"Preocupa-me que Macri e Bolsonaro tenham permitido que o Mercosul fosse distorcido. Se cada país pode negociar o que quiser, para que existe o Mercosul", questionou Fernández, em entrevista à rádio El destape.
Durante o mandato do ex-Presidente argentino Mauricio Macri (2015-2019), o Mercosul começou a sair do seu confinamento, sem tratados de comércio livre com países e blocos relevantes no comércio internacional, para um modelo de maior abertura que permitisse mais comércio e mais competitividade.
No ano passado, o bloco sul-americano concluiu um tratado com a União Europeia e outro com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA, na sigla em inglês).
Nesse sentido, Macri estava em sintonia, primeiro com o ex-Presidente Michel Temer, depois com o Presidente Jair Bolsonaro. Ao mesmo tempo, Paraguai e Uruguai, que já defendiam esse caminho de abertura, alinharam-se a esse objetivo. No entanto, Alberto Fernández, que assumiu a Presidência em dezembro passado, tem uma visão protecionista.
"Macri e Bolsonaro permitiram que cada país fizesse o seu tratado de livre comércio. Assim, o Mercosul não tem sentido. Se os demais membros querem acabar com o Mercosul, que o digam. Se não houver mais um casamento, não haverá casamento, mas se houver, há certas coisas a serem respeitadas", acusou Fernández.
Assim, o Presidente argentino, depois de anunciar que abandona as negociações, indica que também será contra qualquer flexibilização do bloco.
A resolução 32 do Mercosul, aprovada em 2000 e ainda vigente, proíbe a negociação individual de acordos com países de fora do bloco. No ano passado, o Mercosul começou a estudar uma flexibilização dessa regra com a ideia de que um país pudesse avançar em negociações para que depois os demais se juntassem, mas não houve modificação.
Pelas atuais regras, todos os países precisam aprovar determinada decisão sem que um possa tomar um caminho individual. Nas negociações comerciais que envolvem tarifas, todos os países precisam negociar em conjunto e chegar a entendimentos por consenso.
Na sexta-feira, a Argentina decidiu abandonar todas as negociações, atuais e futuras, do Mercosul para acordos de comércio livre com outros países e blocos, alegando que se concentrará na sua política interna e protegerá as suas empresas e famílias humildes. A decisão argentina, na prática, bloqueia o objetivo dos demais membros, Brasil, Paraguai e Uruguai, de se abrir ao mundo.
A Argentina é contra a negociação do Mercosul com a Coreia do Sul por considerar que um tratado com esse país asiático só servirá para inundar o mercado sul-americano de produtos industrializados coreanos.
Atualmente, o Mercosul tem negociações avançadas com o Canadá, Coreia do Sul e Singapura, mas também quer avançar com o Japão, com a Índia e com o Líbano. O Brasil também quer iniciar negociações com os Estados Unidos.
A Argentina é hoje uma ilha protecionista cercada por governos favoráveis à abertura comercial. Para os demais membros do Mercosul, novos mercados significam mais oportunidades de superar a crise depois de a pandemia da covid-19 passar.
O Brasil vê na decisão argentina uma oportunidade de avançar na abertura comercial sem obstáculos e vai explorar, junto aos demais membros, uma brecha na normativa do bloco para fintar a Argentina.
"Não seremos a Argentina nem a Venezuela. Estamos num outro caminho, o caminho da prosperidade; não no caminho do desespero", disse o ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, para quem "o Brasil vai surpreender o mundo com a recuperação económica".