JO e saúde mental? "Precisamos de mais Simones no desporto"

O regresso de Simone Biles aos Jogos Olímpicos relançou a discussão sobre a saúde mental dos atletas em competição. O Lifestyle ao Minuto falou com dois mental coaches e uma psicóloga sobre a pressão a que muitos estão sujeitos.

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© Tom Weller/VOIGT/GettyImages

Ana Rita Rebelo
09/08/2024 09:03 ‧ 09/08/2024 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Saúde mental

A edição de 2024 dos Jogos Olímpicos ainda nem tinha arrancado, mas havia já uma enorme expetativa sobre a sua prestação. Três anos depois de ter desistido de participar na final olímpica em Tóquio, o fenómeno Simone Biles regressou ao desporto de elite. Detentora de inúmeros recordes, a ginasta norte-americana, de 27 anos, chegou a Paris decidida a lutar por bem mais do que medalhas. 

 

O impacto de Biles, que se tornou numa das maiores ativistas na defesa da saúde mental dos atletas, vai para além dos seus títulos desportivos. Contactado pelo Lifestyle ao Minuto, o antigo jogador do Sporting João Martins, agora mental coach, considera que a atleta "deu um exemplo de humanidade ao mostrar publicamente aquilo que se encobre nos bastidores". "Com o alcance mundial que tem, abriu espaço para que tantos outros procurem ajuda. Precisamos de mais Simones no desporto", declara.

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O também ex-futebolista e mental coach Fábio Vieira corrobora: "Vai ser lembrada pelas medalhas de ouro que ganhou, mas, acima de tudo, pelo seu exemplo enquanto ser humano e atleta". Enaltece também a decisão de Simone Biles de abandonar a competição em 2021. "Enviou uma mensagem clara sobre a importância da saúde mental, desafiando a narrativa tradicional de que os atletas devem competir a qualquer 'custo'. Trouxe visibilidade ao tema e encorajou outros atletas a serem abertos sobre as suas 'lutas' e a procurar ajuda quando necessário."

Notícias ao Minuto João Martins, mental coach; Fábio Vieira, mental coach; e Melanie Tavares, psicóloga clínica© João Martins/Fábio Vieira/Melanie Tavares

Por cá, em Portugal, o caso mais mediático é o de Célio Dias. Após a derrota nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, o judoca admitiu ter entrado em depressão, tendo-lhe sido diagnosticada esquizofrenia

"Os Jogos Olímpicos representam o auge da carreira de muitos atletas, mas também trazem uma pressão enorme. A expetativa para se ter uma boa performance num palco mundial e com muita visibilidade, a responsabilidade de representar o próprio país e a intensa preparação física geram um nível de stress considerável." Ainda assim, entende Fábio Vieira, "o desporto de alto-rendimento e o bem-estar podem e devem coexistir. É essencial que os atletas cuidem da sua saúde mental com a mesma diligência com que cuidam da física".

O 'treino' psicológico

Fábio Vieira reforça, ainda, que "a robustez psicológica é tão importante quanto a capacidade física", pelo que "a preparação mental é crucial". "Treinar a mente para se ser resiliente, gerir a reação às emoções e manter a confiança pode muitas vezes ser a diferença entre a vitória e a derrota."

Apontando o dedo à cultura desportiva, lamenta que, historicamente, se tenha minimizado a importância da saúde mental. "O foco é quase exclusivamente no desempenho físico e no resultado. Havia e ainda há a ideia de que o que importa é o resultado, independentemente de como é obtido ou, ainda mais grave, das consequências na vida do atleta", sustenta o mental coach.

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Refere também que, apesar dos "avanços significativos" nas últimas décadas, "persistem estigmas profundos que obscurecem a compreensão e o apoio às questões emocionais e psicológicas". "Ainda há um longo caminho a percorrer para que a saúde mental seja plenamente integrada na nossa cultura de forma inclusiva e sem preconceitos."

João Martins, por seu turno, acrescenta que "somos peritos em agir somente quando acontece algo de mal". Lamenta, por outro lado, que quem mostre vulnerabilidade seja "considerado fraco e pouco útil para a profissão". "É assim que começam alguns problemas da ordem psicológica", avisa, admitindo que, "globalmente, são poucos os atletas que têm acompanhamento especializado às suas necessidades".

Estes atletas "sabem que estão a ser vistos em todo o mundo e carregam a ambição de obterem os melhores resultados na sua modalidade e em fazer história. Quando as expectativas não acompanham os resultados, isso acaba por gerar frustração, o que pode levar a quadros de ansiedade e depressão", reitera.

O mental coach defende que "é fundamental direcionarmos a nossa energia para aquilo que conseguimos controlar, que são as nossas reações. Dominar a mente é a base da saúde mental". "Reprimir não é solução."

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A mesma opinião é partilhada pela psicóloga clínica Melanie Tavares que, em declarações ao Lifestyle ao Minuto, afirma que, enquanto sociedade, temos ainda muito que evoluir no que diz respeito à saúde mental. "E o desporto pode ajudar nesta mudança", crê. "É urgente dignificar o papel dos profissionais e acabar com o estigma social, que é o maior responsável pela doença 'escondida', que em muitos casos só se identifica em situações  de rutura. Ter a mente forte e estruturada ajuda a melhorar o desempenho."

Como lidar com o insucesso

"Não é fácil lidar com o fracasso em nenhuma situação. No caso dos Jogos Olímpicos existe, além da pressão social, um trabalho árduo de meses ou até anos que pode não trazer os frutos para os quais se trabalhou. E não é fácil lidar com o insucesso depois de, em muitos casos e em certas modalidades, haver um investimento que implica abdicar de muitas coisas, nomeadamente a nível pessoal. É um trabalho de anos que se perde, por vezes, em minutos", lembra a psicóloga. Daí que defenda o "investimento ao nível da inteligência emocional". "Prepara-nos para os fracassos que vivemos ao longo da vida."

Para um atleta de alta competição, continua, "é fundamental fornecerem-se ferramentas para se lidar com a frustração". Da mesma forma, "é Imprescindível que se consiga fazer uma destrinça entre a pessoa e o atleta, que não perde o seu valor por um mau resultado". "O bem-estar é a alavanca para um melhor desempenho desportivo", remata.

Acompanhe os Jogos Olímpicos aqui

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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal

SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) -  213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660 

Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159

SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545

Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707 

Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535

Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.

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