Moçambique. Amnistia relata que confinamento agravou violência de género

A aplicação de medidas de confinamento para o combate à covid-19 em Moçambique agravou a violência de género no país, assim como no resto da África Austral, assinala um relatório da Amnistia Internacional (AI) hoje divulgado.

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Lusa
09/02/2021 00:01 ‧ 09/02/2021 por Lusa

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Covid-19

 

"Devido aos confinamentos impostos pelos países da África Austral, alguns lares pela região tornaram-se enclaves de crueldade, violação e violência para as mulheres e crianças presas com familiares abusivos e sem qualquer sítio para denunciar ou escapar ao perigo", referiu a AI, num comunicado que acompanha o relatório "Tratadas como Peças de Mobília -- A violência de género e a resposta à covid-19 na África Austral".

O diretor da AI para a África Oriental e Austral, Deprose Muchena, sublinhou que a pandemia de covid-19 "suscitou um aumento da violência de género contra mulheres e raparigas na África Austral".

"Também amplificou os problemas estruturais existentes, como a pobreza, a iniquidade, crime, elevado desemprego e falhanços sistemáticos da justiça criminal", acrescentou o responsável da organização não-governamental (ONG).

A AI registou que "os nocivos estereótipos de género embutidos nas normas sociais e culturais", que sugerem que "as mulheres devem sempre submeter-se aos homens ou que um homem que bate na sua mulher o faz porque a ama", têm alimentado o aumento da violência contra mulheres e raparigas na África do Sul, Madagáscar, Moçambique, Zâmbia e Zimbabué.

Entre estes, África do Sul, Moçambique e Zimbabué foram os que se destacaram pela ausência de estruturas de apoio a vítimas de violência e abuso nas medidas de contenção da covid-19.

No relatório, a ONG de defesa dos direitos humanos referiu que o estabelecimento do estado de emergência em Moçambique resultou numa crise económica, "em particular para os agregados familiares que viviam na precariedade" e que subsistiam através da economia informal.

As mulheres nesta situação, como empregadas domésticas, têm os seus rendimentos diários "absorvidos em despesas imediatas" e que, pela proibição de saírem de casa, "as suas fontes de rendimento secaram e as suas condições de vida tornaram-se cada vez mais difíceis".

Da mesma forma, "a redução nos rendimentos familiares intensificou a frustração, a tensão e o 'stress' nas famílias", expondo-se o caso de uma vendedora ambulante que relatou ataques por parte do seu marido.

A diretora executiva do Fórum Mulher, Nzira de Deus, referida no relatório, registou um aumento do número de relatos de violência de género na televisão e rádio, remetendo para a morte de uma mulher, em 06 de junho, no distrito de Matola, província de Maputo, por parte do seu cônjuge -- que "a seguir se matou também".

Ativistas dos direitos humanos ouvidas pela AI mostraram-se preocupadas com a redução da capacidade dos transportes públicos em Moçambique, considerando que isto deixou "as mulheres expostas à violência de género".

"Um exemplo disso foi o caso da empregada do hospital central de Maputo, que chegou ao seu bairro a altas horas da noite devido à escassez dos transportes públicos, em 31 de maio de 2020, e foi roubada, torturada, violada e assassinada", destacou o relatório.

Na África do Sul, as autoridades registaram, apenas no primeiro confinamento, 2.300 pedidos de ajuda devido a violência de género, tendo, por meados de junho, 21 mulheres e crianças sido assassinadas por parceiros íntimos.

No Zimbabué, uma organização de apoio a vítimas de violência doméstica documentou 764 casos de violência de género nos primeiros 11 dias de confinamento nacional, valor que subiu para 2.768 em 13 de junho.

O aumento da pobreza devido às regras de confinamento foi "um fator fulcral para o aumento da violência de género" durante o recolhimento, tendo mulheres e crianças ficado mais dependentes de parceiros abusivos.

Por outro lado, a Zâmbia registou, segundo dados das autoridades, uma diminuição da violência de género durante o período de confinamento face ao mesmo valor de 2019.

O país teve uma diminuição de 10% das queixas durante o primeiro trimestre, mas este valor "pode refletir que as mulheres não foram capazes de pedir ajuda, e não um declínio do número de casos".

Ainda assim, uma ONG zambiana reportou um aumento de casos de violência sexual no mesmo período.

A AI identificou várias barreiras colocadas a vítimas de violência de género para a justiça, nomeadamente a falta de confiança no sistema judicial e o trauma secundário, que surge quando relatam os casos às autoridades.

No caso de Moçambique, muitas vítimas temem a apresentação de queixa, e correspondente abertura de inquérito, "devido à pressão da sociedade em tolerar a violência doméstica, a dependência financeira do perpetrador e a falta de confiança no sistema judicial".

"Segundo organizações da sociedade civil, em alguns casos, os agentes da polícia foram acusados de desvalorizar queixas de violência de género porque as viram como assuntos de família e não crimes. O estigma à volta da violência sexual foi também citado como um fator contributivo para a falta de relatos", salientou a AI.

"É chocante que para muitos na África Austral o sítio mais perigoso para se ser uma mulher ou uma rapariga durante a pandemia de covid-19 seja em casa. É indesculpável. Os líderes da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) devem assegurar que a prevenção e a proteção das mulheres de violência de género e de violência doméstica são uma parte integral das respostas nacionais a pandemias e outras emergências", defendeu Deprose Muchena.

Segundo os dados mais recentes do Centro de Controlo e Prevenção de Doenças da União Africana (África CDC), o número de infetados neste continente desde o início da pandemia é de 3.667.546 e o de mortes 95.075.

A pandemia de covid-19 provocou mais de 2.316.000 mortos no mundo, resultantes de mais de 106 milhões de casos de infeção, segundo um balanço da agência francesa AFP.

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