O mineiro que viveu um mês numa cave com medo do "inferno" das explosões

Ivan chegou na segunda-feira a Dnipro, no leste da Ucrânia, depois de ter estado a viver com a mulher um mês na cave, com medo das explosões e das bombas em Sievierodonetsk, com um coelho numa gaiola e a mesma roupa desde o início da guerra, 24 de fevereiro.

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Lusa
28/03/2022 19:18 ‧ 28/03/2022 por Lusa

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Ucrânia

 

Hoje "custou-me muito ver a luz do dia. Mas eu fui mineiro 20 anos, para a minha mulher foi pior, ainda lhe custa ver bem as coisas", diz à Lusa, na Igreja Central Baptista de Dnipro, o primeiro ponto de chegada da viagem depois do "inferno de um mês".

De barrete escuro, roupa escura e barba branca escurecida pela fuligem, Ivan Ovna, 66 anos, é a face derrotada dos civis que fogem da guerra. "Só ouvia explosões, bombas, tiros. A minha casa, que construí com as minhas mãos depois de me reformar, já não existe", desabafa em russo, falando rápido como se tentasse descrever a violência que viveu.

"Em 2014, tive tiros ao pé e fiquei com medo. Mas agora foi a destruição completa. Não resta nada, só paredes, sem telhado e a cave", explica Ivan, acompanhado da mulher, na sala de refeições da igreja.

De barrete castanho e casacão azul escuro, Natália sussurra ao marido algo impercetível e Ivan tenta explicar. "Até o micro-ondas explodiram", diz, como que pedindo para ficar escrito na notícia.

O casal não tinha muita fome. "Tínhamos muita comida, não havia problema. O problema era o barulho contínuo", explica.

Hoje decidiram arriscar. Souberam que existia um autocarro ao meio-dia numa esquina perto e foram ver. "Vimos, entrámos e não dissemos nada. Trouxe só o coelho para não ficar sozinho lá", explica Ivan, o único que fala à Lusa.

Quem conduzia o autocarro, uma carrinha com mais pessoas que lugares, era Sergii, antigo motorista escolar que dia sim, dia não, arrisca uma viagem de 900 quilómetros entre Dnipro e Sievierodonetsk e regresso, que dura 18 horas.

"É um bocado perigoso. Hoje caiu uma bomba à frente e partiu o farol. Mas de resto não houve problema", explica o motorista, magro e com ar cansado.

Enquanto Sergii fala à Lusa, uma senhora gorda, com um vestido que parecia de gala, abraça-o e insiste em elogiá-lo.

"Este homem merece um monumento. É o nosso salvador. Nós estaríamos mortos", diz a mulher.

Sergii já esteve em Mariupol e em Bergyansk. "Desde que consigamos passar, vamos tentando", mas só através do lado ucraniano. "Não vou para a parte russa, não confio", diz.

A carrinha foi fornecida à organização por Dima, 27 anos, e outro dos motoristas. "O problema é arranjar motoristas que tenham coragem. Temos dois autocarros que fazem todos os dias este caminho".

"Temos de salvar esta gente. Não podemos ficar quietos", explica. Os refugiados tomam banho, comem e recebem algumas roupas novas. Depois são encaminhadas para o oeste da Ucrânia ou para fora do país.

Hoje, Kiev proibiu a circulação em corredores humanitários partilhados com a Rússia, mas esse não é o caso do autocarro de Sergii. Por isso amanhã, a carrinha voltará a partir com outro motorista.

Sievierodonetsk, junto a Luhansk, é uma zona fortemente bombardeada pelas tropas russas a partir de Donbass (zona controlada por independentistas apoiados por Moscovo).

Hoje, no dia em que saiu de casa, Ivan não quer voltar. "Já lá não tenho nada, para quê?".

Leia Também: Forças ucranianas reconquistam cidade de Irpin, alega autarca

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