Num relatório, consultado pela Lusa, sobre a investida de 24 de março contra Palma, vila vizinha do estaleiro do complexo de gás natural em Cabo Delgado, a IHS Markit estima que aquela foi até ao momento a maior levada a cabo em Moçambique pelos insurgentes do Estado Islâmico Província da África Central (ISCAP, localmente conhecido por "Al-Shabab").
Segundo o relatório, da analista Eva Renon, "é muito provável que (o ataque a Palma) tenha exigido mais planeamento e um maior número de combatentes do que em ataques anteriores, demonstrando maior capacidade".
A resposta do governo à insurgência islâmica, adianta, tem "sido fraca até agora", sobretudo "devido à falta de coordenação e capacidades da polícia e da FADM (forças armadas), assistida por várias empresas militares privadas (por exemplo, da Rússia e da África do Sul)", a par de relutância em aceitar ofertas de intervenção militar estrangeira direta, inclusive da União Africana e da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.
A 24 de março, vários grupos armados tomaram a vila de Palma, matando dezenas de civis e colocando milhares de pessoas em fuga.
Em Pemba, a última grande embarcação com deslocados chegou na quinta-feira, com 1.200 dos que se refugiaram junto ao recinto dos projetos de gás, em Afungi.
A violência em distritos mais a norte da província começou há três anos e está a provocar uma crise humanitária com 700 mil deslocados e mais de duas mil mortes.
Para a IHS Markit, "a dimensão do ataque a Palma tem potencial para encorajar o governo moçambicano a aceitar uma maior coordenação entre as suas forças e as forças norte-americanas e portuguesas já presentes no país".
"A menos que a situação de segurança mude significativamente, nos próximos seis meses os insurgentes provavelmente tentarão capturar Pemba que, além de hospedar a equipa e a logística da Total, tem um aeroporto e um porto de contentores", adianta.
Entre os alvos na capital provincial estarão hotéis, instalações governamentais e funcionários e ativos de Organizações Não Governamentais, da Igreja Católica e das Nações Unidas.
Caso capturem Pemba, adianta, os insurgentes provavelmente procurarão alvos a oeste, como Montepuez e Balama, zonas ricas em depósitos de rubis e grafite, respectivamente, com objetivo de "controlar as operações de mineração, com riscos associados de sequestro, ferimentos e morte para funcionários e subcontratados".
A IHS considera ainda prováveis ataques contra Mtwara, na Tanzânia, "visando espaços públicos como o mercado para infligir vítimas em massa ou contra ativos e funcionários do governo".
"No entanto, os insurgentes provavelmente não seriam capazes de capturar e manter Mtwara porque as forças de segurança da Tanzânia são mais capazes do que as forças moçambicanas e têm experiência no combate a insurgentes ligados ao Estado Islâmico", adianta.
No ano passado, os insurgentes capturaram a vila de Mocímboa da Praia e estradas circundantes, "garantindo assim um fluxo constante de receitas proveniente da tributação do comércio ilícito de minerais e drogas que prevalece" na zona.
Mocímboa da Praia, refere a IHS Markit, é um importante ponto de trânsito para narcóticos há mais de quarenta anos, principalmente do Afeganistão e Paquistão, com destino à África do Sul, Europa Ocidental, Estados Unidos e outros destinos.
"O acesso a esses recursos aumentou a capacidade de recrutamento (dos insurgentes), permitindo-lhes oferecer salários relativamente altos aos habitantes locais na pobreza", além de "atrair desertores das FADM, resultando no aumento da fuga de informações das FADM, bem como maior acesso a armas e munições, contribuindo também para reduzir a moral entre as tropas FADM", adianta.
O aumento de incidentes desde o início de 2019 estará ligado à colaboração com redes criminosas em Cabo Delgado e fluxos de receita crescentes.
Atualmente, adianta a consultora, todas as estradas a norte de Pemba e Montepuez e a leste de Mueda estão sob o controlo dos insurgentes e as emboscadas rodoviárias são sistemáticas, tornando a rota marítima de Palma a Pemba a mais segura.
A análise de dados do conflito mostram que as táticas dos insurgentes parecem ter mudado, de destruição de aldeias "para controlo do território, aumento do uso de decapitações e ataques relativamente mais sofisticados a cidades maiores e estrategicamente mais importantes como Mocímboa da Praia e Palma", conclui.
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