Para o diplomata norte-americano, que foi subsecretário-geral da ONU para Assuntos Políticos e ex-secretário de Estado adjunto dos Estados Unidos da América (EUA) para o Médio Oriente, Guterres não deverá ser julgado sobre se a sua viagem foi um sucesso ou um falhanço, mas sim sobre se representou os valores e os princípios das Nações Unidas.
"Acho que António Guterres tinha a obrigação de fazer estas deslocações. Penso que as expectativas que todos tínhamos para impactos práticos e tangíveis eram muito baixas, mas isso não minimiza a importância desta viagem, que foi essencial e simbólica", observou Feltman.
"Acho que o secretário-geral tinha a responsabilidade de visitar os dois países e ele fez isso. Foi um lembrete para o mundo sobre o que a ONU significa e o que defende, e quais as obrigações que os países têm ao tornarem-se membros da ONU", salientou o diplomata, que também já foi enviado dos EUA para a região do Corno de África.
Guterres chegou à Ucrânia na última quarta-feira, depois de ter visitado Moscovo, onde pediu ao Presidente russo, Vladimir Putin, que colabore com a ONU para permitir a retirada de civis das áreas bombardeadas, nomeadamente no leste e sul da Ucrânia, onde as forças russas concentram a sua ofensiva.
Esta foi a primeira visita do ex-primeiro-ministro português aos dois países desde que a Rússia lançou uma guerra na Ucrânia, em 24 de fevereiro, provocando o maior movimento de refugiados da Europa em décadas.
Esta viagem aconteceu num momento em que a atuação de Guterres, assim como a própria ONU, têm sido criticadas pela sua incapacidade de travar a guerra ou mesmo de conseguir uma trégua ou um acordo por corredores humanitários.
Contudo, para Feltman, que foi um dos mais de 200 antigos dirigentes da ONU que enviaram uma carta a Guterres com um apelo para que fosse mais proativo em relação ao conflito, a viagem do secretário-geral "foi extremamente importante por três motivos: por razões humanitárias; por ter demonstrado as obrigações e princípios da Carta das Nações Unidas; e por mostrar que este é um problema multilateral, que requer soluções multilaterais".
A nível de assistência humanitária, Guterres tem enfatizado a necessidade de esta fluir e, segundo Feltman, o secretário-geral aproveitou esta viagem para "comprometer as Nações Unidas em fazer a sua parte", de forma a garantir que as pessoas que precisam de ajuda são assistidas.
Além disso, o diplomata dos EUA sublinhou que, ao deslocar-se ao país agressor, o secretário-geral levou consigo o simbolismo dos princípios da Carta da ONU, que determinam resoluções pacíficas de conflitos e o não uso de ameaças, nem de força, entre Estados-membros.
"Guterres precisava de ir a Moscovo para relembrar ao mundo que a ONU nunca descansa das suas obrigações em resolver pacificamente os conflitos. Logo, houve um propósito moral em reforçar, em carregar, os valores da Carta das Nações Unidas", avaliou.
Por fim, ao visitar os dois países, Guterres demonstrou que a resolução para este conflito terá de ser multilateral.
"A resolução não será apenas entre Ucrânia e Rússia. As implicações desta guerra são muito maiores, e envolvem a segurança europeia, segurança alimentar, envolvem muita coisa além de Moscovo e Kyiv e a solução passará muito além das conversas estes os dois países", reforçou o ex-dirigente da ONU.
Contudo, apesar de esperar que esta visita de Guterres acarrete impactos práticos em termos de assistência humanitária à Ucrânia, Feltman disse duvidar de que isso realmente aconteça.
Kyiv foi alvo na quinta-feira de bombardeamentos por parte das forças russas enquanto decorria a visita do secretário-geral da ONU, deixando cerca de dez feridos e um morto.
Logo após os ataques, António Guterres informou estar "seguro", mas "chocado" com a situação.
A Rússia lançou em 24 de fevereiro uma ofensiva militar na Ucrânia que já matou cerca de três mil civis, segundo a ONU, que alerta para a probabilidade de o número real ser muito maior.
A ofensiva militar causou a fuga de mais de 12 milhões de pessoas, das quais mais de 5,4 milhões para fora do país, de acordo com os mais recentes dados da ONU.
A invasão russa foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que respondeu com o envio de armamento para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas e políticas a Moscovo.
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