"Penso que não é necessário estar a afirmar certas coisas, quando nós estamos numa posição em que temos o marido preso e temos um filho constituído arguido", afirmou numa entrevista à Lusa, em Lisboa, a filha do primeiro presidente de Angola, Agostinho Neto, e esposa do empresário Carlos São Vicente.
Segundo Irene Neto, da notificação que Ivo São Vicente recebeu não se percebe porque foi constituído arguido. "Não sei, mandaram uma notificação a dizer para apresentar-se [em Angola], porque foi constituído arguido. A data [da carta] acho que é de 30 ou 31 de dezembro, mas só nos chegou agora", sublinhou.
Porém, garantiu que o filho, a viver em Lisboa já há algum tempo, não se irá apresentar à justiça angolana, "a não ser que o venham buscar", afirmou a médica angolana, nascida em Portugal, e que desde julho último também vive em território português.
A notificação para Ivo São Vicente "é muito lacónica, apenas diz que ele tem de se apresentar no dia seguinte a ter recebido a carta. Obviamente, que não dava para se apresentar em Luanda. Até porque nós não temos meios para pagar bilhete de passagem para Angola e, muito menos, local onde residir [no país]. Porque a nossa habitação também foi apreendida [pela justiça angolana]. Portanto, nós não temos para onde voltar. Praticamente somos exilados em Portugal", explicou.
Irene Neto admite duas hipóteses na origem da notificação do filho. Uma delas é o facto de este ser gestor de empresas do pai ou que integravam o grupo por ele criado. A outra, para si mais plausível, tem a ver com o facto de Ivo São Vicente "ter estado a dar entrevistas".
"Como um jovem que é, defende o pai com alguma veemência e poderá ter dito algo que não tenha sido muito bem aceite. Portanto, isto pode ser considerado como uma forma de represália, de pressão sobre o pai, que está lá preso e fica sabendo que o filho foi constituído arguido", afirmou.
No entanto, e apesar da colaboração judicial entre Angola e Portugal, Irene Neto não receia que o filho possa vir a ser detido em Lisboa. Mas, "nestas circunstâncias, ficamos um bocado reféns do que possa ser exercido como meio de pressão daqui para frente", frisou.
Para já, em Portugal, a família de Carlos São Vicente tem algumas das contas congeladas pela justiça, apesar do recurso que interpôs no ano passado para que fosse levantada a medida.
"Estamos insistindo", sublinhou. Porque já houve uma resposta ao recurso, a instrução do juiz "foi no sentido de descongelar as contas de voltar a abrir, algumas delas", não todas, só que o banco não cumpriu.
Por isso, "nós temos que resolver a situação", afirmou, porque o dinheiro é necessário, não só para a família, mas também para Ivo São Vicente manter as empresas que tem em Portugal.
Segundo o despacho que determinou a prisão preventiva do empresário Carlos São Vicente, este teria levado a cabo "um esquema ilegal" que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares (cerca de 763,6 milhões de euros).
De acordo com o despacho a que a Lusa teve então acesso, o empresário angolano, que entre 2000 a 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de diretor de gestão de riscos da Sonangol e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, sociedade em que a petrolífera angolana era inicialmente única acionista, terá levado a cabo naquele período "um esquema de apropriação ilegal de participações sociais" da seguradora e de "rendimento e lucros produzidos pelo sistema" de seguros e resseguros no setor petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.