Invasão russa na Ucrânia reordenou relações internacionais

A invasão russa da Ucrânia, há uma semana, provocou alterações nas relações internacionais, com a Rússia mais isolada do que nunca e o Ocidente unido, mas também significou o regresso da ameaça nuclear.

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© REUTERS

Lusa
03/03/2022 15:31 ‧ 03/03/2022 por Lusa

Mundo

Ucrânia

Ao justificar a invasão, o presidente Vladimir Putin avisou que quem tentasse impedir a Rússia de atingir os seus objetivos na Ucrânia iria sofrer "consequências nunca vistas na sua história", no que foi interpretado como uma referência a armas nucleares.

Uns dias mais tarde, colocou em alerta o sistema de dissuasão nuclear do exército russo, suscitando inquietação em muitas capitais do mundo, e, desde então, Moscovo tem alertado que uma terceira guerra mundial será uma guerra nuclear.

Algumas questões geopolíticas provocadas pela invasão da Ucrânia destacadas pela agência de notícias francesa AFP:

 

Rússia, um Estado pária

A ofensiva de Moscovo marca um ponto de viragem global.

Em primeiro lugar, "destruiu as esperanças de que a Europa pós-Guerra Fria pudesse ser poupada a uma grande guerra", disse Ali Wyne, da empresa de análise de risco Eurasia Group.

O Velho Continente e os Estados Unidos, bem como o secretário-geral da ONU, António Guterres, estão unidos na denúncia de uma violação flagrante dos princípios que estão no cerne do sistema internacional estabelecido após a Segunda Guerra Mundial.

Acima de tudo, a resposta foi tão "massiva" e "rápida" como prometido pelos líderes ocidentais. Do sistema financeiro aos oligarcas, através de um verdadeiro bloqueio aéreo europeu e da exclusão das grandes competições desportivas, uma avalanche de sanções sem precedentes caiu sobre esta grande potência.

"No futuro, a Rússia será um pária e é difícil imaginar como será capaz de restaurar um semblante de normalidade nas suas interações internacionais", advertiu Sarah Kreps, uma professora da Universidade de Cornell.

 

A NATO a sair da fase de "morte cerebral"

O presidente francês, Emmanuel Macron, decretou no final de 2019 a "morte cerebral" da Aliança Atlântica, minada por desacordos e pela ação do antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump.

Quando Joe Biden chegou à Casa Branca, encorajou a NATO a participar na sua demanda contra a China, provocando novas tensões entre Estados que sentiam que esta não era a razão de ser da organização, de 30 membros.

Nascida no início da Guerra Fria para colocar a Europa sob o guarda-chuva nuclear norte-americano face à União Soviética, esta aliança transatlântica está agora a redescobrir o seu "melhor inimigo" enfrentando uma vez mais Moscovo.

Para Ali Wyne, "a invasão russa fortaleceu a NATO e reforçou o alinhamento transatlântico", mesmo que não haja garantias de que esta nova coesão leve a uma "abordagem partilhada a longo prazo" para combater a Rússia.

 

Acelerar a defesa europeia

"A Europa será feita de crises e será a soma das soluções trazidas a estas crises", escreveu Jean Monnet, considerado o arquiteto da unidade europeia, no que é mais uma vez confirmado.

Num movimento para acelerar a Europa da defesa desejada pela França, mas há muito tempo no limbo, os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) decidiram dedicar 450 milhões de euros para financiar o fornecimento de armas letais à Ucrânia. A decisão de caráter histórico (acontece pela primeira vez na história do bloco europeu) veio como uma surpresa, de tal forma que contrasta com o tradicional adiamento de decisões.

O movimento mais espetacular foi feito em Berlim: rompendo com a sua doutrina, a Alemanha decidiu entregar armas letais a Kyiv, numa decisão seguida pela Suécia e Finlândia.

O chanceler alemão, Olaf Scholz, acompanhou esta rutura com outro anúncio, ao divulgar um grande aumento das despesas militares para modernizar o exército da Alemanha.

 

Neutrais a escolher os lados

"Neutralidade não é indiferença", declarou o Presidente da Confederação Helvética, Ignazio Cassis, para justificar outra grande mudança: a Suíça, um centro bancário internacional, mas também um país neutro que dias antes da invasão tinha acolhido tensas reuniões entre diplomatas norte-americanos e russos, optou por apoiar as drásticas sanções económicas da UE contra Moscovo.

Esta não é a única saída do estatuto de não-alinhado.

A Finlândia e a Suécia nunca estiveram tão perto de se candidatarem à adesão à NATO, e países como o Japão, a Coreia do Sul, a Austrália e Singapura uniram-se contra a invasão.

Outros, como a Índia e os Emirados Árabes Unidos, apesar da pressão diplomática norte-americana, abstiveram-se de se juntar ao coro de condenação absoluta.

Embaraço chinês

O presidente da China, Xi Jinping, ofereceu o seu apoio a Vladimir Putin pouco antes da ofensiva russa. A posição de Pequim está agora sob escrutínio, especialmente para saber até que ponto a superpotência asiática será capaz de compensar os efeitos das sanções ocidentais.

A China não condenou a invasão, mas tem sido cautelosa, optando por se abster em vez de vetar quando o Conselho de Segurança da ONU deplorou a agressão da Rússia, apelando para negociações e expressando a Kyiv "profundo pesar" pela guerra.

Ali Wyne acredita que as autoridades chinesas estão "num impasse".

"Quanto mais longo e sangrento for o conflito, mais difícil será para a China equilibrar o seu apoio às exigências russas com o seu desejo de evitar mais opróbrio transatlântico", disse.

 

A arma atómica é um pouco menos tabu

O Presidente Putin ordenou, no domingo, em frente às câmaras, o alerta da força dissuasora do exército russo, que inclui o seu imenso arsenal nuclear.

"Os líderes russos têm feito referências ao seu arsenal nuclear na esperança de dissuadir o Ocidente de reforçar as defesas da Ucrânia", disse Sarah Kreps.

O problema é que "isto corrói o tabu nuclear de décadas", acrescentou.

Leia Também: "Esta é a luta das pessoas. Putin não tem hipótese de ganhar"

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