O Presidente chinês, Xi Jinping, terminou hoje um périplo de uma semana pelo Sudeste Asiático, destinado a posicionar Pequim como defensor do comércio livre e fonte de estabilidade para os países da região, principais alvos da guerra tarifária lançada pelo líder norte-americano, Donald Trump.
A primeira deslocação de Xi este ano ao exterior surge após os líderes chineses convocarem uma rara Conferência Central sobre as relações com os países vizinhos, com uma mensagem: estes laços devem ser encarados numa "perspetiva global" e entraram numa fase crítica de "aprofundamento", face a mudanças geopolíticas mais amplas.
"Na Indonésia, existe a convicção de que a supremacia dos EUA está a ser substituída pela supremacia da China", admitiu Teuku Rezasyah, Professor Associado de Relações Internacionais na Universidade Padjadjaran, localizada na ilha de Java, num relatório publicado pelo 'think tank' Carnegie Endowment for International Peace.
"Ao testemunhar as 89 ordens executivas de Trump, a Indonésia tem a impressão de que os EUA estão a reestruturar a sua economia e a responder à sua enorme dívida federal, reduzindo assim a sua capacidade de alcançar mercados globais", descreveu.
A China, pelo contrário, acelerou nos últimos anos a celebração de acordos de livre comércio e iniciativas globais como a Faixa e Rota, que inclui a construção de portos, autoestradas ou ligações ferroviárias em dezenas de países, criando novas rotas comerciais entre o leste da Ásia e Europa, África ou América Latina.
Mas, à semelhança de outros países da região, também Jacarta está dividida entre interesses económicos e de Defesa, apontou o académico.
"Face ao poderio militar da China e a sua maior assertividade no Mar do Sul da China (...) a Indonésia proporcionou maior acesso aos Estados Unidos para a realização de exercícios militares conjuntos (...), que, em termos de qualidade e substância, estão muito além da cooperação Indonésia -- China na área da Defesa", frisou.
O mesmo se aplica ao Vietname, um dos principais alvos das "tarifas recíprocas" impostas por Trump e, entretanto, suspensas por 90 dias.
Os EUA absorvem quase 30% das exportações vietnamitas, com o excedente do Vietname no comércio bilateral a fixar-se em 104 mil milhões de dólares (91 mil milhões de euros), mas Hanói pode passar a enfrentar taxas alfandegárias de 46%, se não conseguir chegar a acordo com Washington.
"Embora esta pressão económica possa sugerir uma viragem para a China, os instintos estratégicos e o contexto histórico do Vietname indicam uma resposta mais subtil: Hanói esforçar-se-á por manter o equilíbrio, em vez de se inclinar rapidamente para o seu vizinho do norte", descreveu Le Hong Hiep, coordenador do programa de estudos sobre o Vietname no Instituto ISEAS-Yusof Ishak, com sede em Singapura, também citado no relatório da Carnegie.
Lembrando a "história difícil" de Hanói com a China -- os dois países travaram múltiplas guerras ao longo dos séculos -- o analista afirmou que a política externa vietnamita vai continuar a pautar-se por um "ato de equilíbrio".
"Esta abordagem diversificada dá prioridade à autonomia e à resiliência", frisou.
Também o Camboja, outro país fortemente penalizado pelas tarifas de Trump - neste caso 49% -, almeja uma "navegação pragmática" por entre a "competição entre grandes potências", apontou Neak Chandarith, diretor do Instituto de Estudos Internacionais e Políticas Públicas da Universidade Real de Phnom Penh, no texto do 'think tank'.
À semelhança do Vietname, o país faz parte do 'comércio triangular', no qual os produtos são exportados quase concluídos da China para outras nações, onde é acrescentado um componente ou acabamento, visando alterar o local de fabrico. Esta estratégia serviu para os exportadores chineses contornarem as taxas impostas por Trump sobre as importações oriundas da China, durante o seu primeiro mandato (2017 -- 2021).
As empresas chinesas detêm já metade das fábricas no Camboja, cujas exportações para os EUA aumentaram de 3 mil milhões de dólares (2,6 mil milhões de euros), em 2016, para 13 mil milhões de dólares (11,4 mil milhões de euros), em 2024, quase 30% do PIB cambojano.
"A relação [com Pequim] baseia-se mais em pragmatismo do que numa reorientação estratégica", observou Chandarith. "Os laços históricos e a proximidade geográfica desempenham um papel importante, mas a política externa do Camboja continua a privilegiar a independência e o não-alinhamento", realçou.
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