"É um misto de tristeza e revolta, estando longe da nossa pátria amada, estamos assistindo, sem poder ajudar muito, o nosso país natal, a terra dos nossos antepassados, sendo atacados e dilacerados por uma força cruel e impiedosa", desabafa, à Lusa, Yatsyuk, 47 anos, 30 dos quais passados em Moçambique, onde veio ainda adolescente com a mãe Lioudmila Macassele.
Devido aos intensos bombardeamentos da aviação russa, os tios e sobrinhos têm dormido numa estação de metro em Kiev, capital ucraniana, num cenário dramático, tendo em conta que alguns desses familiares são "já de idade avançada".
Sente "imensa dor" com a morte de "defensores" ucranianos -- o nome pelo qual são conhecidos os voluntários armados por Kiev para defender o país da invasão -, perda de civis e com a destruição de infraestruturas económicas e sociais por um país atacante "que nem as leis da guerra respeita".
Assume que também lhe causa um aperto no coração ver milhares de compatriotas a fugir pela vida, ao quinto dia da guerra movida de fora do país.
Gestor turístico e antigo docente em Moçambique, Dmytro Yatsyuk não tem dúvidas sobre a agenda do Presidente Vladmir Putin.
"O objetivo principal é aniquilar e destruir toda e qualquer soberania ucraniana, tentando garantir o desaparecimento da Ucrânia como uma entidade independente. Para conseguir este objetivo, o regime russo planeia e usa o terror", considera.
"O regime instalado no Kremlin", prossegue, é sustentando por uma "ideologia neofascista" e alimentado por uma narrativa de superioridade em relação aos outros povos.
Os russos "estão a seguir a ideologia neofascista do assim chamado ´mundo russo`, que tem como um dos pilares dessa ideologia a negação total e absoluta da existência da Ucrânia como entidade independente"
A língua, cultura e tradições ucranianas são vistas pelo poder na Rússia como sinal de desafio e maior afronta à própria existência, refere.
E no que Dmytro Yatsyuk vê como "derivas de um ditador", Vladimir Putin conta com "uma grande cumplicidade de uma parte da sociedade russa" intoxicada por uma intensa propaganda e por anos de repressão pelo Kremlin.
Yatsyuk toma nota de uma exceção extraordinária: ver centenas de cidadãos russos rasgarem o passaporte em sinal de repúdio às ações belicistas do seu líder e tantos outros predisporem-se a irem à prisão, que é o que normalmente acontece a quem se manifesta na Rússia.
Entende que se o mundo não agir energicamente contra as ações militares de Vladimir Putin, a Rússia não vai parar por ai e todo o báltico e as nações que já estiveram sob a órbita da extinta União Soviética estarão em risco.
O gestor turístico, atualmente diretor administrativo de uma empresa em Moçambique, diz que conhecendo os seus compatriotas, a Ucrânia não irá capitular e vai lutar até "ao último homem e última mulher".
Da comunidade internacional, principalmente da NATO e da União Europeia (UE), Dmytro Yatsyuk diz que esperava mais, mas aplaude a aplicação de sanções económicas sem precedentes já anunciadas, nomeadamente a disrupção do sistema financeiro russo, com a sua exclusão do esquema de pagamentos internacionais "SWIFT".
"Prevejo a destruição da economia russa e um rebaixamento abrupto da qualidade de vida dos russos. O sistema bancário russo foi excluído do sistema de pagamentos internacional, vai haver uma corrida da população aos bancos e às ATM para tentar salvar as suas economias e prevejo a queda extremamente drástica das bolsas russas", considera.
A Ucrânia, avança, precisa desesperadamente de armas e os anúncios do Ocidente de fornecimento de material bélico são bem-vindos.
Por outro lado, a guerra lançada por Moscovo pode causar um efeito contraproducente para o Kremlin, intensificando as aspirações da população ucraniana à adesão à UE e NATO, cuja acessão é veementemente recusada por Vladimir Putin, observa.
Sobre o silêncio do Governo de Maputo, que é também seu -- porque já tem igualmente a nacionalidade moçambicana -, em relação à "invasão", Dmytro Yatsyuk prefere ser abstrato.
"Cada país tem a liberdade de adotar a sua postura em relação ao que se passa, no fim, a Ucrânia saberá avaliar quem foi amigo e quem não foi", assinala.
Quanto ao facto de os laços históricos entre a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido no poder, e a ex-URSS estarem a inibir Maputo de se pronunciar sobre a guerra, Dmytro Yatsyuk considera que pode estar a faltar sentido de memória, porque a Ucrânia dava uma parcela importante da ajuda que Moscovo canalizou aos aliados comunistas africanos, no tempo da União Soviética.
"Sinto também que a realidade ucraniana é muito desconhecida e que o meu país paga por tabela por um antiamericanismo primário que muitos cidadãos do mundo sentem, levando-os a ver a Ucrânia como um aspirante a fantoche ou anexo do ocidente", nota.
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