Depois de horas de protesto, Xanana Gusmão deitou-se numa esteira para "descansar", segundo explicou um dos membros da sua equipa, indiciando que o impasse em torno ao caso se mantém, apesar de sinais de uma possível solução de compromisso.
As redes sociais encheram-se ao final da noite de fotos do líder timorense, deitado no chão, ao lado da carrinha cinzenta onde está o caixão preparado pela família da vítima, que rejeita o diagnóstico de covid-19 e o protocolo para funerais nestas situações e exige reaver o corpo e realizar os ritos tradicionais.
Horas antes, havia sinais de um acordo de compromisso que permitira à família enterrar o homem, de 46 anos, no cemitério onde pretendiam, Manleuana, em Díli, desde que cumprindo os protocolos sanitários, em vez de o funeral ocorrer num cemitério preparado para casos positivos da covid-19 em Metinaro, a leste de Díli.
Fontes envolvidas no processo explicaram à Lusa que a solução de compromisso, negociada pelo Centro Integrado de Gestão de Crise (CIGC), poderá não ter tido o acordo do Ministério da Saúde e do Governo, que não quer abrir aqui um precedente.
A Lusa tentou confirmar esta informação junto de fonte oficial, mas até agora sem sucesso.
A polémica do caso -- relacionado com a segunda morte em Timor-Leste de uma pessoa infetada com covid-19 -- começou de manhã, quando a família de Armindo Borges contestou a decisão das autoridades realizarem o funeral
Xanana Gusmão chegou ao local pouco depois das 08:00, criticando a ação das autoridades de saúde, contestando o diagnóstico de covid-19 e atacando a gestão do Governo do caso e da pandemia em geral.
Durante o dia, vários responsáveis timorenses tentaram dissuadir e convencer Xanana Gusmão, incluindo a ministra da Saúde, Odete Belo, o número dois da Sala de Situação do CIGC, Aluk Miranda, e outro dos coordenadores, o comodoro Pedro Klamar Fuik.
Todos tentaram argumentar sobre a necessidade de respeitar o protocolo definido para mortes de pessoas infetadas, mas Xanana Gusmão rejeitou os argumentos, insistindo que a postura das autoridades não fazia sentido e que o homem tinha morrido de outras doenças.
A dado momento da discussão, Xanana Gusmão chegou mesmo a dizer que ia "dizer ao povo que se estiverem doentes não devem ir ao hospital porque se forem vão ser tratados como covid-19 imediatamente".
"Vou ficar aqui até a família poder levar o corpo", insistiu.
Depois da visita de Pedro Klamar Fuik ao local, uma equipa de funcionários da saúde entrou no centro de isolamento com plásticos laranja nas mãos, com indicações de que iriam preparar o corpo, incluindo desinfeção, colocando em plástico e, posteriormente, num saco mortuário.
A movimentação sugeriu que o fim do impasse estaria próximo, mas horas depois continua sem haver uma solução final.
Vídeos amadores de vários dos momentos do dia suscitaram críticas, depois de se ver Xanana Gusmão a esbofetear pelo menos duas pessoas, uma delas familiar do falecido e de fazer várias críticas a responsáveis de saúde timorenses.
Xanana Gusmão esteve no local rodeado de vários apoiantes mais próximos, incluindo deputados e dirigentes do seu partido, o Congresso Nacional da Reconstrução Timorense (CNRT), e elementos da segurança da força política.
Nos dois acessos à rua onde está o centro de Vera Cruz e nas imediações do centro em si, centenas de efetivos policiais mantiveram um apertado cordão de segurança, travando grupos de centenas de manifestantes que, ao início da manhã, se juntaram em apoio a Xanana Gusmão.
Entre os apoiantes, muitos deles jovens, ouviram-se várias críticas não apenas à questão da covid-19 mas, particularmente, à situação socioeconómica difícil com que vive a população de Timor-Leste, em virtude das medidas implementadas para responder à covid-19.
Responsáveis do CIGC admitiram durante a tarde que poderiam recorrer à força, caso sejam fossem impedidos de retirar o cadáver do homem, natural de Ermera, do centro Vera Cruz.
"Claro que vai haver resistência, mas vamos tentar esclarecer a situação e, em último caso, podemos ser obrigados a tomar medidas de força em relação a esta questão", disse o brigadeiro-general João Miranda 'Aluk'.
O coordenador da 'task-force' para a Prevenção e Mitigação da covid-19, Rui Araújo, explicou que o homem de 46 anos entrou no Hospital Nacional Guido Valadares (HNGV) com um quadro grave, com tensão elevada, respiração dificultada e hemorragia, tendo-lhe sido feito o teste PCR à covid-19.
"O resultado foi positivo com um nível ativo elevado de 25.1. O paciente foi transportado para Vera Cruz e foram recolhidas análises a três pessoas da família, das quais duas tiveram resultados positivos: ou seja, três dos quatro habitantes da casa deram resultado positivo", afirmou.
Rui Araújo mostrou-se sensibilizado com a importância dos rituais, usos e costumes, mas recordou que o vírus "está a propagar-se desenfreadamente, não só em Díli, mas noutras partes do território" e que todos devem cumprir as regras de saúde pública.
Na sequência da polémica, o primeiro-ministro de Timor-Leste encorajou hoje os médicos "a continuarem a trabalhar, a não ficarem tristes e nem perderem a esperança porque o Governo e o Estado" estão ao lado dos profissionais de saúde.
Em comunicado, Taur Matan Ruak referiu que "esta situação está a criar sentimentos negativos de algumas pessoas contra os profissionais de saúde, sendo que algumas pessoas apedrejaram ambulâncias e não têm confiança nos médicos", acrescentando que "esta atitude não ajuda a combater a doença" no país.
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