O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, respondeu na quarta-feira com duras críticas ao controverso ex-secretário de estado norte-americano, Henry Kissinger, depois deste ter sugerido que a Ucrânia devia ceder os territórios no Donbass para acabar com a guerra.
Numa mensagem de vídeo ao Fórum Económico Mundial, que se realiza em Davos, Zelensky afastou cedências e recordou a 'Política de Apaziguamento' - levada a cabo pelo Reino Unido no prelúdio da Segunda Guerra Mundial, no final dos anos 30, que permitiu à Alemanha nazi anexar uma série de territórios sem resistência.
"Parece que o calendário do senhor Kissinger está em 1938, e não em 2022, e ele pensou que estava a falar para uma audiência, não em Davos, mas em Munique", atirou o líder ucraniano.
Através da 'Política de Apaziguamento, o Reino Unido, liderado na altura por Neville Chamberlain, permitiu que a Alemanha anexasse uma parte da Checoslováquia e outros territórios, na esperança de acabar com a hipótese de guerra, no Acordo de Munique. Tal acabaria por não acontecer, e a Alemanha liderada por Hitler invadiu a Polónia menos de um ano depois da assinatura do acordo.
Zelensky, numa tentativa de apontar um eventual paradoxo, referiu ainda o passado da família de Kissinger, que era judaica e fugiu da Alemanha em 1938, quando o diplomata tinha apenas 15 anos.
Na terça-feira, Henry Kissinger criticou o armamento da NATO às forças ucranianas, afirmando que um prolongamento da guerra só dificultaria negociações com a Rússia. Kissinger - conhecido pelo seu papel como secretário de estado dos EUA durante a Guerra Fria, responsável pelo apoio dos norte-americanos a ditadores na América Latina, pela saída do Vietname e pela política de 'Détente' com a União Soviética -, argumentou também novas fronteiras entre a Ucrânia e a Rússia deviam ser definidas no Donbass.
"Prolongar e insistir na guerra muito mais tempo levará a que passe a ser não uma questão de liberdade da Ucrânia mas, sim, uma nova guerra contra a própria Rússia", defendeu o antigo diplomata, agora com 98 anos.
O presidente ucraniano criticou a opinião de países terceiros sobre uma eventual cedência de território para travar a guerra e combater a crise económica mundial - na União Europeia, a Itália tem defendido essa mesma postura.
"Independentemente do que o estado russo faça, há alguém a dizer: 'Vamos ter em conta os seus interesses'. Este ano, em Davos, ouvimos o mesmo. Apesar dos mísseis russos atingirem a Ucrânia. Apesar das dezenas de milhares de ucranianos mortos. Apesar de Bucha, Mariupol, etc.. Apesar das cidades destruídas. Apesar de 'campos de filtração' construídos pelo estado russo, nos quais matam, torturam, violam e humilham", afirmou.
Zelensky, numa mensagem pró-europeia, resumiu dizendo que a Rússia "fez isto à Europa" mas, em Davos, "o senhor Kissinger emerge do passado profundo e diz que uma parte da Ucrânia devia ser dada à Rússia".
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