Numa situação de emergência como esta, "é importante que a população sinta algum grau de segurança, e neste momento, não dá essa sensação", afirmou Fernando Henrique Cardoso, numa entrevista à Lusa por Skype.
Pelo contrário, "dá a sensação de que não há ainda um gabinete de guerra, porque (...) nós estamos numa guerra (...) contra um inimigo invisível. E a diferença é que na guerra você tinha defesa (...) agora não tem", porque contra este inimigo não há ainda medicamentos, nem vacinas, acrescentou.
Por isso, o Presidente "precisaria de criar um gabinete de guerra, porque a situação que o Brasil está a viver (...) é de emergência, e grande. E gabinete de guerra não é só com o [poder] executivo, é com o legislativo, o judiciário e junto com o povo. É chamar todo o mundo à responsabilidade".
Ao invés disso, considera que aquilo a que se assiste hoje no Brasil é a uma sociedade mais ativa do que o Governo.
"Eu vejo mais ativa a sociedade do que o Governo", sublinhou, destacando em primeiro lugar os profissionais de saúde, que classificou como "heróis", e depois o papel "importante" dos média, de informar as pessoas do que devem e não fazer.
Porém, alertou: "nós temos um serviço público de saúde que funciona (...), atende as pessoas. Agora, ninguém esperava uma pandemia desta natureza e com esta proporção. É preciso que haja um levantamento de meios de utilização prática para lidar com a pandemia. É preciso olhar para isto com muita atenção", frisou.
Para o antigo presidente do Brasil, tanto os hospitais, alguns governadores e os próprios media estão a tomar medidas e a alertar, mas isso não basta.
Já "há falta de testes e de unidades de cuidados intensivos", no país, agora, "a nossa grande preocupação é o esgotamento de recursos, da capacidade das unidades de terapia intensiva [cuidados intensivos] de receber pessoas e também a falta de testes".
Mas, "infelizmente, no momento atual, o nosso Presidente dá sinais contrários" aos dos ministros, referindo-se às contradições de posições face à pandemia entre o anterior ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que acabou por ser demitido na semana passada, e Jair Bolsonaro.
Enquanto o ministro da Saúde mandava que as pessoas ficassem em casa e que houvesse "uma espécie de desconexão para evitar a propagação do vírus", aparecia o Presidente "dando abraços e em confraternização com populares", disse Fernando Henrique Cardoso.
"Dá a impressão de que ele [Jair Bolsonaro] não sabe o papel simbólico que o Presidente representa. Não é só o que ele diz é o que ele faz e como expressa. E acho que encorajar discussões com ministros nesse momento, isso é insensato", frisou.
E no Brasil, "demoramos mais (...) para reagir de uma maneira mais coordenada diante dos desafios que aí estão. E o que é se faz quando vivem 10 pessoas na mesma casa, numa casa precária, onde não têm água, nem têm esgoto? Aí é uma tragédia".
Além disso, é "assustador" ver que a pandemia "já se espalhou muito, por toda a parte", no Brasil.
E quando chegar às comunidades (favelas) e às periferias das grandes cidades, "e já está chegando, aí vai ser difícil", sublinhou.
O Brasil registou 2.741 óbitos e 43.079 casos confirmados desde o início da pandemia. São Paulo continua a ser o estado brasileiro que concentra o maior número de casos, totalizando 1.093 mortos e 15.385 casos de infeção, seguindo-se o Rio de Janeiro, com 461 vítimas mortais e 5.306 casos confirmados da covid-19.
No momento, 12 estados já ultrapassaram os mil casos registados da covid-19: São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina, Pará, Pernambuco, Ceará, Bahia, Maranhão e Amazonas.