"Há 10 anos calculava-se a morte de 135 mil crianças numa crise semelhante, (...) no final morreu quase o dobro, a maioria com menos de 5 anos", explicou hoje o diretor-geral da Oxfam Intermon, Franc Cortada, no lançamento do relatório "Atraso Perigoso 2", elaborado por esta organização não-governamental e pela Save The Children.
O diretor da Save The Children lembrou que entre as consequências físicas da desnutrição aguda nas crianças estão os efeitos sobre o sistema imunológico: "o risco é deixar uma geração de crianças numa situação de extrema vulnerabilidade a um monte de doenças".
A falta de nutrientes, acrescentou, também paralisa o desenvolvimento cognitivo dos menores, algo que é impossível recuperar mais tarde.
"Estamos a falar de consequências gigantescas na capacidade destes meninos e meninas de aprender", acrescentou.
O relatório atribui esta nova crise humanitária a duas rações principais: o choque climático, que provocou graves secas na região, e a guerra na Ucrânia.
"Estamos a enfrentar a pior seca dos últimos 40 anos, mas a isto juntou-se algo completamente imprevisível: a guerra entre dois países que são o celeiro do mundo", disse Conde.
Segundo Cortada, "Rússia e Ucrânia fornecem 90% do trigo que se consome no Corno de África", países de onde se importa também produtos como óleo de girassol ou fertilizantes necessários para a agricultura.
O conflito está a gerar um "aumento de preços sem precedentes" na maioria dos produtos importados pela região africana, o que dá uma "perspetiva de crise completamente avassaladora", explicou Conde.
"Não é insensato dizer que muito provavelmente a maior parte das mortes que esta guerra vai gerar não serão pelo conflito armado, mas sim pela fome que vai provocar em muitos outros países", acrescentou.
A ONU fez um apelo de ajuda de emergência para o Corno de África, em que pediu 4.400 milhões de dólares (4.100 milhões de euros) para atender às necessidades da população, mas até agora só recebeu 2% disso.
"O problema que temos agora é o financiamento", disse Cortada. "Sabemos o que temos que fazer, mas continua a faltar mais de 70% do financiamento".
O relatório propõe uma série de medidas para aliviar a crise. Aos países ocidentais, os autores pedem que respondam ao apelo da ONU de forma urgente, assim como o cancelamento da dívida do Corno de África.
Aos Estados afetados, sugerem políticas de proteção social e reforço dos mecanismos de deteção precoce.
Sublinha ainda a necessidade de passar de foco reativo para um proativo, de forma a prevenir futuras crises.
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