Esta renúncia do Brasil "é crucial para assegurar um acesso universal e equitativo, mais rápido, às vacinas contra a covid-19 em todo o mundo, uma medida que pode salvar milhares de vidas", afirmou a Organização Não-Governamental (ONG) internacional, em comunicado emitido hoje.
O Conselho para os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual, relacionados com o Comércio (TRIPS, na sigla em inglês) da OMC discutirá esta proposta na sua próxima reunião, que decorrerá em 10 e 11 de março, adianta-se na mesma nota.
A administração do Presidente brasileiro Jair Bolsonaro opôs-se até agora a esta renúncia de direitos sobre a propriedade intelectual, mas o Brasil atravessa o pior momento em termos de pandemia de covid-19, desde que esta começou, com mais de 265.000 mortes provocadas pela doença, e até agora apenas 3,8% dos brasileiros receberam a primeira dose de uma vacina, refere a HRW.
A ONG recordou ainda que a Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), um instituto de investigação governamental brasileiro, alertou, em 01 de março, que 18 estados do Brasil têm mais de 80 por cento das suas unidades de cuidados intensivos ocupadas e que existe um risco iminente de colapso do sistema de saúde do país.
"O Brasil deve estar do lado certo da história, mudar de rumo, e juntar-se aos governos que apoiam a renúncia temporária aos direitos de propriedade intelectual", disse Anna Livia Arida, diretora associada do Brasil na Human Rights Watch, citada no comunicado.
A mesma responsável acrescentou que "a renúncia ajudaria a aumentar a produção de vacinas, salvando inúmeras vidas, e poderia também levar a uma recuperação económica mais rápida, uma perspetiva que é prioridade já declarada pelo Governo do Brasil".
Em outubro de 2020, a Índia e a África do Sul propuseram a renúncia a algumas disposições do TRIPS, um acordo jurídico internacional entre todos os membros da OMC.
A renúncia proposta permitiria que todos os países, a nível mundial, colaborassem na resposta à covid-19, incluindo no desenvolvimento e distribuição de vacinas, sem esta ser indevidamente travada pela complexidade das leis e restrições que regem a propriedade intelectual. Uma centena de países e muitas centenas de organizações da sociedade civil em todo o mundo apoiam a proposta.
Mas alguns governos, incluindo o do Brasil, bloquearam a proposta de derrogação durante os últimos cinco meses. Nessa altura, as mortes por covid-19 a nível mundial mais do que duplicaram, de cerca de 1 milhão de mortos, no início de outubro, para 2,5 milhões de mortos no começo de março.
A derrogação em questão permitiria também uma maior colaboração internacional no fabrico das vacinas e outros produtos médicos - sem autorização das empresas que as criaram - e poderia acelerar a produção e disponibilidade dos mesmos em todo o mundo, frisa a ONG na nota.
"A prioridade da saúde pública sobre as regras de propriedade intelectual quando se enfrenta uma emergência sanitária é permitida pelas regras globais de propriedade intelectual e foi reafirmada pela Declaração de Doha no auge da epidemia do VIH/Sida. O Brasil fez precisamente isso, em 2007, com um medicamento chave anti-VIH, o que lhe permitiu fornecer gratuitamente um tratamento universal. Essa política tornou-se uma história de sucesso mundial", recordou.
Além disso, o Brasil faz parte do Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, e o Comité dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais sublinhou que todos os países têm o dever de cooperação e assistência internacional (artigo 2) para assegurar o acesso universal equitativo às vacinas sempre que necessário, acrescentou.
Porém, o Brasil alegou que não há necessidade de uma derrogação temporária do TRIPS, porque este já permite aos governos flexibilizarem as regras para proteger a saúde. Na prática, porém, as flexibilidades existentes ao abrigo do TRIPS não são suficientes para a solução expedita e global necessária para travar a pandemia de covid-19, afirmou a Human Rights Watch.
Arida salientou que "os países ricos têm usado o seu poder financeiro para reservar doses suficientes - e em vários casos, em excesso - para a sua própria população, enquanto os brasileiros e milhares de milhões de outros [cidadãos] esperam na fila".
"O Brasil deveria intensificar a sua ação, como fez com o medicamento anti-VIH, ser um líder na cooperação e assistência internacional e apoiar uma renúncia que aceleraria o acesso à vacina para todos", concluiu.
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