Médico Explica: O que são metástases ósseas e como podem ser 'vencidas'

Diagnósticos de metástases ósseas estão em crescimento exponencial. Vânia Oliveira, médica especialista em ortopedia no Centro Hospitalar Universitário do Porto, reforça a importância da referenciação destes doentes.

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Ana Rita Rebelo
20/09/2022 08:28 ‧ 20/09/2022 por Ana Rita Rebelo

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Médico explica

As metástases ósseas, principal causa de dor associada ao cancro, afetam 60 a 84% dos doentes oncológicos. São lesões ósseas formadas por células tumorais originárias noutros órgãos e afetam drasticamente a qualidade de vida destas pessoas, associando-se a dor intensa e de agravamento progressivo, fraturas e disfunção, podendo mesmo comprometer o sistema neurológico. 

Nestes doentes, é fundamental proporcionar o tratamento otimizado logo desde início, pelo que "a referenciação é essencial", defende Vânia Oliveira, médica especialista em ortopedia no Centro Hospitalar Universitário do Porto, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. O atraso no diagnóstico, reforça, "associa-se a maior progressão tumoral e, consequentemente, pior estado geral do doente, dor incontrolada e fraturas patológicas".

Para o tratamento destes casos, a especialista defende a ablação por radiofrequência, uma cirurgia minimamente invasiva e com "eficácia comprovada em diferentes estudos publicados".

Notícias ao Minuto Vânia Oliveira© Esfera das Ideias

São a principal causa de dor associada ao cancro, afetando entre 60 e 84% destes doentes

O que são metástases ósseas?

Resultam da disseminação de neoplasias localizadas em outras partes do corpo, como o pulmão, a mama, a próstata, o rim, a tiroide, os ovários ou o aparelho digestivo. São, portanto, lesões ósseas formadas por células tumorais originárias em outros órgãos que migram, circulam pelos vasos e colonizam os ossos. O aparecimento de metástases não acontece necessariamente nos ossos, podendo afetar outros órgãos, mas a verdade é que os ossos são a terceira localização mais frequente de metastização hematogénica, que ocorre quando as células cancerígenas se 'desprendem' do tumor primário e entram na corrente sanguínea, circulando pelo organismo até se estabelecerem noutro órgão, como é o caso dos ossos. 

Além disso, representam os tumores ósseos malignos mais frequentes em adultos.

Sim. Associam-se a um mau prognóstico e sem o tratamento adequado podem resultar em fraturas. São a principal causa de dor associada ao cancro, afetando entre 60 e 84% destes doentes. Destes, 80% apresentam metástases vertebrais, mais frequentemente na coluna dorsal, afetando todo o eixo axial (composto pelos 80 ossos que fazem parte da cabeça e do tronco do corpo humano) e, na esmagadora maioria, em mais de um nível. Nos ossos longos, o fémur é a localização mais afetada, seguido do úmero.

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Afetam quantas pessoas no mundo e em Portugal?

A incidência das metástases ósseas varia amplamente, dependendo do tumor primário, do qual dependem sempre para existir. Um estudo retrospetivo com a base de dados dos Estados Unidos revelou que um tumor na próstata é o que apresenta maior risco de desenvolver metástases, seguido de tumores localizados no pulmão, no rim e na mama. No entanto, este estudo tem limitações. Existe ainda uma percentagem não desprezível de metastização logo na altura do diagnóstico. Estão ainda publicados vários estudos que se limitam a analisar a incidência em um tipo específico de tumor primário, com a base de dados dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Holanda, entre outros. Por exemplo, no caso do cancro da mama, detetou-se uma incidência de 15% de metastização. 

Diagnóstico de metástases ósseas tem aumentado exponencialmente 

E, geralmente, atinge que faixa etária? 

Importa perceber que a incidência de metástases aumenta com a idade e quanto maior for o tempo entre o diagnóstico e a sobrevida do doente. Ou seja, atualmente, os doentes com cancro vivem progressivamente mais tempo, mesmo quando a doença está disseminada, devido aos avanços no diagnóstico e tratamentos oncológicos. Consequentemente, o diagnóstico de metástases ósseas tem aumentado exponencialmente e é fundamental que este seja realizado precocemente, durante a evolução sistémica da doença e antes de ocorrerem fraturas.

Uma vez que se trata de um cancro secundário, é mais frequente em que tipos de cancro?

Os cinco tumores primários que mais frequentemente metastizam para o osso são o do pulmão, o da mama, o da próstata, o do rim e o da tiroide.

Quais os fatores de risco?

Como são tumores secundários, e não primários, não têm definidos fatores de risco. Esses são inerentes aos tumores primários específicos. O único fator relativamente ao qual se estabeleceu correlação é o subtipo histológico específico do tumor. No entanto, sabemos que as metástases se associam ao tempo de evolução tumoral até ao diagnóstico, muitas vezes tardio, aos tratamentos prévios e resposta tumoral aos mesmos e à idade. Outros fatores, como alterações genéticas, hábitos tabágicos, comorbilidades relacionadas com imunossupressão também poderão interferir na evolução da doença sistémica. São fatores de prognóstico (fatores que preveem a sobrevida do doente): o estado geral do doente, a idade, a metastização (solitária ou múltipla), o tempo de intervalo a partir da remissão do tumor primário (doente livre de doença) e o tipo histológico do tumor em específico (associado à agressividade e velocidade de crescimento tumoral).

Se a doença progredir sem ser tratada e for grave, poderá originar confusão, podendo o doente ficar em coma

Que sintomas podem surgir?

Dor intensa e de agravamento progressivo, fadiga e perda ponderal, limitação funcional, fraturas patológicas e mesmo défices neurológicos são alguns dos sintomas. Associado ao aumento de cálcio no sangue (hipercalcemia associada à metastização óssea), pode ainda haver alterações digestivas como obstipação, náuseas e vómitos, e mesmo uma quantidade aumentada da excreção urinária que causa desidratação e sede. Se a doença progredir sem ser tratada e for grave, poderá originar confusão, podendo o doente ficar em coma.

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Que impacto acarretam a nível físico e psicológico?

As metástases ósseas acarretam um elevado impacto psico-socioeconómico. Durante a evolução da doença, sem atitudes, os doentes acabam por ficar dependentes de terceiros para realizarem as atividades de vida diária, podendo mesmo ficar alectuados, até à eventual morte.

Há cura?

O tratamento de metástases ósseas é sempre multidisciplinar e individualizado. Está dependente do tratamento do tumor primário e sistémico (tratamentos dirigidos, quimioterapia, hormonoterapia, imunoterapia). Quando são metástases únicas ou em contexto de um certo número limitado de lesões no mesmo membro, a atitude deve ser curativa, com tratamento agressivo. Quando são múltiplas metástases, o tratamento deve ser agressivo para um controlo local efetivo, em paralelo com o tratamento sistémico.

Porque é que é tão importante referenciar estes doentes logo após o diagnóstico?

A referenciação é essencial para permitir adequar o tratamento mais eficaz de uma forma precoce. O atraso no diagnóstico associa-se a maior progressão tumoral e, consequentemente, pior estado geral do doente, dor incontrolada e fraturas patológicas. É essencial que estes doentes sejam orientados precocemente para centros de referência, com equipas multidisciplinares experientes nesta área, que possam proporcionar ao doente o melhor acompanhamento e tratamento disponíveis. Para isso, é crucial o papel dos colegas, especialmente oncologistas e de medicina geral e familiar, que devem estar familiarizados com estes procedimentos e resultados.

E quais as opções de tratamento? 

Sendo uma doença sistémica, o tratamento é sistémico e local. O tratamento sistémico é orientado pela oncologia e engloba quimioterapia, imunoterapia, hormonoterapia, radiofármacos, inibidores do RANK-L e bifosfonatos. Paralelamente, é feito o controlo da dor, frequentemente com recurso a analgésicos opióides e anti-inflamatórios.

O tratamento local engloba radioterapia convencional ou de altas doses fracionadas dirigidas, radio-cirurgia e técnicas cirúrgicas diversas que, consoante o número de lesões, a localização anatómica, o tumor primário e o estado funcional, podem englobar a cirurgia major, de resseção e reconstrução com próteses, ou então, técnicas minimamente invasivas isoladas ou combinadas para controlo local, como a radiofrequência, cimentoplastia, encavilhamentos endomedulares.

Acarretam todos o mesmo risco?

O risco de complicações e o tempo de recuperação depende da agressividade cirúrgica. As técnicas mini-invasivas, quando indicadas, são uma alternativa a tratamentos convencionais, que incluem cirurgias mais agressivas com elevados riscos e longo tempo de recuperação, ou esquemas de paliação da dor muitas vezes ineficazes e com efeitos colaterais nefastos. Nestes doentes em particular, pela sobrevida limitada e pela vulnerabilidade da imunossupressão, qualquer complicação ou recuperação prolongada terá um elevado impacto.

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Existe uma cirurgia minimamente invasiva: a ablação por radiofrequência. Recomenda-a?  

Sim. Esta cirurgia tem eficácia comprovada em diferentes estudos publicados, sendo nestes casos maior quando associada a outros procedimentos como a cimentoplastia ou cifoplastia (na coluna), uma vez que têm efeitos sinérgicos e complementares. A radiofrequência não é recente, sendo que previamente era aplicada no fígado. Mais recentemente, passou a ser aplicada também ao osso. É hoje o 'gold standard' no tratamento curativo dos osteomas osteoides (tumores ósseos benignos) e nas metástases tem vindo a ser aplicado primeiro na coluna, relativamente à qual tem havido também mais estudos publicados, e, mais recentemente, na bacia. E atualmente também nos ossos longos.

Em que consiste exatamente? 

A ablação por radiofrequência destrói as células tumorais (necrose térmica), aliviando a dor e melhorando a qualidade de vida dos doentes. É um procedimento percutâneo, realizado através de um pequeno orifício na pele inferior a cinco milímetros e tem a vantagem de poder ser realizada em regime de ambulatório.

Adicionalmente, pode ser associada eficazmente e de forma complementar a outros procedimentos, como a cifoplastia ou cimentoplastia. A cifoplastia é um procedimento percutâneo e consiste na insuflação de um ou dois balões no corpo vertebral, criando uma cavidade no osso esponjoso do corpo vertebral, o que permite a injeção de cimento ósseo a baixa pressão, melhorando o controlo da dispersão do cimento e o preenchimento na vértebra na área de lesão de forma a minimizar o risco de fuga. Pode inclusive corrigir fraturas de achatamento das plataformas vertebrais.

Há risco envolvido?

Os riscos são muito baixos. Atualmente, com a evolução tecnológica, conseguimos ter sensores térmicos e de refrigeração, o que permite uma maior área de ablação a mimetizar a lesão, mantendo uma elevada segurança, especialmente na coluna quando há destruição da cortical posterior do corpo vertebral. Este procedimento implica anestesia, pelo que acarreta os riscos anestésicos inerentes a cada doente, comuns a qualquer intervenção que recorra a anestesia.

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Qual a taxa de sucesso?

Muito elevada. Os resultados obtidos estão consistentemente entre 90 e 100% de rápido alívio da dor (um a três dias).

E qual o tempo de recuperação?

Como é um procedimento minimamente invasivo, a recuperação é praticamente imediata, pois permite mobilização desde logo.

Acredito que o futuro englobará a nanotecnologia no tratamento sistémico dirigido

Qual o objetivo deste tratamento? Curar, aliviar, prevenir sintomas, aumentar a sobrevida?

O grande objetivo é aliviar a dor e prevenir a progressão tumoral local (associada a maior destruição óssea, fratura, compromisso neurológico, aumento da dor e limitação funcional). Uma vez que induz a necrose térmica das células tumorais e destrói os nervos sensitivos locais, este tratamento interrompe a progressão tumoral, a transmissão da dor, a cascata inflamatória e a destruição óssea local. Com o alívio da dor o doente ganha em função e qualidade de vida. Quando associada a outras técnicas, como a cimentoplastia (cifoplastia, se for realizada na coluna), tem um efeito sinérgico e complementar, auxiliando o tratamento de fraturas iminentes ou já existentes. O controlo tumoral local associado aos tratamentos sistémicos com resposta poderá prolongar a sobrevida.

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Entretanto, que comportamentos deve adotar o doente?

Hábitos de vida saudável com boa alimentação e exercício físico regular para manter um bom reforço muscular. Evicção tabágica. Não desvalorizar sintomas para permitir um rápido diagnóstico e ser orientado por equipas multidisciplinares competentes na área.

Que esforços têm sido feitos pelos cientistas/médicos?

Nesta área em concreto, existem várias limitações para prosseguir diferentes estudos: a elevada heterogeneidade, a necessidade de serem estudos multicêntricos randomizados com maior número de doentes e até mesmo por questões éticas. Além disto, em laboratório, é difícil e complexo obter amostras de tecido tumoral. Acredito que o futuro englobará a nanotecnologia no tratamento sistémico dirigido.

E em Portugal? O que tem sido feito pelo Centro Hospitalar Universitário do Porto?

Nas metástases ósseas múltiplas na coluna vertebral, se for indicado, proporcionamos a ablação por radiofrequência associada a cifoplastia. Nos ossos longos, conforme a seleção, combinamos a radiofrequência com a cimentoplastia e o encavilhamento endomedular do osso (vareta de fibra de carbono com PEEK ou em titânio), um procedimento minimamente invasivo. No caso da coluna vertebral, existem já diversos estudos a comprovar a eficácia desta associação. Nos ossos longos, temos vindo também a inovar através do uso desta combinação. Idealmente, tratamos fraturas profilaticamente e não após ocorrerem, pois a recuperação e o prognóstico são superiores.

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[Notícia atualizada às 10h23 de 21.09]

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