Moçambique: Deslocadas criam poupança solidária com sonho de voltar

Concretizar o sonho de regressar a casa custa cerca de três euros por mês, conseguidos a custo por cada mulher num sistema de poupança solidária em Ngalane, campo de deslocados de guerra no norte de Moçambique.

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Luís Miguel Fonseca
25/10/2021 09:37 ‧ 25/10/2021 por Luís Miguel Fonseca

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Moçambique

 

São 200 meticais (2,70 euros), um valor elevado para quem perdeu tudo e vive de donativos, mas Muanansali Dade, 49 anos, faz biscates todos os dias, sobretudo a limpar campos de cultivo (machambas) de quem precisa. E assim consegue juntar aquela quantia para ao fim do mês contribuir para o 'xitique'.

Ela lidera um grupo de poupança - 'xitique' na tradição regional - composto por 25 mulheres deslocadas a viver no campo de reassentamento de Ngalane, em Metuge, junto a Pemba, capital provincial de Cabo Delgado.

A cada tarde do último domingo do mês, as participantes encontram-se debaixo de uma mangueira frondosa.

Sentam-se no chão ou sobre as lonas doadas por organizações de socorro, dispõem comida confecionada para a ocasião e entregam a uma das pessoas do grupo, previamente selecionada, o valor de 200 meticais (2,69 euros) cada uma. 

A cada mês há uma selecionada e o resultado da poupança há-de chegar a todas, assim manda a tradição desta secular forma de amealhar, que também é a que ajuda famílias e dá esperança em Cabo Delgado.

As mulheres juntam-se sob um nome: grupo Kulipilila, que na língua quimuâni significa "suportar", algo que fazem juntas desde maio.

Maimuna Antumane, 52 anos, está feliz: foi uma das primeiras do grupo a receber o fruto do 'xitique' num valor total de 4.800 meticais (65 euros).

"Vou guardar para voltar para Quissanga", disse a mãe de quatro filhos, com idades entre os cinco a 27 anos, todos fora da escola.

Antes dos ataques rebeldes a vida já era difícil naquela vila costeira, mas com a guerra o cenário piorou: Maimuna perdeu tudo.

O 'xitique' pode ser o caminho "para recomeçar", diz, desde logo para substituir a rede de pesca, seu sustento, queimada durante os ataques.

Anatércia Carlos, 37 anos, uma das mais novas do grupo Kulipilia, mãe de quatro filhos, não se quer lembrar do passado e dos dias em que fugiu dos tiros de insurgentes com as crianças. 

"Foram dois dias sem sono, o meu irmão foi raptado e até hoje não sei do seu paradeiro. Será que está vivo?", questiona, dizendo que ele era tudo para ela, num mundo em que ambos nunca chegaram a conhecer o pai.

"O 'xitique' é bem-vindo. Quero comprar produtos para ir vender em Quissanga", referiu, também em quimuâni, língua corrente na vila que tiveram de abandonar.

A chefe do grupo, Muanansali Dade, supervisiona o encontro, sem perder as crianças de vista. 

Tal como as companheiras de 'xitique', deixou tudo, incluindo as redes que outrora usara na pesca, perdeu os documentos, passou sete dias a fugir, sem água nem comida para juntamente com seis filhos escaparem à violência.

Agora olha para outros horizontes: o grupo de poupança é uma das formas de voltar a sonhar com uma vida melhor após a guerra.

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