos.

Encontra abertura entre os empregadores portugueses para a possibilidade de trabalho remoto como medida para contratar mais?

Acredito que já é uma medida adotada por muitas empresas, mas ainda há trabalho a fazer nesse sentido.

Dentro das organizações há funções que não permitem o trabalho remoto e muitas vezes para manter essa equidade o regime remoto é desconsiderado

Que resistências são mais apresentadas?

Dentro das organizações há funções que não permitem o trabalho remoto e, muitas vezes, para manter essa equidade o regime remoto é desconsiderado, frequentemente mascarado pelo receio da perda de contacto, sentido de pertença e espírito de equipa. Adicionalmente, ainda existe a preocupação com a produtividade, presa a uma cultura muito tradicional que resiste a esta mudança e se revê na pergunta: 'Se sempre trabalhámos assim, porquê mudar?'

Acredita que a questão dos custos de habitação em grandes centros, como Lisboa, pode levar os empregadores a recorrer mais ao teletrabalho?

Sim, sem dúvida que os aumentos dos custos de habitação tornam muitas vezes a atração de talentos um desafio. A adoção de teletrabalho pode ser a solução eficaz, permitindo às empresas recrutar os melhores talentos, independentemente da sua localização, e proporcionar-lhes a possibilidade de residirem em regiões mais acessíveis. Esta flexibilidade contribui para o 'engagement' e a retenção a longo prazo, beneficiando as duas partes.

Se a empresa não se adaptar e desenvolver estratégias que mantenham a comunicação e a cultura organizacional em ambiente remoto, a relação entre empregador e trabalhador pode ser diretamente impactada

Que efeitos prevê, a longo prazo, para a relação empregador-trabalhador em cenários de teletrabalho a 100%? É a mesma coisa ou a distância marcará uma configuração diferente nesta relação?

A distância física dificulta o desenvolvimento de vínculos, pelo que se a empresa não se adaptar e desenvolver estratégias que mantenham a comunicação e a cultura organizacional em ambiente remoto, a relação entre empregador e trabalhador, especialmente a empatia, pode ser diretamente impactada. O ser humano é social, por isso é importante promover dinâmicas que permitam que toda a equipa se conheça, reforçando o sentimento de comunidade.

Por muito que o trabalho remoto dê a flexibilidade que os jovens procuram ou a solução de recrutamento que as empresas precisam, o investimento em construir relações não pode ser descurado, pelo contrário. Continuamos todos a ser uma equipa, mesmo que em 'escritórios' diferentes. A facilidade em comunicarmos tem de prevalecer!

O que deve ser tomado em atenção com a entrada e formação de pessoas em regimes de teletrabalho versus num regime presencial?

Em teletrabalho, é necessário suprir a falta de interações físicas com um 'onboarding' bem estruturado e um acompanhamento recorrente, para que os novos colaboradores percebam a cultura existente na organização e se consigam integrar eficazmente. Adicionalmente, a informação deve estar muito bem organizada e de fácil acesso, para facilitar a formação dos novos membros. O recurso a manuais e sessões assíncronas são uma boa alternativa, desde que complementadas com um feedback constante.

Em regime presencial, a integração acontece de um modo mais orgânico, apoiado pela aprendizagem informal e interações sociais.

A cultura organizacional, com forte cuidado pelo próximo, tornou-se um fator decisivo na escolha de trabalho

Qual é o maior impacto que encontra nas pesquisas por trabalho após a pandemia, após aquele período prolongado de teletrabalho?

A pandemia veio mudar a perspetiva sobre a gestão do equilíbrio trabalho-vida pessoal. Para muitos, a integração numa cultura empresarial que valorize a flexibilidade tornou-se mais importante do que as condições financeiras. A preferência por um trabalho híbrido ou 100% remoto é um dos fatores mais procurados e aliciantes.

As pessoas estão mais seletivas e orientadas para o seu bem-estar físico e psicológico. Empresas com culturas rígidas, mesmo que apresentem oportunidades financeiras significativas, perdem atratividade.

É importante os recrutadores analisarem cuidadosamente a cultura da empresa e o perfil e motivações do candidato. Uma avaliação incorreta pode levar à perda de um excelente profissional, que vai certamente privilegiar o seu bem-estar. A cultura organizacional, com forte cuidado pelo próximo, tornou-se um fator decisivo na escolha de trabalho.

Acha que poderá haver algum impacto a longo prazo a nível de saúde mental para quem escolhe teletrabalho?

O teletrabalho pressupõe uma redução da interação social física. Sendo esta uma necessidade básica do ser humano, é importante que quem está nesse regime procure manter essas interações fora do contexto profissional. Há um cunho muito pessoal nesta questão e cada um tem de se conhecer bem para saber o que funciona para si. O teletrabalho pode ser prejudicial para quem se isola ou conforma por estar em casa, mas muito positivo para quem valoriza uma melhor gestão das rotinas e tarefas diárias.

Quais são os setores - no âmbito de trabalhos de escritório, claro - onde se recorre mais ao teletrabalho e quais os que se recorre menos?

Os setores que mais recorrem à componente digital e comunicação online têm sido os mais predispostos a adotar o teletrabalho, como por exemplo, Marketing, IT, Consultoria e Apoio ao Cliente (call-center e áreas de suporte técnico).

Por outro lado, áreas como Recursos Humanos e Administração Pública, pela necessidade de atendimento presencial, manipulação de documentos confidencias e/ou gestão/formação de pessoas ainda enfrentam limitações para a adoção de um regime 100% remoto.

Leia Também: Em que regiões do país a taxa de desemprego é mais baixa? E mais alta?

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