Blaise Compaoré, que sucedeu a Sankara no poder, é acusado de cumplicidade, atentado contra a segurança do Estado e ocultação de cadáveres, e está a ser julgado à revelia, por ter recusado comparecer em tribunal.
Compaoré, hoje com 70 anos, vive na Costa do Marfim, onde está exilado desde que foi derrubado, em 2014, e goza de nacionalidade costa-marfinense, que o protege da extradição e de um mandado de captura internacional emitido pelo Burkina Faso há seis anos.
Os advogados de Compaoré justificaram na semana passada a ausência do antigo Presidente, denunciando o que consideraram "um julgamento político" perante "um tribunal de exceção".
O antigo braço direito do Compaoré, general Gilbert Diendere, chefe da sua segurança pessoal e a cumprir uma pena de prisão de 20 anos por tentativa fracassada de golpe de Estado em 2015, também se encontra entre os acusados.
O julgamento, que deverá durar vários meses, e há muito esperado pelas famílias das vítimas do golpe de 1987 que levou Blaise Compaoré ao poder, será mantido sob forte vigilância pelas forças de defesa e segurança num país atormentado pela violência 'jihadista' desde 2015.
Para Stanislas Benewendé Sankara - sem laços familiares com Thomas Sankara -, advogado da família do líder "revolucionário" desde 1997, "a ausência de Compaoré é um desprezo pela justiça do seu país de origem" e "denota, de alguma forma, também a sua eventual culpa".
"Mesmo que este julgamento ainda não seja o fim do túnel, estamos a iniciar uma reviravolta judicial, que é muito importante", acrescentou o advogado, citado pela comunicação social local.
Thomas Sankara, que chegou ao poder num golpe de Estado em 1983, foi morto com doze dos seus companheiros por um comando durante uma reunião na sede do Conselho Nacional da Revolução (CNR) em Ouagadougou. Tinha 37 anos de idade.
Braço direito de Sankara, Blaise Compaoré sempre negou ter ordenado o assassínio do seu "irmão em armas" e "amigo íntimo", apesar de o golpe de 1987 o ter levado ao poder.
Soldados da antiga guarda presidencial de Compaoré, incluindo um antigo oficial, Hyacinthe Kafando, suspeito de ter sido o líder do comando e atualmente em fuga, estão também entre os acusados.
Durante uma viagem a Ouagadougou em novembro de 2017, o Presidente francês, Emmanuel Macron, prestou homenagem à memória de Thomas Sankara e anunciou o levantamento do segredo de defesa sobre documentos relacionados com o seu assassínio, há vários anos solicitados pelo Burkina Faso.
A organização internacional "Justice for Thomas Sankara, Justice for Africa" saudou o julgamento, mas assinalou igualmente o risco de este vir a ser "amputado da parte internacional do caso", que poderia "lançar luz" sobre o papel da França, dos Estados Unidos e de países da África Ocidental, como a Costa do Marfim de Félix Houphouët Boigny e o Togo de Gnassingbé Eyadema, colocados, na altura, em causa pela posição anti-imperialista tomada por um jovem revolucionário, adulado pela juventude africana.
Thomas Sankara deixou uma marca indelével em África, onde ficou conhecido com o "Che Guevara Africano". Foi um líder icónico, assumiu o poder muito jovem, com apenas 39 anos, na sequência da revolução de 4 de agosto de 1983, onde combateu ao lado dos seus irmãos de armas e se assumiu como "protagonista de uma história fantástica de amizade e solidariedade entre as revoluções africanas dos anos 80", na expressão de Carine Kaneza-Nantulya, diretora para os Assuntos Jurídicos na divisão de África da organização não-governamental de defesa dos Direitos Humanos norte-americana Human Rights Watch, em declarações à Lusa.
Logo no ano seguinte à sua chegada ao poder, Sankara mudou o nome do país, numa tentativa de enterrar com as insígnias da República do Alto Volta a herança do poder colonial francês. O país de Sankara passou a chamar-se República Democrática e Popular do Burkina Faso, que significa "país do povo honesto".
O "Che Africano", que queria "descolonizar as mentalidades" e perturbar a ordem mundial através da defesa dos pobres e oprimidos, acabaria por ser assassinado em 15 de outubro de 1987, juntamente com 12 dos seus companheiros que faziam parte do núcleo duro da sua "entourage" política.
O julgamento que hoje se inicia em Ouagadougou "é importante", não apenas para a família de Thomas Sankara, mas também "pelo povo do Burkina Faso". Sankara faz parte da herança política daquele país. É importante que a justiça seja feita", sublinhou Kaneza-Nantulya.
"Mas este processo também nos faz pensar nas atuais exigências de justiça e de responsabilização por crimes recentes", contrapôs a ativista.
"Perguntamos quando será trazido perante a justiça o massacre de mais de 130 civis em Solhan, no nordeste do Burkina Faso, em junho último. E os massacres em 2018, 2019, e 2020 no Sahel? E o alegado massacre em Djibo, no norte do Burkina Faso, de 31 detidos pelas forças de segurança? Estamos a falar de coisas que aconteceram no ano passado (2020)", sublinhou.
"E tem havido muito poucos progressos no quadro da justiça em relação a estes casos", rematou Kaneza-Nantulya.
"As investigações do HRW mostram muito claramente que um dos principais motores do recrutamento por parte dos grupos radicais islâmicos a atuar no Sahel é a impunidade, a falta de responsabilização dos autores das violências e a continuação do ciclo de abusos cometidos pelas forças de segurança durante operações de contraterrorismo", reforçou a responsável da organização não-governamental de defesa dos Direitos Humanos.
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