Saquetas de nicotina são tendência nos EUA. Quais são os perigos?

Falámos com Sofia Ravara, médica pneumologista da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e professora na Universidade da Beira Interior, sobre os potenciais riscos das saquetas de nicotina, um produto antigo, mas cada vez mais popular nos Estados Unidos.

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Margarida Ribeiro
24/05/2024 08:50 ‧ 24/05/2024 por Margarida Ribeiro

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Saúde

Hoje em dia existem múltiplos produtos apresentados como alternativas menos prejudiciais do que os cigarros tradicionais. É o caso do tabaco aquecido, dos 'vapes' com sabores e das saquetas de nicotina, estas últimas, apesar de já existirem há quase uma década, são cada vez mais populares nos Estados Unidos da América (EUA). 

Por exemplo, a marca líder do mercado, a Zyn, registou vendas de 350 milhões de latas, com cerca de 15 saquetas cada, em 2023, um aumento de 62% em relação ao ano anterior, anunciou a Philip Morrris Internacional, o grupo responsável pela marca e muitos outros produtos de tabaco, em fevereiro, segundo a CNN internacional

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Trata-se de um produto apenas disponibilizado a maiores de 21 anos, mas tem chegado a pessoas de todas as idades, especialmente da geração Z. Por exemplo, nos EUA, começou a tornar-se muito popular entre os estudantes universitários, algo que acontece em Miami, lê-se no The Miami Student.

Além de tudo isto, nas redes sociais, especialmente no TikTok e no Instagram, existe um novo tipo de influenciador não oficial destes produtos de nicotina. Foram batizados como 'Zynfluencers' e a hashtag inclui centenas de vídeos.

Geralmente, estas saquetas contêm diferentes quantidades de nicotina, entre os três e os seis miligramas (mg), mas algumas das marcas podem conter mais de 28 miligramas. Já um cigarro contém, em média, entre oito mg e 20 mg de nicotina, dos quais apenas uma a dois mg são efetivamente absorvidos. 

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Estas saquetas de nicotina são um produto disponível apenas nos Estados Unidos e na Suécia, pelo menos para já. Ainda assim, o Lifesyle ao Minuto falou com Sofia Ravara, médica pneumologista da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e professora na Universidade da Beira Interior, na Covilhã, sobre a popularidade e potenciais riscos que as saquetas de nicotina representam para a saúde. 

Como funcionam estas saquetas de nicotina?

Saquetas, bolsas ou pérolas de nicotina são produtos de nicotina usados por via oral que não contêm tabaco. São semelhantes às bolsas de tabaco (designadas por snus), uma vez que são feitas para serem colocadas entre o lábio e a gengiva. No entanto, as bolsas de nicotina não contêm folhas de tabaco frescas, mas sim uma forma de nicotina desidratada que não necessita de ser mantida fria.

As bolsas contêm também, geralmente, celulose ou fibras vegetais, aromatizantes e edulcorantes. A nicotina é absorvida pela corrente sanguínea através dos vasos sanguíneos abundantes da mucosa oral, além de parte poder ser engolida e absorvida no intestino. 

Não são produtos novos: bolsas orais semelhantes contendo tabaco estão disponíveis na Suécia, e nos Estados Unidos há muitos anos, mas estão proibidas na União Europeia (UE). 

Uso de nicotina oral poderá causar doença cardiovascular, diabetes, prejudicar a saúde oral e o desenvolvimento normal do feto,  além de ter um impacto muito negativo no desenvolvimento cerebral

Porque é que são colocadas na boca e, mais especificamente, nas gengivas? 

São feitas para serem colocadas e mantidas durante minutos a horas entre o lábio e a gengiva, sem serem mastigadas, com o fim de libertarem nicotina de uma forma rápida e contínua, através dos vasos sanguíneos abundantes da mucosa oral.

Notícias ao Minuto É médica pneumologista da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia© Sofia Ravra

Que tipo de perigos para a saúde podem representar? 

Existe evidência sugestiva indireta, através de estudos realizados sobre os efeitos da nicotina e do tabaco oral na saúde humana, que o uso de nicotina oral poderá causar doença cardiovascular, diabetes, prejudicar a saúde oral e o desenvolvimento normal do feto, além de ter um impacto muito negativo no desenvolvimento cerebral, sobretudo no feto, em crianças e adolescentes, causando alterações cognitivas, dificuldades de concentração e na aprendizagem e rendimento escolar, ansiedade e alterações do comportamento. 

Contêm quantidades elevadas de nicotina? É seguro?

Sim, contêm quantidades elevadas de nicotina. As saquetas são produtos de nicotina usados por via oral. A absorção de nicotina na mucosa oral é rápida e muito facilitada pela abundância de vasos sanguíneos na boca, e pela adição de sabores, edulcorantes e outros aditivos, frequentemente incorporados nas saquetas de nicotina.

Por outro lado, parte da nicotina é deglutida (engolida) e absorvida no intestino, reforçando a concentração no sangue e no cérebro de uma forma contínua, ao longo do dia. O desenvolvimento de novas formas de nicotina (sintética, sais de nicotina, nicotina de base livre) também aumentou muito a capacidade de gerar dependência dos novos produtos de nicotina.  

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Deste modo, as saquetas de nicotina causam muito facilmente dependência, sobretudo nas crianças, adolescentes e jovens, levando ao consumo repetido e regular, além de abrirem um caminho para estas populações vulneráveis experimentarem outros produtos de tabaco e nicotina, e substâncias psicoativas, como cannabis, etc.

Como a nicotina absorvida por via oral é muito aditiva, potencia o consumo regular durante anos ou décadas: este consumo a médio/longo prazo poderá ter efeitos prejudiciais para a saúde, causando doença, incapacidade e mortalidade prematura. Em resumo, não é seguro usar saquetas de nicotina. 

Quais são as consequências da dependência de nicotina? 

Dependência leva a um consumo repetido e regular ao longo de anos ou décadas, sendo difícil para os utilizadores de nicotina cessar o seu uso. O consumo a médio/longo prazo poderá ter efeitos prejudiciais para a saúde, causando doença, incapacidade e mortalidade prematura. Por outro lado, a experimentação e uso das saquetas abre um caminho para as crianças, adolescentes e jovens experimentarem outros produtos de tabaco e nicotina, e substâncias psicoactivas, como cannabis, etc.

A única alternativa saudável ao consumo de tabaco e nicotina é não consumir nenhum produto de tabaco ou nicotina

É possível que sejam uma alternativa mais saudável ao tabaco tradicional e aos novos produtos com nicotina que têm aparecido no mercado?

Não há consumo seguro de tabaco ou nicotina. A única alternativa saudável ao consumo de tabaco e nicotina é não consumir nenhum produto de tabaco ou nicotina.

Todos os produtos, incluindo os mais recentes, como cigarros electrónicos, sisha ou cachimbo de água, tabaco aquecido, e saquetas de nicotina causam dependência, levando ao consumo regular durante anos ou décadas, e consequentemente podendo causar doenças, incapacidade e/ou mortalidade prematura. 

Se usa produtos de tabaco ou nicotina procure ajuda médica para cessar: existe tratamento seguro e eficaz, facilitando muito a desabituação da nicotina. Se nunca experimentou ou usou regularmente, o melhor é não começar: não experimente ou não volte a usá-los. 

Notícias ao Minuto Normalmente as saquetas são vendidas em latas© Shutterstock  

Que tipo de regras deviam existir para a utilização de um produto deste género? 

Estes produtos são comercializados através de um marketing muito agressivo e não regulado nas redes sociais, dirigido sobretudo para populações vulneráveis, como crianças, adolescentes e jovens. Os dados epidemiológicos de países, como a Suécia onde já foram lançados estes produtos, mostram um grande potencial de recrutamento de não fumadores, e deste modo poderão aumentar o consumo e a adição de nicotina na população. Por outro lado, podem causar doença e mortalidade prematura. 

Tudo isto é prevenível pela regulamentação destes produtos. Neste contexto, a melhor regulação é travar a sua comercialização e venda, como já foi feito pela Bélgica, depois de consultada a Comissão Europeia (CE) que autorizou e encorajou este país a seguir avante. Outros países da União Europeia (EU) como a Holanda estão a preparar legislação para banir estes produtos.  

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), banir estes produtos é a regulação mais fácil de ser aplicada e exequível e também a mais eficaz para travar o seu consumo na população, protegendo a saúde da população como é dever dos governos, decisores políticos e autoridades de saúde.

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Nos países que não baniram estes produtos, a OMS urge os Governos para aplicarem urgentemente regulação o mais abrangente possível com uma série de medidas. Assim, deverá ser legislado e aplicada a proibição efectiva da publicidade e promoção destes produtos, assim como actividades de responsabilidade social e patrocínio de eventos pelas indústrias que os comercializam; regulamentado a concentração de nicotina; proibido o uso de edulcorantes, aditivos e sabores que são especialmente apelativos para crianças e jovens e facilitam a absorção de nicotina; proibida a venda a menores de idade e monitorizado o consumo na população por idade, sexo e factores socioeconómicos; a população deve ser envolvida nestas medidas e em campanhas de educação para a saúde, inclusive revelando as tácticas de marketing enganoso da indústria dirigidas sobretudo a populações vulneráveis, como crianças, adolescentes, jovens, e grupos desfavorecidos socialmente. 

Há possibilidade de chegarem ao mercado português? 

Embora exista uma proibição ao nível da UE para o snus de tabaco, as bolsas de nicotina não são abrangidas pela atual regulamentação dos produtos do tabaco. No entanto, a proibição de nicotina oral poderá ser considerada na próxima revisão da Diretiva dos Produtos do Tabaco; e cada país pode pedir à CE para permitir que estes produtos sejam proibidos ao nível nacional, como a Bélgica fez recentemente.  

Assim, a fim de cumprir com o dever de proteger a saúde das populações consagrado na Constituição portuguesa e na carta dos direitos fundamentais da UE, e na Convenção-Quadro de Controlo de Tabaco que Portugal ratificou, Portugal deverá banir estes produtos que são uma ameaça para a saúde e desenvolvimento das crianças, adolescentes e jovens. 

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