Andrei Kozyrev, o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros da Federação Russa após a dissolução da União Soviética, afirmou no domingo que o presidente russo, Vladimir Putin, é “racional” e não irá recorrer a “armas nucleares” na invasão da Ucrânia.
“Há muitas discussões sobre a ameaça de uma guerra nuclear por parte do Kremlin e sobre se Putin é racional”, começou por afirmar na rede social Twitter.
Na ótica de Kozyrev, que foi ministro entre 1990 e 1996, durante a presidência de Boris Yeltsin, Putin “é um ator racional” e a Rússia não “utilizaria armas nucleares”.
Numa referência às análises sobre o estado mental e as ações do presidente russo - que as secretas norte-americanas acreditam ter sido impactadas pelos dois anos de isolamento devido à pandemia de Covid-19 - o político afirma que “começaram porque a maioria das pessoas, principalmente do Ocidente, vê a decisão de invadir a Ucrânia como totalmente irracional”. Mas Kozyrev, discorda: “É horrível, mas não irracional”.
To understand why the invasion was rational for Putin, we have to step into his shoes. Three beliefs came together at the same time in his calculus:
— Andrei V Kozyrev (@andreivkozyrev) March 6, 2022
1. Ukraine’s condition as a country
2. Russian military’s condition
3. The West’s geopolitical condition
Para entender as ações de Putin é necessário “entrar no lugar dele” e há três pontos essenciais para “entender que a invasão foi racional”.
O primeiro prende-se com a “condição da Ucrânia como país” e com o facto de Putin ter passado “os últimos 20 anos a acreditar que a Ucrânia não é uma nação real e, na melhor das hipóteses, deveria ser um estado satélite”. “[A revolução] Maidan acabou com qualquer esperança de manter a Ucrânia independente e pró-Kremlin. Ele [Putin] achava que o Ocidente estava por trás disso”, explicou, acrescentando que o russo “começou a acreditar na sua própria propaganda de que a Ucrânia era liderada por nazis” e na “necessidade de ‘desnazificar’" o país .
O segundo ponto está relacionado com a “condição dos militares russos”. “O Kremlin passou os últimos 20 anos a tentar modernizar as suas forças armadas. Grande parte deste orçamento foi roubado e gasto em mega-iates no Chipre. Mas, como conselheiro militar, não se pode dizer isso ao presidente. Então eles disseram mentiras em vez disso”, considerou.
Por último, existe a “condição geopolítica do Ocidente” e a “elite governante russa acreditar na sua própria propaganda de que o presidente Biden [dos Estados Unidos da América] é mentalmente inapto”. Além disso, as elites “também achavam que a União Europeia era fraca por causa de quão inúteis foram as suas sanções em 2014”, aquando da invasão russa da Crimeia. Depois, os “EUA fracassaram a sua retirada do Afeganistão, solidificando essa narrativa”.
Então, “se acreditarmos” que os três pontos são “verdadeiros” e que o objetivo de Putin é “restaurar a glória do Império Russo”, é “perfeitamente racional invadir a Ucrânia”.
“Ele calculou mal em todos os três pontos, mas isso não o torna louco. Simplesmente errado e imoral”, atirou.
Em suma, na opinião do antigo ministro, Putin “é racional” e, por isso, acredita “fortemente que não utilizará intencionalmente armas nucleares contra o Ocidente”. Mas, “bombardeamentos indiscriminados perto de uma central nuclear podem causar um desastre nuclear não intencional na Ucrânia”.
E mais: “A ameaça de uma guerra nuclear é outro exemplo da sua racionalidade. O Kremlin sabe que pode tentar extrair concessões, seja da Ucrânia ou do Ocidente, ao sacudir a sua última carta do baralho: as armas nucleares”.
“A conclusão final aqui é que o Ocidente não deve concordar com nenhuma concessão unilateral ou limitar demais o seu apoio à Ucrânia por medo de uma guerra nuclear”, considerou.
Andrei Kozyrev tem sido um crítico ativo da invasão russa da Ucrânia. Na semana passada, afirmou que a ação da Rússia era um “ato bárbaro” e que nunca poderia imaginar um acontecimento semelhante quando era ministro dos Negócios Estrangeiros. Antes, havia pedido aos diplomatas russos para se demitirem dos seus cargos como forma de protesto.
Leia Também: AO MINUTO: Corredores humanitários em quatro cidades; Novas sanções