Médio Oriente. Discípulos de rabino radical contribuem para violência

Na década de 1980, a violenta ideologia anti-árabe do rabino Meir Kahane foi considerada tão repugnante que Israel o expulsou do Parlamento e os EUA classificaram o seu partido como um grupo terrorista.

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Lusa
13/05/2021 22:48 ‧ 13/05/2021 por Lusa

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Médio Oriente

Hoje, os discípulos de Meir Kahane marcham pelas ruas às centenas, cantando "Morte aos árabes" e atacando aqueles que encontram, no momento em que se assiste a uma escalada de violência entre Israel e o movimento islâmico xiita Hamas, num conflito que dura há quatro dias.

Ao longo dos últimos dias, os discípulos de Kahane contribuiram para uma onda de violência em Jerusalém e outras cidades israelitas, onde árabes e judeus se atacam mutuamente, em atos de vandalismo.

Ainda hoje, em Tel Aviv, dois homens judeus atacaram um jornalista que cobria um encontro de ultranacionalistas; na cidade de Lod, no centro de Israel, um judeu foi baleado e gravemente ferido por um árabe; em Jaffa, um soldado israelita foi atacado por um grupo de árabes e foi hospitalizado em estado grave.

Os israelitas chocados com a violência que assola a região consideram o extremismo de direita uma aberração sórdida ou uma reação à violência palestina, contudo, para os cidadãos árabes, que representam 20% da população de Israel, os discípulos de Kahane são uma consequência natural de um sistema discriminatório - normalizado por alguns líderes tradicionais que compartilham dos seus pontos de vista.

Os admiradores de Kahane foram eleitos para o Parlamento em março, como aliados do partido Likud, do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, e um dos mais proeminentes tornou-se mesmo presença frequente na televisão israelita.

O ressurgimento das ideias do rabi Meir Kahane contribuiu para a volatilidade do conflito que se vive no Médio Oriente, dando razão aos que defendem uma viragem mais conservadora em Israel, onde os discípulos de Kahane não estão sozinhos na adoção de uma linha dura em relação aos palestinianos e nas ideias anti-árabes.

Os partidos de direita que apoiam os colonatos judeus e se opõem à independência palestiniana conquistaram a maioria dos lugares parlamentares, nas eleições de março, e Netanyahu e outros líderes de direita costumam considerar a minoria árabe de Israel como uma espécie de "quinta coluna" - a menos que precisem dos seus votos.

Durante o seu único mandato no Parlamento, em meados da década de 1980, e antes de ser expulso, Kahane foi evitado por colegas, incluindo os deputados do Likud, e muitas vezes acabava a fazer discursos para uma câmara vazia.

A sua agenda racista defendia a proibição dos casamentos mistos entre árabes e judeus, privando os árabes da sua cidadania israelita, bem como a expulsão em massa de palestinianos, acabando por ser suspenso de funções por ter acenado com uma corda a um deputado árabe.

Kahane foi proibido de concorrer nas eleições de 1988 e, dois anos depois, foi assassinado por um egípcio-americano, em Nova Iorque, mas a sua ideologia de ódio manteve a influência em vários círculos de Israel.

Em 1994, o discípulo Baruch Goldstein abriu fogo num local sagrado na cidade ocupada de Hebron, na Cisjordânia, matando 29 fiéis muçulmanos e ferindo mais de 100, o que levou Israel e os EUA a rotularem o seu movimento como grupo terrorista.

Em março, outro admirador do falecido rabino, que durante anos manteve uma foto de Goldstein na parede da sua sala de estar, foi eleito para o Parlamento de Israel.

Itamar Ben-Gvir juntou-se ao Parlamento eleito pela fação de sionismo religioso, um bloco de partidos de extrema-direita que se reuniram a pedido de Netanyahu, para que nenhum caísse abaixo do limiar eleitoral.

Desde então, Ben-Gvir tem feito aparições frequentes nos 'media', exibindo um comportamento alegre e um talento para desviar as atenções e as críticas enquanto brinca com apresentadores de televisão e de rádio.

"Ele é um bom orador e sabe jogar o jogo", disse Shuki Friedman, um especialista em extrema-direita de Israel no Instituto de Democracia de Israel, referindo-se a visitas provocatórias a zonas árabes onde tem sido uma presença frequente, reunindo simpatizantes ultranacionalistas.

Na semana passada, Ben-Gvir montou um "gabinete" parlamentar ao ar livre num bairro árabe de Jerusalém Oriental, onde colonos judeus estão a tentar expulsar palestinianos das suas casas, provocando a confusão.

Mais tarde, pediu para a polícia disparar contra os manifestantes palestinianos no complexo da mesquita de Al-Aqsa, um local sagrado para judeus e muçulmanos.

Um 'rocket' de longo alcance do Hamas, disparado contra Jerusalém na segunda-feira, interrompeu o desfile do Dia de Jerusalém, que celebra a anexação de Israel de Jerusalém Oriental, chocando os israelitas e sendo condenado por políticos de todos os quadrantes, incluindo os de extrema-direita.

Os 'media' israelitas dizem que o chefe da polícia culpou Ben-Gvir por incitar a uma "intifada" judaica, termo em árabe usado para referir as revoltas palestinianas.

Como advogado com uma longa história de defesa de extremistas judeus acusados de atacar árabes, Ben-Gvir teve o cuidado de não entrar em conflito com as leis contra o incitamento.

Ben-Gvir tornou-se uma figura nacional pela primeira vez quando, em 1995, partiu um objeto no capô do carro do então primeiro-ministro Yitzhak Rabin.

Desde então, Israel mudou ainda mais para a direita, impulsionado pelo fracasso dos esforços de paz, repetidas vagas de violência e mudanças demográficas.

Os partidários de Ben-Gvir são em grande parte judeus religiosos e ultraortodoxos, que tendem a ter famílias numerosas.

Netanyahu esperava explorar essa situação, criando um bloco de extrema-direita com Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, outro ultranacionalista.

Ironicamente, foram estes que frustraram o plano de Netanyahu, ao bloquear a possibilidade de se entender com um pequeno partido árabe, necessário para garantir uma maioria parlamentar.

Os cidadãos palestinianos de Israel veem Ben-Gvir como o último de uma longa linha de políticos israelitas - incluindo Netanyahu - que os trataram como cidadãos de segunda classe, numa das muitas queixas que explicam os recentes protestos e confrontos com a polícia.

Leia Também: Jerusalém: Alemanha terá "tolerância zero" com atos antissemitas no país

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