De acordo com um estudo feito pela Alzheimer Europe, há 182 mil pessoas em Portugal diagnosticadas com demência, sendo que 60 a 70% são casos de Alzheimer – cerca de 130 mil. Manuela Morais, vice-presidente da associação Alzheimer Portugal diz que este número será ainda maior tendo em conta todos os casos que não estão diagnosticados, como acontece nas zonas mais desertificadas do país.
Uma vez que lidou com esta doença que afetou a sua mãe durante 20 anos e diariamente apoia as pessoas que de alguma forma procuram a associação Alzheimer Portugal, Manuela Morais revelou-nos, em entrevista, como está o conhecimento sobre a doença em Portugal, quais são os sintomas e as melhores formas de lidar com ela, bem como o que pensa sobre a eutanásia.
Os portugueses estão informados sobre a doença de Alzheimer? E sabem como reconhecer e lidar com esta doença?
Ainda há muito trabalho a fazer. Por isso é que a associação está a tentar ter uma cobertura a nível nacional de gabinetes que possam ajudar as pessoas. Mas às vezes as pessoas não se deixam ajudar.
Até porque quando as pessoas vão para o Facebook dizer para a associação se deixar de eventos e arranjar uma cura – vou ser muito violenta agora -, isso só revela ignorância da parte dessas pessoas. Compreendo o desespero, mas é preciso perceber como é que as coisas funcionam. Já se avançou imenso. Relativamente há 30 anos, a diferença é abissal.
Que eu saiba há pelo menos três medicamentos que podem retardar o avanço da doença, mas é um retardar limitado no tempo. Em alguns doentes a eficácia é de um ano, noutros doentes chega a ser três, mas tem efeitos secundários, claro.
Os portugueses, apesar de serem muito solidários em muitas situações, normalmente só se começam a interessar quando lhes toca. Não sei se será assim com todas as doenças, mas talvez. É muito fácil ajudar famílias que tenham crianças com problemas, porque a pessoa naturalmente está mais propensa a comover-se com uma criança, com os velhos não. Ainda por cima há pessoas que aparentemente estão assim como nós.
E também há o erro de dizer que os sinais de alerta são normais do envelhecimento, não é de todo verdade. Mas até ainda há alguns médicos que o dizem.
Quais são os sinais de alerta?
O principal é a perda de memória, mas temos de ter em atenção que um doente de Alzheimer quando esquece uma coisa, esquece definitivamente. Se se esquece da chave do carro ou do telemóvel, simplesmente não consegue reconstituir os passos até perceber onde deixou as coisas. Ao início vai perdendo as memórias recentes e só depois as passadas.
A pessoa também começa a ter dificuldades em planear ou resolver problemas; deixa de poder executar tarefas das mais simples que antes fazia sem problema; perde a noção de tempo e a orientação – o doente de Alzheimer tem muito a tendência para fugir, para sair de casa, mas depois não consegue voltar -; dificuldade em perceber imagens visuais e relações espaciais; problemas de linguagem, a falar ou escrever, e muitas vezes deixam mesmo de conseguir assinar; trocam o lugar das coisas e depois não se lembram.
Posso contar que o grande sinal de alerta no caso da minha mãe foi quando ela ainda não tinha o diagnóstico e tinha posto sapatos dentro do frigorífico e iscas de fígado na sapateira. Mas negava e dizia que não era louca.
Têm um discernimento mais fraco ou mesmo diminuído, têm tendência para o isolamento porque acaba por ser uma defesa; alterações de humor e de personalidade.
É humanamente impossível que um cuidador possa ficar sozinho neste percurso todoPela sua experiência e pelas experiências que vai conhecendo na associação, considera que a escolha de um familiar assumir a função de cuidador é a melhor para doente e familiar? Ou os centros de dia ou mesmo lares poupam desgaste a ambos?
Necessariamente terá de ser uma combinação das duas, porque é humanamente impossível fazer tudo sozinho. Embora haja casos, mas são raros, é humanamente impossível que um cuidador possa ficar sozinho neste percurso todo. É muito difícil. Terá sempre, numa fase qualquer, de haver a conjugação do cuidador da família e de um cuidador externo.
Qualquer cuidador tem de se informar bem e ter formação para poder ter condições para cuidar de um doente de Alzheimer. Esta é uma demência que exige muito da pessoa que está a cuidar do doente. É ótimo quando podem frequentar centros de dia especializados, que ainda há muito poucos, infelizmente.
Sei que com as doenças todas é terrível, mas com a doença de Alzheimer é especialmente terrível. É horroroso mesmo, é de uma pessoa ficar absolutamente esgotada.
Tira anos de vida...
Ah, sim. Eu sou uma pessoa completamente diferente. A partir dos 40 e poucos anos desisti da minha vida toda. Deixei de me dar com os meus amigos, de ir a festas e jantares. Tinha uma vida muito animada, deixei isso tudo e nunca mais consegui recuperar.
Lido muito mal com a morte, mas de certa forma a morte é um alívio
Mas gostava de recuperar isso?
Não, só quero estar sossegada. Estou reformada desde 2010 por razões de saúde e o meu grande foco agora é a associação Alzheimer Portugal e os meus três netos. A associação puxa-me pelos neurónios e também vou ajudando as outras pessoas.
Às vezes tenho esquecimentos, mas como sempre tive má memória refugio-me nisso. Daqui a três meses também faço 70 anos, a idade a que a minha mãe morreu.
A morte é um alívio?
Eu lido muito mal com a morte, mas de certa forma é.
O que pensa da eutanásia?
Não consigo ter opinião sobre a eutanásia. Tenho medo. Infelizmente já não acredito que toda a gente tenha boa vontade e penso que é possível que algumas pessoas recorram a isso por más razões. Claro que nos casos em que a pessoa pode manifestar a sua vontade, isso não se põe. O doente com demência não pode manifestar a sua vontade e tem direitos que têm de ser respeitados, nesses casos definitivamente não concordo com a eutanásia.
No entanto qualquer um pode fazer uma manifestação de vontade, num documento que é devidamente autenticado, mas normalmente as pessoas não fazem isso. É uma minoria, mas é uma boa medida. Por acaso ainda não o fiz, mas as minhas filhas sabem exatamente aquilo que eu penso.
Quando a pessoa pode decidir, há casos em que acho que se devia legalizar a eutanásia. Noutros, como nos doentes de Alzheimer, definitivamente não, a não ser que haja um documento onde a pessoa tenha manifestado essa vontade.
Há muitos anos que oiço que daqui a dez anos está encontrada a cura da Doença de Alzheimer. Nunca mais se chega aos dez anos
Quais são as suas esperanças em relação às investigações sobre a doença de Alzheimer?
Essa é uma pergunta muito difícil. Há muitos anos que eu oiço que daqui a dez anos está encontrada a solução e a cura da Doença de Alzheimer. Nunca mais se chega aos dez anos.
A comunidade científica tem trabalhado muito e bem neste sentido e de facto se está no bom caminho. Estou convencida que dentro de alguns anos, poucos, nós vamos ter a solução para a Doença de Alzheimer. Não é curar a doença, mas como aconteceu com alguns dos cancros, torná-la uma doença crónica. Com que a pessoa possa viver, fazendo os tratamentos e tendo as suas limitações, mas sem este percurso absolutamente dramático que é o que temos hoje em dia.
Também estou com muita esperança por causa da Cimeira Mundial Pesquisa e Cuidados Alzheimer, que este ano se realiza em Portugal, na Fundação Champalimaud [decorre até amanhã]. Bem como do facto de o Passeio da Memória também este ano se ter realizado em 19 cidades, que é uma maneira de as pessoas serem solidárias – é uma recolha de fundos muito pequenina. Dia 21 de setembro [hoje] temos um concerto para angariação de fundos, no Fórum Lisboa, com 14 artistas fantásticos que decidiram ajudar. A campanha ‘A Memória que eu Não Gostaria de Perder’ também está a correr muito bem.
*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.