"Esta pandemia é uma desgraça a nível mundial, mas é uma desgraça maior para a Venezuela por esse mar de carências que, praticamente em todos os âmbitos, estamos vivendo, que lamentavelmente com esta situação não se minimiza, aumenta cada dia mais", disse à Lusa o cónego madeirense Alexandre Mendonça, que tem passado a Quaresma em oração, recorrendo à Internet e ao WhatsApp para comunicar-se com os fiéis e fazer-lhes chegar a liturgia diária.
Nos últimos anos, a crise económica acentuada levou mais de 4,5 milhões de pessoas a emigrar à procura de melhores condições de vida. "O sofrimento, neste país, é cada dia maior, mas se olharmos para outros países muito próximos, vemos também as desgraças que estão passando, coisas que não se entendem, de países economicamente chamados ricos e humanamente com tanta miséria", salientou.
Alexandre Mendonça, passa todos os dias fechado, na parte residencial da Ermida de Nossa Senhora de Coromoto e Fátima, em San Bernardino, nas proximidades do centro de Caracas e cujo acesso principal está restringido por ficar no começo da Avenida Boyacá, uma autoestrada que une, pelo norte, o oeste e o leste da capital.
"Não sou só eu, somos todos os que não podemos sair, mas este não sair fisicamente não significa não acompanhar aqueles a quem não podemos dar a mão", disse fazendo alusão a que o país está em quarentena preventiva da covid-19.
"Todos estamos passando momentos difíceis. É uma maneira de levar a vida tão distinta daquela que normalmente estamos acostumados e de maneira pessoal tenho sentido muitíssimo essa realidade por ter uma vida tão ativa neste país e ao ver-me fechado em casa (...) têm sido dias nada agradáveis", disse.
No entanto, o sacerdote de origem madeirense agradece a Deus pela existência de vias alternativas como os telemóveis e a internet que diz o aproxima da comunidade.
O sacerdote agradeceu a ajuda da direção do Centro Português de Caracas e de um jovem que, com o seu telemóvel, tem feito chegar à comunidade portuguesa a missa diária, os textos bíblicos e as suas meditações.
"Na Venezuela é uma coisa difícil. Nós estamos muito acostumados a abraçar-nos, a beijar-nos. É um povo muito próximo, com gestos de amizade e de fraternidade (...) vivemos uma nova realidade, que demorará para que nos adaptemos. Na Venezuela, sem o braço, sem o beijo, fica um vazio muito grande", desabafou.
No entanto, devido ao recolhimento social, "se não podemos chegar fisicamente, tratemos que os nossos corações e as nossas almas se encontrem, de reforçar os sentimentos de amizade, sinceridade, verdade, amor e de paz", acrescentou.
O sacerdote disse ainda a ver com muita preocupação, através da televisão, o que acontece na Europa, em Portugal e na Madeira, "tantos amigos que emigraram da Venezuela, buscando uma situação melhor e estão a viver esta triste realidade".
O coronavírus "é um inimigo que não se vê, não se sabe onde está, mas sabemos que está presente, isso cria incerteza, e na nossa comunidade há muita preocupação pelo presente e pelo futuro".
O novo coronavírus, responsável pela pandemia da covid-19, já infetou mais de 1,3 milhões de pessoas em todo o mundo, das quais morreram mais de 73 mil.
Dos casos de infeção, cerca de 250 mil são considerados curados.
Na Venezuela, segundo dados oficiais que muitas organizações consideram pouco credíveis, foram infetadas cerca de 160 pessoas, tendo sido registadas sete vítimas mortais.