Covid-19 pede distanciamento impossível para quem foge em Moçambique

Por entre centenas de tendas junto em Metuge, num campo de deslocados da violência armada de Cabo Delgado, norte de Moçambique, Mustafá Ali Azito faz marcas com tinta em spray no chão de terra.

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Lusa
26/07/2020 09:23 ‧ 26/07/2020 por Lusa

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Moçambique/Ataques

 

Marca o distanciamento mínimo que os deslocados deverão manter entre si na fila para receber donativos (mantas e esteiras) e o recinto até é delimitado com uma corda, tudo para prevenir a covid-19.

Mas a ironia é evidente: à volta, centenas de pessoas estão literalmente a acotovelarem-se umas nas outras para ver o que se está a passar e para marcar lugar na distribuição - muitos sem máscara.

"Não é à primeira que acatam as recomendações. Há quem até pense que isto não é coisa que os afete", descreve Mustafá, membro da organização não-governamental (ONG), Ayuda en Acción, que gere as cinco zonas de acomodação de deslocados de Metuge, Cabo Delgado.

Ali estão refugiadas cerca de 10.000 pessoas, com famílias numerosas de cinco a 10 pessoas que partilham tendas.

"Nós como organizações que com eles trabalhamos, aconselhamo-los sempre e tentamos fazer ver", através do exemplo, "quais são as formas de distanciamento social", sublinha.

Assim, a distribuição lá decorre, seguindo à risca as marcas no chão, cada um a lavar as mãos antes de passar para dentro da corda - mas do lado de fora, o único sinal de prevenção de covid-19 em todo campo são as máscaras que alguns deslocados trazem.

O bispo de Pemba, Luiz Fernando Lisboa, visita as zonas de acomodação com regularidade e diz que não há maneira de garantir distanciamento social nestes campos de deslocados.

"Toda a gente está junta. As crianças brincam o tempo todo juntas. Não há como", sublinha o bispo, considerando que, "infelizmente, a covid-19 ficou para segundo plano" em Cabo Delgado.

"Não falo isso com prazer. Dá tristeza, porque só veio piorar a situação", numa altura em que a província mais precisa de apoio do mundo inteiro.

Se por um lado parece que não há maneira de haver prevenção, por outro pode ser uma questão de insistência.

"Não é impossível" cumprir as medidas nestes campos, diz Daniel Timme, chefe de comunicação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), "mas é um processo educacional".

"Estamos a fazer campanhas" de divulgação de informação, destaca, no que classifica como um trabalho continuo.

Mas a pandemia tem outro lado, acrescenta: afeta também o trabalho humanitário, por exemplo, no combate à nutrição, que atinge cerca de metade da população.

"Normalmente, o que fazemos em zonas como esta é estabelecer centros de saúde para observação", mas tal não é possível agora, por forma a evitar aglomerações, ficando o trabalho entregue apenas a brigadas móveis, no exterior.

Há também menos oportunidades para mobilizar recursos humanos e materiais a nível global para acudir à emergência em Cabo Delgado, reconhece.

Célia Aiuba, deslocada, usa uma máscara e abastece-se de água no campo 03 de Fevereiro em Metuge: dois alguidares que vão servir para cozinhar, lavar roupa e para a higiene pessoal, descreve.

Ao lado Tima Ali, de sorriso à vista, carrega baldes e ri-se quando lhe perguntam onde está a máscara.

Duas torneiras emergem do chão de terra, rodeadas de alguidares e baldes coloridos, com várias mulheres de olho na água, cada qual a aguardar a sua vez.

"Tivemos de criar condições para as pessoas terem água potável, instalações de saneamento e fazer educação comunitária para melhorarem os hábitos de higiene, considerando a covid-19", destaca Samuel Manhiça, responsável pela água e saneamento do UNICEF.

A agência das Nações Unidas instalou vários quilómetros de canalizações desde a rede principal de abastecimento a Pemba, capital provincial, até aos campos de deslocados.

As torneiras garantem água 24 horas por dia, numa zona que mesmo antes da covid-19 "já era considerada de risco para doenças relacionadas com água imprópria", como a cólera.

"Daí a importância de garantir água potável nesta zona", sublinha, pois não haverá desculpa para não lavar as mãos.

Já quanto a usar máscara e haver distanciamento social, a missão parece impossível, mas as organizações humanitárias continuam a insistir nas recomendações, acreditando que haverá quem cumpra as regras de prevenção.

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