'Nem contigo, nem sem ti.' Estou numa relação tóxica, e agora?

Como fechar o ciclo de toxicidade? Onde procurar ajuda? A psicóloga Carolina de Freitas Nunes, diretora clínica da CogniLAB, esclarece estas e outras questões em entrevista ao Lifestyle ao Minuto.

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Ana Rita Rebelo
07/03/2025 08:24 ‧ há 2 dias por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

Além de agressões físicas, ofensas e ameaças, também a manipulação pode constituir uma situação de alerta e apontar para um relacionamento tóxico mascarado de muitas facetas. Contudo, o facto de existir "um ciclo do abuso com momentos de carinho intercalados com violência" faz com que muitas vítimas acabem por conformar-se com uma relação a 'prestações' e prefiram estar mal acompanhadas do que sós, como explica a psicóloga Carolina de Freitas Nunes.

 

"A solidão é um dos principais motivos que fazem alguém voltar para um parceiro tóxico", afirma em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a propósito do Dia de Luto Nacional pelas Vítimas de Violência Doméstica, que se assinala esta sexta-feira, 7 de março. Rejeitando a ideia de que todas as relações tóxicas resvalam para agressões físicas, a admite ainda que, "em muitos casos, o abuso emocional serve como um prelúdio para formas mais graves de violência". "A deterioração progressiva do respeito e da segurança emocional aumenta significativamente esse risco", alerta.

Os conflitos são naturais, mas devem ser resolvidos com empatia e cooperação, sem recorrer a manipulação ou agressividade

Antes de mais, o que é, no seu entender, uma relação saudável?

Uma relação saudável deve ser baseada em respeito mútuo, comunicação aberta, confiança e equilíbrio emocional. Ambos devem sentir-se livres para expressar os seus sentimentos e opiniões sem medo de julgamento ou retaliação. O apoio mútuo e a valorização individual são fundamentais, permitindo que cada um cresça sem controlo ou dependência excessiva. Os limites saudáveis são respeitados e os conflitos resolvidos com diálogo e empatia, sem manipulação ou violência. O bem-estar emocional deve ser prioridade, promovendo uma conexão segura, harmoniosa e genuína. Uma relação saudável deve proporcionar segurança emocional, onde ambos se sintam valorizados e aceites. É essencial haver independência afetiva, permitindo que cada um tenha sua individualidade sem medo de perda ou rejeição.

Como é que se constrói esse vínculo?

Com confiança genuína, sem jogos emocionais ou necessidade de controlo. Os conflitos são naturais, mas devem ser resolvidos com empatia e cooperação, sem recorrer a manipulação ou agressividade. Outro fator importante é a reciprocidade. Ambos devem sentir-se amados e cuidados, sem que um lado se sobreponha ao outro. Uma relação saudável não exige perfeição, mas sim um esforço conjunto para crescer e fortalecer o vínculo de forma equilibrada e segura.

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Os relatos de relações tóxicas são comuns na sua prática clínica?

Sim, tanto em relacionamentos amorosos como familiares e profissionais. Muitas vezes, os pacientes não se apercebem de imediato da toxicidade da relação, mas apresentam sinais de ansiedade, baixa autoestima e dependência emocional

Que leitura faz das relações tóxicas?

Relações tóxicas são aquelas que causam sofrimento emocional, perturbam a autoestima e geram dependência. Caracterizam-se por abuso emocional, manipulação, controlo e desequilíbrio.

Apesar de, hoje em dia, estarmos mais sensibilizados para esta realidade, muitas pessoas acabam por voltar para o parceiro, mesmo sabendo que não é o melhor para si. O que faz com que isso aconteça? Pode ser o medo da solidão?

A solidão é um dos principais motivos que fazem alguém voltar para um parceiro tóxico, mas não é o único. A dependência emocional, o ciclo do abuso com momentos de carinho intercalados com violência, a baixa autoestima, o medo do desconhecido, a culpa gerada pela manipulação, a pressão social, a idealização do parceiro e até experiências passadas com relações abusivas podem dificultar a rutura. Estes fatores criam um laço psicológico que 'prende' a pessoa e o impacto pode ser grave. Pode levar à ansiedade, como lhe dizia, mas também á depressão e gerar traumas.

Quando a toxicidade assume a forma de comportamentos, quais os mais flagrantes?

Controlo excessivo, manipulação emocional, críticas constantes, ciúmes, possessividade, desvalorização, chantagem, humilhação e isolamento são as principais atitudes comuns neste tipo de relação.

Em muitos casos, o abuso emocional serve como um prelúdio para formas mais graves de violência

Existem atitudes que são de tal forma subtis e dissimuladas que podem passar despercebidas, fazendo com que alguém caia na armadilha?

Sem dúvida. Incluem manipulação disfarçada de cuidado, críticas como conselhos, elogios seguidos de desvalorização, exigência de exclusividade, piadas depreciativas, indução gradual à dependência emocional...

E há sinais de alerta que antecipam a hipótese de alguém se tornar violento numa relação?

Ciúmes excessivos, uma necessidade de controlo, explosões de raiva, desvalorização constante, isolamento da vítima, chantagem emocional, mudanças bruscas de humor, ameaças disfarçadas, invasão de privacidade, pressão para a submissão e histórico de agressividade com outras pessoas. Tudo isto são indícios que costumam surgir de forma gradual, pelo que se torna essencial prestar atenção a qualquer padrão que gere medo ou insegurança.

Uma relação tóxica vai sempre acabar por resvalar para a violência?

Não necessariamente, mas pode criar as condições para que isso aconteça. Em muitos casos, o abuso emocional serve como um prelúdio para formas mais graves de violência. O que acontece é que o agressor testa limites e reforça a dependência emocional. Mas, embora nem todas as relações tóxicas resvalem para agressões físicas, a deterioração progressiva do respeito e da segurança emocional aumenta significativamente esse risco. Por isso, reforço que o mais importante é identificar os sinais precocemente e procurar apoio para interromper o ciclo.

Há pouco falava de manipulação disfarçada de cuidado. O que lhe pergunto é que leva tempo até alguém se aperceber que esse ‘love bombing’ pode, na realidade, ser tóxico?

O 'love bombing' pode ser difícil de reconhecer porque, inicialmente, ativa mecanismos de recompensa e apego, o que gera uma forte sensação de validação e conexão. O excesso de atenção, elogios e promessas cria um vínculo emocional intenso e rápido, dificultando a perceção de que essa dinâmica pode ser manipulativa. Com o tempo, a idealização dá lugar a cobranças, controlo e desvalorização, levando a um ciclo de dependência emocional, mas como a pessoa já está envolvida, a identificação do padrão tóxico costuma ocorrer de forma gradual, muitas vezes apenas quando o desgaste emocional se mostra evidente.

Partindo do principio que se quer sair de uma relação tóxica, por onde começar?

Quebrar com este ciclo exige autoconhecimento e ação. Em primeiro lugar, é essencial reconhecer o problema, procurar apoio, garantir a própria segurança, reduzir o contato com o outro e fortalecer a autoestima. Em casos de violência, denunciar e procurar ajuda profissional é fundamental para romper o ciclo de abuso.

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Onde procurar ajuda?

O que sugiro é a criação de um plano discreto. Para alguém que está nesta situação, o ideal é ir reunindo documentos importantes. Depois, pedir ajuda a familiares e amigos, reduzir o contato com o agressor e procurar apoio jurídico e institucional, como a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima e a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género em Portugal, que ajudam a formalizar denúncias e garantem proteção.

Como podem os familiares e amigos ajudar?

Devem oferecer acolhimento sem julgamentos, evitando minimizar ou pressionar a vítima. O apoio deve focar-se no fortalecimento da autoestima e autonomia, incentivando a procura por ajuda profissional. Além disso, podem auxiliar na segurança, informando a vítima sobre os recursos especializados e garantindo um suporte prático e emocional para que a mesma se sinta fortalecida a sair da relação.

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Serviços telefónicos de apoio em Portugal

Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (entre as oito e as 22 horas em dias utéis) - 116 006 (número gratuito) - 213 587 900

Linha Telefónica de Informação às Vítimas de Violência Doméstica (24 horas por dia, sete dias por semana) - 800 202 148 (número gratuito)

Aconselhamento psicológico no SNS 24 (24 horas por dia, sete dias por semana) -  808 242 424 (número gratuito)

SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) -  213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660

Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159

SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545

Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707

Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana. 

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