Ómicron. Vacina lusa potencialmente eficaz aguarda financiamento estatal

A vacina deveria chegar ao mercado no final de 2022, mas as conversações com o Executivo arrastam-se há meses.

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Ana Rita Rebelo
03/12/2021 19:10 ‧ 03/12/2021 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Covid-19

Os ensaios pré-clínicos, em animais, da vacina portuguesa da Immunethep revelaram resultados promissores na capacidade de produção de anticorpos capazes de travar a infeção pelo novo coronavírus SARS-CoV-2. Porém, a empresa está há meio ano à espera de financiamento por parte do Governo, a quem solicitou 20 milhões de euros, para avançar para a próxima fase. 

"A forma como a nossa vacina foi desenhada faria com que não nos tivéssemos de preocupar tanto com estas novas variantes", como a Ómicron, diz em entrevista ao Lifestyle ao Minuto Bruno Santos, CEO da empresa portuguesa de biotecnologia, com sede em Cantanhede, distrito de Coimbra.

De que forma é que esta vacina se diferencia daquelas que estão no mercado para o combate à pandemia?

A vacina que a Immunethep desenvolveu tem uma caraterística muito particular: tenta ser o mais abrangente possível, para que novas variantes não possam "escapar". Do que se conhece das vacinas atuais, elas são direcionadas apenas uma proteína do vírus - aquela que se liga ao nosso organismo - e é assim que o coronavírus é reconhecido. Já a nossa usa o vírus inativado. O que nós vemos nesta nova variante é que há uma alteração numa parte do vírus que, neste caso, é a que as outras vacinas estão a usar como forma de identificar o vírus. Imaginemos que o vírus era uma pessoa e que colocava um chapéu. O que acontecia é que, pelo facto de ter o chapéu deixava de ser reconhecido enquanto aquela pessoa, porque tinha existido uma alteração. Por outro lado, a outra propriedade chave da nossa vacina é o facto de ser inalada e de permitir que a proteção esteja no pulmão, pelo que tem a capacidade de reconhecer o vírus assim que ele entra.

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Portanto, estamos à espera de uma vacina que seja eficaz contra variantes, como a Ómicron e, no fundo, a vossa continua na gaveta.

Certo. É isso. A forma como a vacina foi desenhada faria com que não nos tivéssemos de preocupar tanto com estas novas variantes.

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Concluíram a fase de ensaios não clínicos há já algum tempo. Que resultados obtiveram?

Os ensaios não clínicos tiveram resultados excelentes e mostraram que a vacina protege contra a infeção e que é segura. Tivemos de recorrer a uns ratos "especiais" e conseguimos concluir que aqueles que não foram vacinados acabaram por falecer, ao contrário dos que foram inoculados. Por outro lado, no campo da segurança, a análise foi feita por uma entidade terceira para que não houvesse suspeita de manipulação dos resultados. E aí também tivemos resultados muito positivos.

Há interesse e vontade de ajudar, mas a uma velocidade inferior à que desejaríamos ou que entendemos que é necessária para um produto como a vacina para o coronavírus

Quanto à imunidade, o que é que os testes revelam?

Neste momento, diria que os testes são curtos. No entanto, o que vemos é que, por exemplo, pessoas que foram infetadas pelo SARS-CoV original, em 2002, são ainda capazes de estar protegidas contra o SARS-CoV-2. Ou seja, a imunidade de um outro coronavírus da família da Covid-19 mantém-se quase 20 anos depois do seu surgimento. E foi isso que nos inspirou a usar o vírus como um todo. A nossa expetativa é que uma vacina, usando um vírus inativado como a nossa, tenha uma duração de longo prazo. Os anticorpos podem não estar presentes, mas as células que os produzem vão manter-se no nosso organismo e, sendo necessário, produzirão esses anticorpos.

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Já entraram em conversações com o Governo, mas ainda não obtiveram o financiamento estatal.  Em que ponto é que estão? 

Sempre tivemos todo o apoio por parte do Executivo. Há aqui apenas a questão dos 'timings' e a expetativa que cada um tem. Como vemos, todos os produtos estão a ser desenvolvidos e são necessários para ontem. Por isso, quanto mais rápido desenvolvermos a vacina, mais útil ela se torna. Pretendíamos um mecanismo que permitisse que esse apoio chegasse o mais rápido possível e já estar a fazer os ensaios em humanos. No entanto, por alguma razão, podem não existir esses mecanismos em Portugal e aquilo que está a ser usado como forma de apoiar o nosso projeto são, por exemplo, o Portugal 2020 e o Plano de Recuperação e Resiliência [PPR]. Fomos, inclusive, um dos 64 consórcios selecionados para continuar no PRR e convidados a apresentar um plano mais detalhado. Os resultados foram lançados esta semana e estivemos ontem a apresentar o nosso projeto ao primeiro-ministro e ao ministro da Economia. Ou seja, vemos que há interesse e vontade de ajudar, mas a uma velocidade inferior à que desejaríamos ou que entendemos que é necessária para um produto como a vacina para o coronavírus.

O que se segue?

Teremos de fazer um projeto mais detalhado e esperar por uma nova avaliação. Diria que através do PRR, não iremos ter acesso aos fundos que necessitamos antes do segundo trimestre do próximo ano.

Esta não é tradicionalmente uma área de investimento em Portugal...

Sim. Não somos conhecidos no mundo pela capacidade da indústria farmacêutica, mas poderíamos vir a ser.

O valor continua a ser na ordem dos 20 milhões?

Exatamente.

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Ponderam sondar privados?

Na realidade, avançámos com contatos. No entanto, como se assiste um pouco por todo o mundo nas vacinas que estão a avançar em ensaios clínicos, todas elas têm um suporte governamental significativo. Ou seja, sem o apoio de um Estado, a compra pela União Europeia ou algo desse género, dificilmente os privados vão estar a investir na vacina, porque existem outras que, no fundo, estão a ter essa vantagem competitiva em relação à nossa.

As entidades reguladoras estão cada vez mais a voltar aos tempos tradicionais de aprovação de um fármaco, bastante diferentes daqueles 11 meses que foram necessários para dar o aval às vacinas Covid

Depois de obtidos os fundos estatais, necessitam de quanto tempo para colocar a vacina no mercado?

Tínhamos estimado ter a vacina pronta em cerca de um ano e teria sido possível, dado o tipo de ensaios que estavam a ser feitos em junho/julho deste ano. Daqui a quatro/cinco meses já não sabemos exatamente se os ensaios serão suficientes, porque a situação evolui e os critérios podem vir a ser outros. No fundo, correndo tudo bem, será mais um ano. Ou mais... Mas neste momento é difícil prever e quando mais tempo passa pior é. O que vemos é que as entidades reguladoras estão cada vez mais a voltar aos tempos tradicionais de aprovação de um fármaco, bastante diferentes daqueles 11 meses que foram necessários para dar o aval às vacinas Covid.

Quantas pessoas estimam vir a ser necessárias para avançar com ensaios clínicos?

Para uma primeira fase, precisaríamos de duas centenas de voluntários. Na segunda fase, de cerca de três a cinco mil voluntários adicionais. Porém, se tivéssemos começado em julho tínhamos imensas pessoas que podiam ser vacinadas e que nunca tinham tido contato com o vírus. Neste momento, as pessoas ou foram vacinas ou infetadas.

Os testes serão realizados em Portugal?

A nossa ideia inicial era que esta primeira fase fosse feita exclusivamente em Portugal. Agora, devido ao número de vacinados no país, será apenas uma parte. Temos também tido vários países interessados em fazer o estudo.

Portugal é um dos países com mais pessoas vacinadas. Temem que o investimento no desenvolvimento desta vacina possa ser questionado?

Infelizmente, situações como esta da variante Ómicron demonstram que, nem que seja como reforço, a nossa vacina continua a ser útil. Já para não falar na capacidade de exportação para partes do mundo onde as vacinas ainda não chegaram. 

Entretanto, que trabalho tem sido feito pela empresa?

A Immunethep já existia antes da pandemia e continuará a existir. Estamos a trabalhar na primeira vacina para prevenir infeções por cinco bactérias diferentes, como a E Coli, que são conhecidas por superbactérias, porque são resistentes aos antibióticos. Temos também um outro produto para tratar essas próprias infeções e uma parceria com a americana Merck. 

Leia Também: OMS teme redução da eficácia das vacinas face à Ómicron mas só parcial

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