'Não gosto da escola' é uma das frases que os pais mais temem ouvir e, quando os filhos têm um aproveitamento escolar abaixo do esperado, é frequente dar por eles a aplicarem castigos, esperando que tudo se resolva.
José Carlos Moura, psicólogo da infância e adolescência, do Trofa Saúde São João da Madeira e Trofa Saúde Gaia, acredita que é preferível "reforçar que todos os comportamentos terão consequências".
"Experimente inverter a perspetiva, incutindo um reforço positivo em detrimento do castigo, e corrija o comportamento, ensinando outros modelos mais ajustados e facilitadores que promovam um padrão comportamental normativo", recomenda o especialista, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.
José Carlos Moura, psicólogo da infância e adolescência© Trofa Saúde
O psicólogo refere também que o insucesso nem sempre depende apenas do esforço do aluno. "Há pais que desvalorizam o facto do insucesso escolar ou o baixo aproveitamento académico poder estar camuflar um conjunto de questões psicoafetivas ou comportamentais como a ansiedade, as dificuldades de concentração e de aprendizagem ou até mesmo conflitos familiares e dificuldades de socialização."
No seu entender, é razoável punir os filhos por estes terem más notas?
Não. Deve priorizar-se o ensinamento ao invés da correção. A punição emerge quando os 'primeiros socorros' não surgem o efeito desejado. Quase que se banaliza o castigo como algo mais direto para se ter um efeito imediato quando, na realidade, não acontece nada disso.
São muitos os motivos que fazem do castigo uma estratégia pouco eficaz. Ainda que, por vezes, possam cumprir com o seu objetivo, implicam sempre consequências negativas
Portanto, os castigos não são assim tão eficazes?
Responsabilizar parece-me ser a palavra mais adequada nestes casos. É verdade que os filhos não nascem com manual de instruções, mas é possível aprender a lidar melhor com eles. É muito frequente que os pais, dececionados com as más notas dos filhos, centrem toda a sua atenção nos comportamentos negativos. Isto também acontece na escola. Alguns professores, desesperados pela falta de colaboração de alguns alunos, começam a centrar a sua atenção no negativo. No entanto, o estilo autoritário parece enfatizar que o importante é prestar atenção e reparar em tudo o que o seu filho faz de negativo, para que não volte a fazê-lo, mas, em muitos casos, a única coisa que se consegue é alimentar maus comportamentos.
A melhor estratégia para promover uma atitude positiva na criança é reparar nos seus bons comportamentos e a melhor forma de corrigir o negativo é procurar alternativas ao castigo. São muitos os motivos que fazem do castigo uma estratégia pouco eficaz. Ainda que, por vezes, possam cumprir com o seu objetivo, implicam sempre consequências negativas.
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Sendo assim, o que podem os pais fazer?
Em alternativa, podem reforçar que todos os comportamentos terão consequências. Experimente inverter a perspetiva, incutindo um reforço positivo em detrimento do castigo, e corrija o comportamento, ensinando outros modelos mais ajustados e facilitadores que promovam um padrão comportamental normativo. Por outro lado, os pais devem ainda demonstrar empatia pelo fracasso, assumindo que faz parte do crescimento e das vivências, mas que não define nenhum padrão efetivo de insucesso.
Que erros costumam os pais cometer nesta situação?
São, sobretudo, ao nível da gestão das expetativas e no estilo de autoridade, onde se enfatiza a desmotivação e também as promessas ou punições desmedidas como refúgio da negligência protelada na dedicação parental. De sublinhar que punições rigorosas ou humilhações podem afetar a autoestima da criança, criando sentimentos de fragilidade emocional ou até mesmo desencadear uma relação de medo e não de aprendizagem. O mais benéfico será estabelecer uma relação mais fundada num vínculo psicoafetivo e de compreensão para que a criança entenda as suas dificuldades de uma maneira construtiva.
Se, em algumas situações, o aproveitamento escolar depende do esforço do aluno, há também casos em que o insucesso pode dever-se a fatores para lá da escola.
Sim e há pais que desvalorizam o facto do insucesso escolar ou o baixo aproveitamento académico poder estar camuflar um conjunto de questões psicoafetivas ou comportamentais como a ansiedade, as dificuldades de concentração e de aprendizagem ou até mesmo conflitos familiares e dificuldades de socialização.
Nesses casos, quais os riscos?
A punição não só não resolve esses problemas, como reforça sentimentos de culpa e de frustração. A ideia de punir ou castigar sem procurar entender o que pode refletir as notas baixas pode ser vista como uma falha grave de comunicação e gerar mais conflitos internos, prejudicando a relação afetiva entre pais e filhos, sem resolver as causas reais das dificuldades escolares.
Como podem os pais ajudar os filhos?
Para ajudarem os filhos a terem melhores notas e um aproveitamento escolar positivo, os pais podem adotar padrões e estilos de autoridade e de referência mais equilibrados e centrados na construção de uma relação psicoafetiva de suporte e segurança, compreensiva e motivadora, de responsabilidade e de implicação na autonomia. Deve existir um interesse natural e espontâneo pelo sucesso académico e pelo desenvolvimento do filho, fomentando um contexto familiar facilitador da aprendizagem e do desenvolvimento intelectual. Aqui, o impacto é mais direcionado para os hábitos e para o empenho do que para os resultados. Até porque a pressão excessiva sobre as notas pode gerar ansiedade e um conjunto de medos, perturbando o desempenho académico. É importante desenvolver uma relação de segurança emocional onde a criança possa sentir liberdade na exteriorização das suas dificuldades, sem medo das críticas, da rejeição ou da punição.
De que forma podem ser promovidos hábitos de estudo?
Um ambiente de estudo calmo, sem distrações e pressões excessivas, com disponibilidade e interajuda, torna-se extremamente benéfico. É importante ensinar as crianças a dividirem as suas tarefas, a fazerem pausas e a estabelecer horários para estudar.
Os pais devem ter expectativas realistas sobre os objetivos dos filhos com base nas suas capacidades e no nível de desenvolvimento em que se encontram, evitando comparações com os outros ou exigindo a perfeição
Falava também da valorização do esforço e não apenas dos resultados.
Sim. Se a criança for constantemente punida ou elogiada apenas pelas notas que tem, pode desenvolver uma visão distorcida de si mesma. É fundamental elogiar o esforço e o erro. A confiança no próprio potencial é crucial. Deve-se também promover a desinibição, evitar a superproteção e permitir que a criança tome decisões e acarrete responsabilidades. Isso potencia o desenvolvimento da confiança. É ainda muito importante os pais estarem presentes nas reuniões, ajudarem na organização das tarefas, manterem um diálogo de proximidade sobre as rotinas diárias, companhias, dificuldades e interesses, e manterem as expetativas realistas.
Isso quer dizer o quê?
Os pais devem ter expectativas realistas sobre os objetivos dos filhos com base nas suas capacidades e no nível de desenvolvimento em que se encontram, evitando comparações com os outros ou exigindo a perfeição. O ideal é celebrarem as pequenas conquistas.
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Vale a pena obrigá-los a estudar durante as férias?
Férias são, por definição, tempo de descanso. Estudar nas férias é uma preocupação dos pais que aparece frequentemente na prática clínica, mas deve ser analisada de forma criteriosa, tendo em conta vários fatores, tais como a estabilidade emocional da criança, as dificuldades de aprendizagem, a fraca consolidação das matérias dadas no ano escolar e o número de atividades definidas para o período de férias. Defendo recursos e hábitos que ajudem a aprender, sem quase se dar por isso. De férias e após um período intenso de estudo, o descanso é fundamental para o bem-estar emocional e cognitivo da criança ou adolescente. Durante as férias, os alunos precisam de tempo para descontrair, praticar atividades que gostem, socializar e até para explorar novos interesses fora do ambiente académico. Embora não devam ser um período de estudo intensivo, uma revisão do que foi aprendido pode ser uma mais-valia, especialmente em períodos mais longos, como as férias de verão. No entanto, essa revisão deve ser leve e prazerosa, sem pressão.
Como é que os pais podem promover esses momentos de estudos?
Pode ser feito através de jogos educativos, leituras informais ou até mesmo atividades que estimulem a curiosidade e o raciocínio de forma descontraída. Os pais podem sugerir um cronograma de estudo reduzido e com intervalos regulares, de modo a evitar a frustração e o desinteresse, e focá-lo nas áreas que realmente necessitam de atenção. O equilíbrio é a chave.
Os alunos precisam de tempo para descansar?
Sim. O equilíbrio é a chave. O importante é que o estudo nas férias não se torne uma obrigação que acarrete desmotivação.
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