Médico Explica: Como a endometriose afeta fertilidade e vida das mulheres

"É entre os 25 e os 35 anos de idade (sobretudo em mulheres sem filhos), que esta doença é mais comumente diagnosticada, muitas vezes em situações de investigação de uma infertilidade. Contudo, nos últimos 20 anos, muito provavelmente devido aos avanços dos meios de diagnóstico, o número de casos parece estar a aumentar", explica o médico José Cunha, diretor clínico da AVA Clinic Lisboa, numa entrevista que deu ao Lifestyle ao Minuto sobre a doença crónica para a qual ainda não há explicação.

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Liliana Lopes Monteiro
30/03/2021 08:30 ‧ 30/03/2021 por Liliana Lopes Monteiro

Lifestyle

Entrevista

O endométrio é uma das camadas que constitui o útero e corresponde ao seu revestimento interno. Durante o ciclo menstrual, é regenerado ciclicamente através de um processo de descamação. Esta corresponde à menstruação e permite a renovação de todos os elementos do seu tecido.

A endometriose é a designação dada ao processo clínico no qual as células que constituem o endométrio se encontram fora da sua localização normal, por exemplo no peritoneu pélvico, nos ovários, na bexiga, no apêndice, intestinos ou, até, no diafragma.

Apesar de altamente debilitante, é muitas vezes apelidada de doença 'invisível' devido à dificuldade de deteção, o que por sua vez faz com que a estimativa de prevalência da mesma ainda permaneça incerta.

Segundo o médico José Cunha, diretor clínico da AVA Clinic Lisboa, "o diagnóstico da endometriose é, muitas vezes, difícil de ser efetuado através do exame físico e ginecológico, isto é, numa consulta de rotina. Contribui para isso, o facto de o grau de severidade da doença não estar relacionado com o tamanho das lesões, nem com a sintomatologia. Assim implantes de endometriose de dimensões muito pequenas, difíceis de detetar, podem ser causadores de dor acentuada e infertilidade, e por outro lado, endometriomas (quistos ováricos de endometriose) com tamanho significativo, podem ser diagnosticados por mero acaso numa ecografia, sem que estejam associados a qualquer tipo de queixa ou a infertilidade". 

Na entrevista que se segue o especialista explica a fundo as várias nuances da endometriose, uma doença que ainda é desconhecida para muitos:

O que é a endometriose?

A endometriose é definida como a presença, fora do útero, de tecido semelhante ao endométrio (tecido que reveste o interior da cavidade uterina), que induz uma reação inflamatória crónica nos locais onde se consegue implantar. Geralmente, esse tecido endometrial implanta-se na cavidade pélvica, na proximidade do útero, envolvendo os ovários, as trompas, os ligamentos uterinos, a bexiga, o intestino, causando a formação de tecido cicatricial e aderências entre estas estruturas, obstruções, retrações, que podem distorcer a anatomia da pelve da mulher. Por outro lado, já foi constatada a presença de implantes endometrióticos em vários órgãos e sistemas do corpo humano como, a pele e cicatrizes cutâneas, o pulmão, os rins, o cérebro, entre outros. Estas evidências, fundamentam a hipótese de poder ocorrer disseminação por via linfática ou sanguínea de tecido do endométrio, com capacidade de originar implantes à distância. Este tecido endometrial pode ainda invadir a camada muscular da parede do útero (miométrio), originando uma patologia designada por adenomiose.

Notícias ao MinutoDr. José Cunha© DR

Quais são os sintomas desta doença?

A endometriose pode causar dor na região pélvica/abdominal, que se pode manifestar de diferentes formas, infertilidade ou a associação das duas. Assim as manifestações mais usuais da doença são:

  • Cólicas e dores menstruais de diferente intensidade;
  • Algias pré-menstruais;
  • Dor nas relações sexuais;
  • Dor pélvica crónica;
  • Hemorragia menstrual abundante e irregular;
  • Queixas do foro intestinal e urinário durante a menstruação;
  • Fadiga e cansaço crónicos;
  • Dificuldade em engravidar e infertilidade.

Tende a surgir em que idade?

É entre os 25 e os 35 anos de idade (sobretudo em mulheres sem filhos), que esta doença é mais comumente diagnosticada, muitas vezes em situações de investigação duma infertilidade. Contudo, nos últimos 20 anos, muito provavelmente devido aos avanços dos meios de diagnóstico, o número de casos parece estar a aumentar e o seu diagnóstico é cada vez mais comum em idades mais jovens e em mulheres acima dos 40 anos e já com filhos.

Leia Também: Endometriose. A doença que 'não' existe

Quais são as causas para o seu aparecimento?

Não se sabe ao certo o que causa a endometriose e apesar de várias teorias terem sido propostas para explicar a gênese desta doença, a hipótese da menstruação retrógrada é a mais provável e aceite pela comunidade científica. A menstruação retrógrada (saída de sangue menstrual pelas trompas para dentro da cavidade pélvica) é comum, sendo vista em 75-90% das mulheres que realizaram laparoscopias na altura da menstruação. Contudo o sangue menstrual nem sempre contém células endometriais e os fatores que influenciam a implantação do endométrio fora do útero são incertos, pois a prevalência de endometriose foi estimada em apenas 5 % a 20% destas mulheres, onde se constatou a menstruação retrógrada. Por outro lado, as mulheres com endometriose parecem ter a função imunológica alterada, o que poderia propiciar a implantação de células endometriais que foram expelidas pela trompa. Alguns estudos demonstraram ainda que as mulheres com endometriose sintomática, podem ter uma predisposição genética para que o endométrio se implante no peritoneu (tecido que reveste todos os órgãos da cavidade abdominal) e parecem ter também uma disposição adicional para uma resposta inflamatória, às mudanças cíclicas que ocorrem no endométrio ectópico. Apontando, simultaneamente, para que na origem desta doença possam estar envolvidos fatores genéticos, está o facto do risco de uma mulher desenvolver endometriose aumentar significativamente (até cinco a seis vezes), se tiver um familiar em primeiro grau com essa patologia e nestes casos manifestar-se, geralmente, em idades mais jovens.

Como é que a endometriose afeta a vida das mulheres física e psicologicamente?

A dor é a manifestação dominante da endometriose e como referimos anteriormente, pode assumir diferentes formas e ter intensidades variáveis. Numa fase inicial pode responder a medicamentos anti-inflamatórios, mas posteriormente, com a evolução da doença, essa resposta vai sendo menor. Se a bexiga for atingida, pode surgir dor quando está cheia, dor durante a micção e pode ocorrer perda de sangue na urina. A endometriose pode também ser a causa de algias durante as relações sexuais (dispareunia), que muitas vezes se mantêm um a dois dias após. A outra manifestação principal, desta patologia, é a dificuldade em engravidar e a infertilidade. Consequentemente, é indubitável o enorme impacto da endometriose, na vida da mulher, quer do ponto de vista físico e psicológico, quer ainda do ponto de vista social e económico.

Quantas mulheres sofrem desta doença em Portugal?

Embora a prevalência exata da endometriose seja desconhecida, ela é uma doença que se estima ocorrer em 3 a 10% da população feminina em idade fértil. Mas em mulheres com algias pélvicas crónicas, infertilidade ou ambos, a sua prevalência pode subir para os 35–50%.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico da endometriose é, muitas vezes, difícil de ser efetuado através do exame físico e ginecológico, isto é, numa consulta de rotina. Contribui para isso, o facto de o grau de severidade da doença não estar relacionado com o tamanho das lesões, nem com a sintomatologia. Assim implantes de endometriose de dimensões muito pequenas, difíceis de detetar, podem ser causadores de dor acentuada e infertilidade, e por outro lado, endometriomas (quistos ováricos de endometriose) com tamanho significativo, podem ser diagnosticados por mero acaso numa ecografia, sem que estejam associados a qualquer tipo de queixa ou a infertilidade. Também, não é possível prever quais as pacientes que irão desenvolver gradualmente a doença com o aparecimento de quistos ováricos e aderências pélvicas. Exames imagiológicos como a ecografia pélvica com sonda vaginal e a ressonância magnética nuclear, são os mais indicados para demonstrar a presença da doença. Existem também exames laboratoriais específicos que podem ajudar a confirmar o diagnóstico de endometriose. Contudo, o diagnóstico rigoroso desta patologia só consegue ser feito por laparoscopia ou laparotomia (através da visualização direta das lesões e colheita de material para análise histopatológica). Estas duas vias de abordagem proporcionam, também, a possibilidade de tratamento cirúrgico. A via laparoscópica é sempre preferível, pois tem mais vantagens que a abordagem por laparotomia, porque permite um menor tempo de hospitalização, anestesia e recuperação, além de possibilitar, na maioria dos casos uma melhor visualização dos focos da doença. Avaliação laparoscópica cuidadosa da cavidade pélvica revela sinais de endometriose, em até 20% das mulheres com fertilidade comprovada.

Existe cura para a endometriose?

A endometriose é uma doença crónica, na realidade não tem cura, mas existem vários tratamentos possíveis. Apenas quando a mulher entra na menopausa a doença regride espontaneamente, devido à ausência das menstruações e à redução da produção hormonal. Contudo, uma grande percentagem de mulheres afetadas por endometriose consegue ter uma vida perfeitamente normal, com nenhum tratamento ou com tratamentos simples (ex: uso de anticoncecionais hormonais de forma cíclica ou contínua), sem efeitos secundários significativos.

Existe alguma forma de prevenir o aparecimento desta patologia?

Não existe forma eficaz de prevenir a endometriose, pois não se sabe ao certo como e quando se origina esta doença. Por outro lado, o seu diagnóstico precoce é muito difícil, como já referimos anteriormente. Assim é muito importante estar atento (desde a adolescência) a alguns sinais de alarme, que podem fazer suspeitar da existência desta patologia:

  • Dores menstruais fortes, que se tornam crónicas;
  • Ovulações dolorosas;
  • Dores durante ou após as relações sexuais;
  • Perdas de sangue irregulares, entre menstruações ou menstruações abundantes;
  • Diarreia/ obstipação e queixas urinárias relacionadas com o período menstrual;
  • Fadiga crónica;
  • Dificuldade em engravidar e infertilidade.

Se alguns destes sinais de alarme surgirem, se mantiverem no tempo e se verificar o seu agravamento, é fundamental recorrer, com a maior brevidade possível, a uma consulta de ginecologia, de preferência realizada por um especialista com experiência nesta doença.

Outro aspeto relevante na eventual prevenção é o conhecimento de que existem fatores que aumentam o risco de desenvolver endometriose, como, ter começado a menstruar muito nova, nunca ter engravidado, ter familiares em 1º grau (mãe e irmãs) com a doença, consumir álcool e tabaco, nunca ter usado anticoncecionais hormonais, ter um baixo índice de massa corporal, entre outros.

Assim uma boa forma de contribuir para a prevenção e para evitar o agravamento da endometriose (quando esta já existe), é a mesma que se recomenda para um grande número de doenças: ter uma alimentação saudável e equilibrada, evitar o consumo de álcool e tabaco, fazer exercício físico e evitar o sedentarismo, combater o stress e cuidar, o melhor possível, da saúde mental.

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