James Batley, cônsul em Timor 'indonésio' e embaixador em Timor-Leste

James Batley, primeiro embaixador australiano em Timor-Leste, teve que 'apresentar' duas vezes as credenciais ao então presidente Xanana Gusmão porque, na primeira vez, o fotógrafo não registou o momento.

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Lusa
20/08/2019 10:34 ‧ 20/08/2019 por Lusa

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Timor-Leste

 

"Sinto-me muito honrado de ter isso no meu CV", contou à Lusa, numa conversa na instituição a que agora está ligado, a Escola de Assuntos da Ásia e Pacífico na Universidade Nacional Australiana (ANU, na sigla em inglês), em Camberra.

"Apresentei credenciais a Xanana Gusmão como primeiro embaixador australiano em Timor-Leste independente", recordou.

Contactado pelo gabinete do presidente e acordada a apresentação de credenciais, Batley vestiu o fato (pouco usado no calor de Díli) e foi encontrar-se com Xanana Gusmão.

"Fizemos a cerimónia, em que apresentei cartas credenciais, falámos um pouco e depois voltei para o escritório. Pouco tempo depois recebi um telefonema a dizer que o momento não tinha ficado registado por fotógrafos", disse, sorrindo.

"Voltei e voltámos a fazer a entrega de credenciais para os fotógrafos", contou.

Quando esses dois momentos ocorreram, no memorável 'Palácio das Cinzas' -- hoje reconstruído e que serve de 'sede' do Ministério da Saúde -- Batley já estava em Timor-Leste há quase três anos.

Atualmente no mundo académico, Batley que esteve destacado na embaixada em Jacarta entre 1995 e 1997 -- altura em que visitou Timor-Leste uma vez -- mudou-se para Díli em junho de 1999, a dois meses da consulta em que os timorenses escolheriam a independência.

"Tinha comigo um certificado assinado por Ali Alatas [então ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio] que me reconhecia como cônsul em Timor Timur", então reconhecida pela Austrália como a 27ª província indonésia.

Batley recorda o "período incrivelmente intenso" em que além de montar um escritório, um consulado, tinha de acompanhar uma situação que "mudava todos os dias", com a Missão das Nações Unidas em Timor-Leste (UNAMET) a "acelerar e a crescer rapidamente, pré-referendo".

"Havia ameaças das milícias, incluindo à Austrália e a pessoas em Timor-Leste e à operação da ONU. Tínhamos de acompanhar os australianos que iam entrando, funcionários da ONU, jornalistas e outros", recorda.

"Acompanhar situação política e as relações com a ONU e com as autoridades indonésias que, do ponto de vista australiano, continuavam a ser a autoridade legal", explicou.

Um período de muita intensidade e que se traduziu num "grande desafio profissional", com os olhos da Austrália virados como nunca para o seu vizinho a norte.

Batley, que se juntou ao Departamento de Negócios Estrangeiros australiano em 1984, esteve colocado em vários países da região, incluindo Vanuatu, Papua Nova Guiné, as Ilhas Salomão e a Indonésia, antes de ser destacado em Timor-Leste.

A uma distância de 20 anos, e questionado sobre se a Austrália tentou, na altura, desdramatizar ou minimizar o nível de violência que estava a ocorrer em Timor-Leste, Batley admitiu que "claramente havia muita violência" ainda que por vezes fosse "difícil perceber a situação global, mesmo para quem estava no meio dela".

"Houve números atos de violência e intimidação e claramente um nível de organização nesse processo. A questão era: a que nível é que era organizado e quem estava por trás disso?" - questionou.

"Para nós no terreno era muito difícil perceber in loco isso. E não quero especular sobre as motivações de altos responsáveis do governo australiano para dizerem o que disseram na altura", sublinha.

Batley explica que a opinião na altura era de que "havia uma oportunidade para realizar este voto" e de que a comunidade internacional "não queria ver descarrilar o processo por qualquer interferência que surgisse".

Se a ONU e o resto da comunidade internacional desistissem, diz, "o processo poderia não voltar a começar" e por isso era crucial avançar e tentar que o processo fosse ser "tão eficaz quanto possível".

Deveria, no entanto, a Austrália ter feito mais? Batley diz que não costuma "ser revisionista" e recorda que para o Governo australiano "a Indonésia continuava a ser a autoridade soberana em Timor".

"O processo tinha que ser conduzido com consentimento do governo indonésio. E de alguma forma foi surpreendente que o governo indonésio tenha sequer ido tão longe e permitir o referendo", afirmou.

O ex-diploma considera que a Austrália "investiu muito capital diplomático e energia no processo do referendo, mas ao mesmo tempo estava a tentar preservar uma relação, que todos concordavam era vital" com o vizinho indonésio.

"Não queiramos sacrificar a nossa relação com a Indonésia, pela causa de Timor. Havia mais de um interesse de política externa em jogo e penso que a necessidade de manter uma relação com a Indonésia foi sempre um fator importante. Não queiramos tornar a indonésia um adversário, um inimigo, neste processo", admitiu.

E depois veio a violência pós-referendo algo que, apesar dos planos de contingência que a ONU e os Governos interessados fizeram, acabou por ser parcialmente inesperada.

"Acho que não estava à espera. Há sempre planos de contingência. Penso que quer a ONU quer a Austrália não esperavam esta resposta, este nível de violência depois do voto", disse.

Hoje, 20 anos depois, considera que as relações entre Timor-Leste e a Austrália estão "no melhor momento dos últimos 20 anos", com solavancos que vão ocorrendo, como em qualquer relação bilateral.

 

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