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O surf é uma 'peça chave' na saúde mental? Falámos com uma psicóloga

O Lifestyle ao Minuto falou com a psicóloga Ema Shaw, cofundadora da associação Wave by Wave, para perceber melhor a questão e como pode o desporto ser uma forma de travar problemas mais graves.

O surf é uma 'peça chave' na saúde mental? Falámos com uma psicóloga
Notícias ao Minuto

09:00 - 11/08/23 por Adriano Guerreiro

Lifestyle Entrevista

Nunca a saúde mental foi tão falada como nos últimos anos. O isolamento causado pela pandemia trouxe o tema para 'cima da mesa'. A verdade é que é algo transversal a várias gerações.

Encontrar formas de trabalhá-la e terapias que possam contribuir para este bem estar psicológico está na ordem do dia. A Wave by Wave é uma associação que promove atividades de intervenção, prevenção, formação e investigação nas áreas do desenvolvimento e saúde mental baseados em terapia com surf.

“Trabalhando o foco no mar, nas ondas, no nosso corpo e posicionamento, obrigando-nos a 'largar' muitas das cargas que trazemos de terra para nos focarmos no que está a acontecer e no que queremos alcançar”, explica Ema Shaw, cofundadora e psicóloga na associação, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.

Notícias ao Minuto A psicóloga Ema Shaw é cofundadora da associação Wave by Wave© André Leiria  

Este verão, a associação realizou uma 'talk', a 'Buondi Surf é Terapia', que contou com vários convidados para debate o papel do surf na saúde mental. "O surf pode também ajudar muito na gestão da frustração e a regulação das nossas emoções, quando gerimos o medo", continua.

Praticar uma atividade desportiva, além de todos os benefícios que pode trazer para a saúde física e mental, é ainda benéfico para a esfera socialÉ importante continuar a falar sobre saúde mental, não deixar o tema cair no esquecimento?

Após a pandemia, falar de saúde mental tornou-se, felizmente, mais comum e aceite. Deixou de ser visto como um sinal de fraqueza assumirmos as nossas vulnerabilidades, até porque como humanidade atravessámos juntos um desafio difícil de imaginar. Porém nós, humanos, temos muitas vezes a tendência de seguir em frente quando as coisas menos positivas passam, sem tirar algum tempo para refletir sobre o impacto que podem ter tido em nós e em quem nos rodeia. E a pandemia sem dúvida teve um grande impacto, em toda a humanidade, de formas que vão marcar gerações, porque nos obrigou a reescrever uma série de regras de convivência social, nos isolou, e nos pôs muito mais em contacto connosco próprios e com aqueles com quem dividíamos casa e vida. É por isso extremamente importante continuar a criar espaços públicos de reflexão e conversa. É cultivando essa partilha que, muitas vezes, quem estiver a debater-se com algum problema, nomeadamente stress ou ansiedade, se pode sentir menos sozinho e perceber que, como seres humanos, todos podemos passar por fases mais desafiantes e precisar de apoio. 

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Qual a importância do desporto na saúde mental? 

Falar de saúde não é apenas falar de ausência de doenças. Estar de 'boa saúde' implica o bem-estar físico, psíquico e social, e todas estas áreas estão interligadas. A prática regular de desporto tem um efeito muito benéfico na nossa saúde mental, quer como intervenção mas também como prevenção. O desporto ajuda a diminuir o stress, contribui para a prevenção de estados depressivos e ansiedade, ajuda a regular o controlo da agressividade e melhora a auto estima, a memória, a capacidade de concentração e até as capacidades cognitivas. Praticar uma atividade desportiva, além de todos os benefícios que pode trazer para a saúde física e mental, é ainda benéfico para a esfera social, dado que, na maior parte das vezes, o desporto está associado ao contacto com outras pessoas, independentemente da prática ser mais ou menos individual.

Em que medida o surf pode ser especial? 

Na Wave by Wave encaramos o surf como muito mais que 'apenas' um desporto, é uma prática física, mas ao mesmo tempo quase espiritual de comunhão com a natureza, e que nos põe também em contacto muito próximo com as pessoas que nos ensinam ou com quem praticamos, tendo esse potencial de criar vínculos muito fortes. Vestimos o fato quase como uma segunda pele que nos retira do nosso perfil habitual, caminhamos na areia que promove o ‘grounding’ [contacto com o campo gravitacional da terra], comprovadamente benéfico para a nossa saúde. Como prática desportiva, o surf alia uma série de benefícios extraordinários, a nível físico e mental. Do ponto de vista físico, é um exercício aeróbico que requer força, coordenação e resistência, trabalhando um alto nível de consciência corporal e equilíbrio em movimento implicando por isso uma prática muito completa. A nível mental 'obriga' quase a uma prática imediata de técnicas de ‘mindfulness’, de estarmos no 'aqui e agora', trabalhando o foco no mar, nas ondas, no nosso corpo e posicionamento, obrigando-nos a 'largar' muitas das cargas que trazemos de terra para nos focarmos no que está a acontecer e no que queremos alcançar.

A parte da coordenação necessária também é um ponto a favor?

Este exercício leva a que, muitas vezes, regressemos a terra renovados, com uma nova perspetiva sobre as nossas coisas ou os nossos problemas, o que é particularmente útil num mundo que nos estimula constantemente e estarmos presentes e disponíveis numa diversidade de contextos todos ao mesmo tempo. O surf pode também ajudar muito na gestão da frustração e a regulação das nossas emoções, quando gerimos o medo, por exemplo. O surf é especial porque quando conseguimos finalmente apanhar a onda, a sensação é indescritível e conduz a uma experiência que alguns descrevem como estar no 'flow', ou seja, estar inteiramente presente no momento com uma descarga de felicidade brutal, em equilíbrio quase perfeito connosco e com os elementos. 

Uma das nossas máximas é: nunca entres no mar sozinhoNeste caso, o contacto com a água e a natureza são importantes? 

A vida começa na água, o planeta e nós temos a água na base da nossa composição. Para os seres humanos, o meio aquático é calmante e tem o potencial de relaxar e descontrair. Ao entrarmos na água fria o choque térmico ativa o sistema imunitário, e o contacto com o mar ativa a produção de várias hormonas benéficas, algumas responsáveis por sensações de prazer e bem-estar, outras que funcionam como analgésicos naturais do corpo e até como estabilizadores naturais do humor. Depois, há algo mágico em estar em contacto direto com a natureza, imersos nela, neste caso o mar. Por mais tecnologia que se desenvolva, são sensações e momentos incomparáveis e que apenas a natureza nos pode dar. Para além disso, restaurar a ligação das pessoas com a natureza, e em particular as novas gerações, é fundamental para o nosso equilíbrio.

Apesar de ser um desporto algo individual, existe uma cooperação que pode ser essencial para a saúde mental? 

O surf, à semelhança de outros desportos, tem este aspeto paradoxal que é ser praticado sozinho. Ninguém pode apanhar uma onda por nós. Ainda assim, é geralmente praticado em grupo, com a nossa 'tribo do surf'. Aliás, uma das nossas máximas é: nunca entres no mar sozinho. Mas quando se começa, para aprender e para evoluir é necessário o apoio e a ajuda de alguém mais experiente, o instrutor. E é aqui que reside, na nossa experiência, uma valiosa oportunidade. No nosso trabalho terapêutico com crianças e jovens de contextos muito vulneráveis, com uma grande fragilidade ao nível dos vínculos, este oferecer de ajuda do instrutor aos jovens participantes promove a criação de uma 'dependência saudável', pois para evoluir o jovem vai precisar de ouvir, de confiar e de relacionar-se. 

Acha que existe falta de investimento em Portugal na saúde mental? 

Ao nível das opções públicas, infelizmente, ainda falta um investimento sério em planos concertados e suficientes em saúde mental, cujos serviços ficaram particularmente expostos nos períodos durante e após os confinamentos. Nos últimos anos, observa-se um maior número de profissionais de psicologia e afins em serviços públicos porém são ainda manifestamente insuficientes. O que sabemos é que em saúde mental não existem 'pensos rápidos' e se é verdade que as intervenções em crise são evidentemente fundamentais e diferenciadoras, será uma intervenção com alguma consistência, continuidade e portanto com necessidade de algum tempo e recursos que pode ser diferenciadora. 

O que deve ser feito a curto prazo?

Primeiramente, tornar as intervenções em saúde mental mais acessíveis para todos. Depois, não estar sempre a começar de novo: é importante identificar os projetos com resultados comprovados, de base local e comunitária, que mantêm uma relação de proximidade com os seus utentes e que promovem boas práticas, e acarinhá-los, porque a relação é a base de qualquer intervenção em saúde mental. Deveriam também ser desenvolvidos de forma mais consistente programas de proteção às equipas onde comprovadamente os índices de stress e 'burnout' são elevados, como médicos, professores, forças de segurança, na área do risco ou do trauma, pois ao cuidar de quem cuida potencializa-se a força de quem existe para cuidar.

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